quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

NATAL ZERO CATORZE



 (Gravura de Nicolau Saião) 



Quem fala de Natal perde palavras
à entrada do Inverno, na secura dos dias
no vasto frio das noites, tão lúcidas e antigas
tão de infância e de Agosto. O fogo
misturado: árvores, luzes, fantasmas
e as doces mãos das Avós. E ainda
um postal velho velho cheio de vento e de memórias.

Quem fala de Natal perde palavras, ganha
e perde as demais coisas que as palavras edificam.

“Quem grita no Natal? E Deus
não os fulmina? “. Quem mergulha os seus pulsos
na fria água do rio?  Com seus chapéus à banda
em barcos engalanados
os anjos vão passando, dizendo amores esquecidos
dizendo estranhas frases, assombrando as moradas
onde afinal não nasce o tal de Nazareth. O sal e o
pão terrenal dos que ainda não foram
pelo ar, pela vida, pelos túmulos vazios.

Sim, pelo Natal as pobres casas em ruínas.

Para ser do Natal é preciso possuir
uma lembrança ardente, um brinquedo estripado
e muita tristeza feita nos anos em leilão
dos retratos tombando com um nó na garganta.
Para ser do Natal é preciso morrer
e viver de seguida com o sangue nos braços
esperando a estrela fixa do brusco espanto nocturno
junto à porta perdida dum milagre adiado.

Ah falar de Natal! Quem o consente?

O pão e o sal
talvez
de toda a gente. E um olho de animal
pairando no poente. Decisivo, visceral. E Deus, pobre dele
abrindo a água lustral (no bem, no mal)
frente ao horror da morte
terrena e inocente.

Por isso, no Natal
os segredos demoram
e tudo muda e tudo se envolve num pano branco barato
para que ninguém esqueça um corpo ferido que por debaixo jaz
uma nova e desconhecida espécie de cadáver achado na ilha
dos animais inominados
e outras diversas coisas que por desespero se não apontam.

No Natal treme a casa, a casa
sempre caiada, como um sepulcro sem número e sem nome.

E o inventário dá, se estiver certo:
um coração ardido todo azul
uma recordação minúscula que se guardou num bolso
um riso salutar ensanguentado
uma pequena ironia desenhada a tinta de colegial
uma apenas esboçada mão posta sobre um antebraço
o lenço de cabeça duma tia que desapareceu na manhã
um gato tranquilamente dormindo ao cimo das escadas
uma rosa e uma palavra que a si mesmas se julgaram
duas mãos de pedra tremendo atravessadas por uma ferida
numa cruz de polo a polo
um hálito que soprado no peito nos enlouquece
um arrepio, uma agonia
uma tarde a fechar-se repleta de amargura e de alegria.

Talvez o Natal seja um rosto
ou uma madrugada de outono
ou um avião nocturno
ou um verão por detrás das coisas aparentes
ou um combatente jazendo de borco numa pia baptismal
ou os bramidos de dois seres abandonados encarando-se de súbito
numa rua da cidade
no escuro muito escuro de uma cidade do universo
quer dizer – luminosa e aterrada. E talvez

que tudo afinal esteja a mais, que tudo afinal
se resuma a filhós e azevias de um outrora
a canecas de café familiar
algures num horizonte, numa idade, num momento
no imenso murmúrio de uma voz sulcando o tempo.

E a chuva   que diabo   irá cobrindo tudo
no infinito Natal dos mundos desaparecidos.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Da requisição civil na TAP ou Do particular interesse público




(retirado daqui)

Guterres tentou vender a TAP. Sócrates tentou vender a TAP. E Passos Coelho está a tentar vender a TAP. Diferenças, há uma: desta vez é muito provável que aconteça. E a iminência da privatização assustou muita gente que, passados estes anos, subitamente encontrou nessa intenção um plano neoliberal. Não me vou alongar aqui acerca da privatização, que vejo como necessária para salvaguardar a prestação de um serviço público de qualidade. O que pretendo é discutir a opção do Governo pela requisição civil e este tipo de greves drásticas como “arma” negocial. (…)

