Poderia ser um título comum a estas três crónicas de Alberto Gonçalves:
A fome e a
vontade de comer
O universo
dos blogues recuperou um extraordinário texto do ordinário (no sentido não
pejorativo do termo) Paulo Pedroso, antigo ministro da Solidariedade. O texto,
velho de um ano na prática e de décadas na teoria, é um excelente exemplo dos
argumentos por detrás do ódio ao Banco Alimentar (BA) em geral e à sua
presidente, Isabel Jonet, em particular.
A tese, se tamanha infantilidade merece o nome, é a de que o BA
não passa de um sistema de escoamento dos excedentes dos supermercados, o qual
alivia "as consciências sem resolver nenhum problema estrutural".
Através de evidências, meias-verdades e cabeludas mentiras (os que doam os
serviços ao BA não se reduzem a "escuteiros e toda a rede de voluntários
ligada à Igreja Católica"), só falta ao dr. Pedroso reproduzir a linda
rábula do peixe, da cana e do pescador para concluir, cito, que prefere dedicar
a sua "energia" a "perguntar-se" o que pode "fazer
para que diminua este tipo de procura de bens alimentares enquanto a senhora
Jonet escoa a oferta".
Talvez seja altura de questionar o dr. Pedroso sobre se a energia
que dedica e as perguntas que se faz já deram frutos e respostas. Aposto que
não deram: pensar "estruturalmente" a pobreza é tarefa de uma vida e,
à semelhança de matutar acerca do destino desta, não leva a lado nenhum. Ou
leva a cargos em governos, universidades, fundações, observatórios e empresas
"públicas" empenhadas em não suprir as necessidades de nenhum
desgraçado até que se possa satisfazer todos os desgraçados da Terra em
simultâneo. A "caridade" que tanto repugna o dr. Pedroso compõe a
barriga de mil, dez mil ou cem mil famintos, mas isso de nada serve quando não
se resolve os problemas que tornam a fome possível, ainda que o processo demore
séculos. E se, no entretanto, o pessoal continua à míngua, trata-se de um
pormenor que não afecta a cósmica generosidade do dr. Pedroso, corajosamente
indiferente a casos individuais e apenas interessado no "conceito".
Em tempos, os ricos tinham, e alimentavam, o "seu" pobrezinho. Gente
como o dr. Pedroso chama a si os pobrezinhos em peso - desde que não precise de
alimentar nenhum.
Não acredito na bondade "pura". Não me custa aceitar que
Isabel Jonet também se mova por ambições íntimas, incluindo desejos de
notoriedade ou outros. A questão é que, no processo, há pessoas que
infelizmente precisam do trabalho da senhora e dele aproveitam. Em
contrapartida, abro uma excepção para o dr. Pedroso e similares, que
possivelmente são guiados pelas melhores intenções e pelo mais cristalino
altruísmo sem que daí resulte qualquer benefício para alguém - excepto, vejam
lá a ironia, os benfeitores.
Agora a sério, mesmo que o dr. Pedroso dificulte a tarefa: não me
esqueci do autor da maior acção de caridade da história do regime. Falo,
evidentemente, do "rendimento mínimo", proeza de propaganda que
incluía a "superficialidade" inconsequente que o dr. Pedro critica no
Banco Alimentar sem incluir o voluntariado que, em prol da coerência, o dr.
Pedroso continua a detestar: no RSI (eufemismo actual), os donativos são
arrancados à força.
O reino dos céus
Perante as críticas do Papa Francisco ao capitalismo e aos
"mercados", as pessoas que gostam do Vaticano recordam que isso não é
mais do que a costumeira doutrina social da Igreja. As pessoas que abominam o
Vaticano acham que a retórica é novidade e não só vai arrasar o capitalismo e
os "mercados" como, se a coisa correr pelo melhor, arrasará a Igreja.
Eu, neutro na matéria, prefiro notar que, apesar do aparente embaraço de uns e
do evidente entusiasmo dos outros, o próprio Papa talvez fizesse melhor em
começar por comentar o desemprego, a pobreza e a fome nos felizardos países sem
inclinações capitalistas e nos quais os mercados se limitam aos lugares onde o
povo compra, quando consegue comprar, hortaliças e galinhas. Se a devoção
materialista tem muitos defeitos, uma virtude ninguém lhe nega: não se confunde
com nenhuma das maravilhosas alternativas disponíveis.
Um caso
O Governo prepara o agravamento do IRC para as empresas com lucros
superiores a 50 milhões. O PS defendia a subida da taxa para 7%, o Governo
ficou-se pelos 6%, mesmo assim prova suficiente de que, entre nós, o
crescimento económico é severamente castigado por lei. As empresas exemplares,
dignas de comendas e carinhos fiscais, são as muito pequeninas ou as muito inviáveis.
O resto, que felizmente já é pouco, é corrido a toque de impostos, às vezes
literalmente e para lá da fronteira. Dado que nos contribuintes particulares a
dimensão do saque é ainda maior, a mensagem de quem manda é claríssima: não
prosperem. O "neoliberalismo" de sabor português é de facto um caso,
não sei se de estudo se de polícia.
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