(…) alguns alegam que não são interesses particulares que estão em jogo, mas sim a verdadeira defesa do interesse público – neste caso, a resistência à privatização da TAP. Desculpem, mas não é verdade. Primeiro, porque se a questão é a privatização, esse é um dossier político, a ser debatido pelos partidos políticos com o Governo, e não pelos pilotos. Segundo, porque nesta greve sempre estiveram em causa assuntos particulares, e não de interesse público.
Para o confirmar, basta consultar a irrealista lista de exigências dos sindicatos da TAP. E basta ver a razão que levou a que não se conseguisse acordo entre estes e o Governo: os pilotos querem uma fatia maior das acções da companhia, sem contrapartidas financeiras. Agora expliquem-me: de que modo é que a pretensão dos pilotos, que impediu o acordo entre sindicatos e Governo, é parte da defesa do interesse público?
O que me choca realmente é que este tipo de iniciativas sindicais – irrazoáveis e claramente motivadas por interesses particulares – reúna tamanho apoio na opinião pública. Mas aí está a hipocrisia do debate: ninguém quer saber o que motiva os sindicatos, desde que a oposição ao Governo seja feroz e provoque danos políticos. Daí que haja tamanho aproveitamento político destas iniciativas sindicais por parte de partidos políticos cuja representação na Assembleia da República é minoritária. É neste ponto que estamos: o que verdadeiramente interessa a todos é que estas greves são o mais apreciado e eficaz instrumento político para encostar ministros à parede.
Ora, isso parece justificar tudo. Incluindo afirmar, como faz Mariana Mortágua, que esta greve defende os emigrantes portugueses, mesmo que estes ficassem privados de passar o Natal em família (como se a privatização acabasse com as rotas aéreas). Se as razões acima não fossem suficientes, até para combater esta hipocrisia a requisição civil foi uma boa solução.

sábado, 13 de dezembro de 2014

A Instituição José Sócrates





Um dos fundadores do PS, António Campos, em visita ao seu amigo José Sócrates, disse aos jornalistas, à porta do Estabelecimento Prisional de Évora, que "a política é a política e a Justiça é a Justiça" e que, nesse caso, sendo um ex-primeiro ministro quem ali se encontrava detido, é a própria instituição democrática que está em causa.

Ora, segundo aquilo para que tudo aponta, é por ter querido pôr em causa a instituição, aprisionando-a em proveito próprio enquanto primeiro-ministro, que José Sócrates foi preso preventivamente para libertar a instituição da sua eventual acção criminosa enquanto aguarda pela conclusão das investigações.

Acrescento, assim, ao que aqui disse:

Sócrates deveria, até, haver procedido e continuar a proceder de modo contrário ao que fez e faz. Em defesa do Estado de direito, inocente do que o acusam, enquanto ex-primeiro-ministro e democrata convicto vítima de uma cabala tenebrosa, deveria ter-se apresentado voluntariamente para ser preso, convocando a Comunicação Social e exigindo, ao mesmo tempo, uma investigação completa ao seu caso. De modo a proteger-nos desse polvo que começara por querer aprisioná-lo.

E, já agora, pedido contenção pública nas emoções aos amigos.

Acho eu.

Um comentário interessante




Achei que deveria dar relevo ao comentário de um leitor, Heitor Cavaleiro, ao post anterior:

Vejamos: o que Soares fez, no seu desbragado acinte junto à prisão de Évora, foi praticar um acto antidemocrático como os muitos que tem protagonizado. Soares não deseja que o seu pupilo seja julgado, com todas as garantias de defesa como é de uso num Estado de Direito. O que Soares quer é eximi-lo a julgamento! Ou seja e em bom português, manipulando as massas e tentando intimidar os juizes, "safar o couro" ao antigo governante. Recordemos como Soares foi tão propício para Betino Craxi, Ceausescu, Andreotti, Sadam e outros que tais, tudo em nome da piedade formal...E o mesmo faria se outros notórios tipos, como Lula e Maduro, tivessem de responder pelos seus desmandos. Soares estará sempre do lado dos que abusam do Povo, como ele tantas vezes fez disfarçadamente.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Sobre a culpa da presunção intencional




Diz ainda José António Saraiva, neste outro editorial:



Da presunção de inocência à presunção de culpa

Nestes tempos de completa loucura têm-se dito imensos disparates e passado para a opinião pública muitas ideias erradas. Destaco oito questões, que merecem um comentário.

DETENÇÃO

Afirmou-se que Sócrates foi detido “com grande aparato mediático”.
Não é verdade.
Não existe nenhuma imagem da detenção de Sócrates, nem sequer do seu trajecto através do aeroporto acompanhado por agentes, depois de detido. 
A única coisa que existe é o vídeo de um carro avançando na noite - aparentemente filmado com um telemóvel -, que não se sabe quem leva lá dentro.
Se fosse nos EUA, Sócrates teria sido detido dentro do avião e algemado. 
Porém, os agentes esperaram por ele à saída da manga e conduziram-no por um percurso discreto, em que não houve contacto com jornalistas. 
A detenção não poderia ser mais recatada do que foi.
POLÍTICOS SÃO IGUAIS?

Alguns comentadores disseram que uma das consequências desta prisão seria consolidar a ideia de que “os políticos são todos iguais”.
Todos iguais, como?
Alguma vez na História de Portugal (e não apenas na democracia) um ex-primeiro-ministro foi preso?
Alguma vez houve um caso sequer parecido com este?
Esta prisão pode ter o efeito exactamente contrário: começar a separar o trigo do joio, a boa moeda da má moeda, para não serem todos metidos no mesmo saco.
Uma justiça independente e eficaz contribuirá para estabelecer diferenças entre os políticos - e não, como se pretendeu fazer crer, para os tornar 'todos iguais'. 
CARTA DE SÓCRATES

Noticiou-se que, no 'comunicado' enviado à TSF e ao Público, Sócrates  “desmentia as acusações de que era alvo”.
Ora, o texto não desmentia nada, nem podia desmentir, pois aí Sócrates teria de reproduzir as suspeitas que existem contra ele e depois rebatê-las. 
Mas isso seria uma violação grosseira do segredo de Justiça. 
O comunicado de Sócrates limitou-se a seguir a sua velha receita: sempre que é acusado, apresenta-se como vítima de uma cabala. 
Quando saíam notícias que o comprometiam, Sócrates fazia-se de vítima, virava os acontecimentos a seu favor e partia para o contra-ataque. 
Foi assim no caso do diploma, no Freeport, no Face Oculta, no Taguspark, etc. - e é assim agora.
Esta carta foi o remake de um filme velho, numa linguagem gasta: “infâmia”, “abuso”, “falsidade”, “prepotência”, “imputações absurdas”, “humilhação gratuita”, etc. 
Mas, em certo sentido, a carta de Sócrates era uma carta desesperada. 
O grito de alguém que sabe que dificilmente fugirá a ser condenado e se apresenta ao povo como um D. Quixote que desafia sozinho a Justiça (“o processo é comigo e só comigo”).
MÁRIO SOARES

Disse-se que Mário Soares foi a Évora prestar “solidariedade ao amigo José Sócrates”.
Ora, não foi bem isso. 
Sem se aperceber, Soares viajou no tempo até à época da ditadura, em que, na qualidade de advogado, defendia presos políticos e ia visitá-los à prisão. 
Na cadeia de Évora, Soares não tinha Sócrates na sua frente: tinha um oposicionista do passado, preso pela PIDE por razões políticas.
Foi por isso que Soares disse, por exemplo, que Sócrates estava preso “sem ter sido julgado” (frase que só faz sentido no contexto de um regime ditatorial).
BAGÃO

Bagão Félix achou que o caso dos Vistos Gold é “mais importante do que as suspeitas de corrupção de Sócrates”. 
Francamente, dr. Bagão!
Então a detenção de funcionários públicos por facilidades na obtenção de vistos de residência, por mais altos que sejam os seus cargos, é mais importante do que a prisão de um ex-primeiro-ministro por suspeitas de corrupção, em proveito próprio, no exercício de funções? 
O alegado suborno de um chefe de Governo para adjudicar obras de construção civil em muitos casos desnecessárias - obras essas que também contribuíram para levar o país à bancarrota - é menos importante do que uns vistos, por mais dourados que sejam? 
Na sua ânsia de atacar o Governo, Bagão perde a noção da realidade.
VISTOS GOLD

Foi  chocante o modo diferenciado como muitas pessoas reagiram perante dois casos separados apenas por oito dias. 
No caso dos Vistos Gold, elogiou-se o trabalho da investigação, ninguém criticou as fugas de informação nem invocou o segredo de Justiça, deram-se logo os suspeitos como culpados, falou-se de corrupção ao mais alto nível do Estado, considerou-se “inevitável” a demissão de Miguel Macedo e todos concordaram que o escândalo afectava o Executivo de Passos Coelho, ao ponto de António Costa considerar que a partir daí o Governo ficava “ligado à máquina”.
No caso Sócrates, criticou-se asperamente a magistratura, invocou-se o segredo de Justiça e atacaram-se os jornais que o desrespeitaram, considerou-se a detenção “desnecessária e humilhante”, repetiu-se até à exaustão que os suspeitos são “presumivelmente inocentes”, não se exigiu a demissão de ninguém, garantiu-se que o escândalo não afecta muito o PS e que António Costa deve prosseguir o seu caminho como se nada fosse.
Há pessoas que não têm uma réstia de pudor.
CORRUPÇÃO

A defesa de Sócrates afirma que no inquérito “não existem quaisquer indícios de corrupção”.
Será que anda a dormir?
Durante o consulado de Sócrates, o Grupo Lena passou de pequena empresa regional a grande potentado da construção civil, com fabulosos contratos no estrangeiro (designadamente na Venezuela). Até aqui, não se pode dizer nada.
O Grupo Lena foi, nesse mesmo período, contratado pelo Estado sem concurso público em obras de centenas de milhões de euros. Mas isto também não prova nada.
Carlos Santos Silva, o amigo de Sócrates, foi - igualmente no período de que estamos a falar - administrador do Grupo Lena e, a seguir, de uma empresa criada por este (a Lena Management & Investments SA, depois chamada XMI). Até aqui, ainda não se pode garantir nada.
Carlos Santos Silva passou para a conta de Sócrates (ou deu-lhe em dinheiro vivo) muitas centenas de milhares de euros ou mesmo milhões, comprou-lhe casas por um preço muito superior ao seu valor, e cedeu-lhe um luxuoso apartamento em Paris para viver (ou o apartamento pertencia mesmo a Sócrates e estava no nome do amigo?). 
Ora, aqui já a porca torce o rabo. 
Santos Silva deu tanto dinheiro a Sócrates porquê? 
Por ser amigo dele e querer ajudá-lo num momento difícil da sua vida, quando vivia exilado em Paris sem meios de subsistência, com o risco de passar fome e ter de dormir ao relento, como os clochards, em cima das grelhas do Metro? 
Não brinquemos! 
A partir daqui, não pode dizer-se que não existem indícios…
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA?

Toda a gente, sem excepção, diz que Sócrates goza da “presunção de inocência”.
E diz bem. 
A presunção de inocência é uma figura jurídica (importantíssima) que existe para que um indivíduo não perca os seus direitos antes de ser condenado. 
Mas, em linguagem corrente, a situação de Sócrates já não é exactamente essa. 
E isto porque o juiz, depois de ver os resultados da investigação, considerou provável que Sócrates tenha praticado mesmo os crimes de que é suspeito, mantendo-o em prisão preventiva.
Não quer dizer, evidentemente, que Sócrates venha a ser condenado.
Pode vir a ser inocentado.
Mas, neste momento, a presunção que sobre ele existe já não é de inocência mas de culpa.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Polvo à portuguesa




Assino por baixo este editorial de José António Saraiva, no jornal Sol.

DO QUE NOS LIVRÁMOS!

Em 2008, o BPN foi nacionalizado contra a vontade dos seus accionistas. Na altura, poucas vozes contrárias se fizeram ouvir, até porque a nacionalização tinha o aval do governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio.

Após este acto, o Governo designou como administrador do BPN Francisco Bandeira, um homem da confiança pessoal de Sócrates.

Entretanto, no ano seguinte, na sequência de convulsões internas, o BCP seria 'governamentalizado', entrando para a administração Carlos Santos Ferreira e Armando Vara, notórios amigos de Sócrates.

O BES, por seu lado, era governado por Ricardo Salgado, cuja cumplicidade com Sócrates se tornou a partir de certa altura evidente, ao ponto de - quebrando a sua proverbial contenção nas referências ao poder político - elogiar por diversas vezes o primeiro-ministro em público.

Quanto à CGD, era tutelada pelo Governo.

Em conclusão, exceptuando o BPI (de Fernando Ulrich), a partir de 2009 toda a banca ficou 'nas mãos' de Sócrates ou dos seus amigos: CGD, BCP, BPN e BES - para não falar do BdP, onde pontificava Constâncio.

Na comunicação social a situação também não era famosa.

No início do consulado de José Sócrates, o grupo Controlinvest (DN, JN e TSF), de Joaquim Oliveira, foi logo identificado pelo primeiro-ministro como um potencial aliado (até pela sua dependência da banca).

O grupo Cofina (Correio da Manhã e Sábado), de Paulo Fernandes, também se mostrava cauteloso nas referências ao Governo.

O grupo Impresa (SIC, Expresso e Visão) mantinha-se na expectativa.

O grupo RTP (RTP e RDP) pertencia ao Estado e mostrava-se dócil.

O grupo Renascença não se metia em sarilhos.

Restava o quê?

A TVI e o Público - este dirigido por José Manuel Fernandes, considerado por Sócrates persona non grata.

O SOL só apareceria mais tarde.

 Quando rebenta o caso Freeport, em 2009, as coisas vão aquecer.

A TVI estabelece um acordo com o SOL para a investigação daquele tema e torna-se para Sócrates um inimigo declarado.
Manuela Moura Guedes, a pivô do jornal televisivo de sexta-feira (que antecipa as notícias do Freeport), é o primeiro alvo a abater - e Sócrates empenha-se em afastá-la por todos os meios; mas tal não se mostra fácil, dado ser mulher do director da estação, José Eduardo Moniz.

Em desespero, Sócrates tenta usar a PT para comprar a TVI, mas o negócio borrega.

Também há tentativas para fechar o SOL, através do BCP (que era accionista de referência do jornal), comandadas por Armando Vara.

No que respeita à Impresa, apesar de não fazer grande mossa ao socratismo, sofre vários ataques, designadamente por parte de Nuno Vasconcellos e Rafael Mora, líderes da Ongoing e próximos de Sócrates, que tentam encostar Balsemão à parede.

Finalmente, sem se perceber porquê, Belmiro de Azevedo aceita a saída de Fernandes da direcção do Público, e Moura Guedes e Moniz deixam a TVI (indo este estranhamente para a Ongoing…).

O SOL fica isolado - e só se salvará por ser adquirido por accionistas não envolvidos na política interna.

Visto o controlo substancial de Sócrates sobre a banca e a comunicação social, olhemos para o poder político.

Sócrates dominava naturalmente o Governo, de que era o chefe, e o Parlamento, onde o PS tinha maioria absoluta - só lhe escapando a Presidência da República.

Por isso, voltou contra Cavaco Silva todas as baterias.

O PS e o Governo tentaram tudo para implicar Cavaco no caso BPN, por deter acções do banco (embora as tenha vendido antes de ir para Belém).

Esta campanha contra o Presidente da República ressuscitaria com estrondo nas eleições presidenciais de 2011, com a cumplicidade - diga-se - de muita comunicação social.

Outro momento alto da guerra contra Cavaco foi o aproveitamento de uma gafe de um seu assessor, Fernando Lima - que tinha falado a um jornalista sobre a possível existência de escutas a Belém -, para tramar o Presidente.

Usando uma técnica nele recorrente, Sócrates armou-se em vítima, virou os acontecimentos a seu favor e tentou destruir Cavaco Silva, acusando-o de montar uma cabala.

Outra vez com a ajuda de muitos jornalistas, os socratistas exploraram o caso à exaustão e o assunto foi objecto de intermináveis debates televisivos - onde se chegou a dizer que o PR tinha de renunciar ao cargo!

A campanha não matou Cavaco mas fez mossa, fragilizando o único bastião que não era dominado por Sócrates na esfera do poder político.

Talvez hoje alguns jornalistas percebam melhor o logro em que caíram.

Passando finalmente à Justiça, Sócrates tinha no procurador-geral da República, Pinto Monteiro, e no presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, não propriamente dois cúmplices, como alguns disseram, mas duas pessoas que pareceram sempre empenhadas em protegê-lo, fossem quais fossem as razões.

Nesta área, Sócrates contava ainda com um bom aliado: Proença de Carvalho, pessoa influente nos meios judiciais (incluindo junto de Pinto Monteiro).

E teve sempre o apoio do bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto.

Portanto, também aqui, o primeiro-ministro estava bem acolchoado.

Governo, Parlamento, Justiça, comunicação social, banca: Sócrates controlava os três poderes do Estado - executivo, legislativo e judicial - e estendia os seus tentáculos ao quarto poder (os media) e ao poder financeiro (os bancos).

Talvez muita gente não se tenha apercebido na época deste cenário aterrador.

Mas olhando para trás - e sabendo-se o que hoje se sabe - temos noção do perigo que o país correu: um homem sobre o qual pesam suspeitas tão graves chegou a deter um poder imenso, que se alargava a todas as áreas de influência.

Só de pensar nisto ficamos assustados - e é muito estranho que alguns dos que privavam com ele não se tenham apercebido de nada.

Foi lamentável ver pessoas de bem - como Ferro Rodrigues ou Correia de Campos - fazerem tão tristes figuras, defendendo-o encarniçadamente até ao fim.

É certo que, como bem disse José António Lima, a democracia venceu-o, afastando-o do cargo.

Mas também foi a democracia que permitiu que um homem como este chegasse a reunir um poder tão grande em Portugal.

Isso mostra a vulnerabilidade do sistema democrático.

P. S. - No caso dos vistos gold, logo a seguir às detenções, deu-se por adquirido que os arguidos eram culpados, considerou-se “inevitável” a demissão de Miguel Macedo, e António Costa disse que o Governo ficava “ligado à máquina”. Uma semana depois, as mesmas pessoas contestam a prisão de Sócrates, invocam a “presunção de inocência” e acham “absurdo” falar na hipótese de demissão de António Costa.
Palavras para quê?

domingo, 7 de dezembro de 2014

No dia em que Mário Soares faz 90 anos...





... recorde-se o que o (na altura) Bastonário da Ordem dos Advogados António Marinho Pinto escreveu sobre ele no "Diário do Centro".


MÁRIO SOARES E ANGOLA

 A polémica em torno das acusações das autoridades angolanas segundo as quais Mário Soares e seu filho João Soares seriam dos principais beneficiários do tráfico de diamantes e de marfim levados a cabo pela UNITA de Jonas Savimbi, tem sido conduzida na base de mistificações grosseiras sobre o comportamento daquelas figuras políticas nos últimos anos. Espanta desde logo a intervenção pública da generalidade das figuras políticas do país, que vão desde o Presidente da República até ao deputado do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, passando pelo PP de Paulo Portas e Basílio Horta, pelo PSD de Durão Barroso e por toda a sorte de fazedores de opinião, jornalistas (ligados ou não à Fundação Mário Soares), pensadores profissionais, autarcas, "comendadores" e comentadores de serviço, etc. Tudo como se Mário Soares fosse uma virgem perdida no meio de um imenso bordel. Sei que Mário Soares não é nenhuma virgem e que o país (apesar de tudo) não é nenhum bordel. Sei também que não gosto mesmo nada de Mário Soares e do filho João Soares, os quais se têm vindo a comportar politicamente como uma espécie de versão portuguesa da antiga dupla haitiana "Papa Doc" e "Baby Doc". Vejamos então por que é que eu não gosto dele(s). A primeira ideia que se agiganta sobre Mário Soares é que é um homem que não tem princípios mas sim fins. É-lhe atribuída a célebre frase: "Em política, feio, feio, é perder". São conhecidos também os seus zigue-zagues políticos desde antes do 25 de Abril. Tentou negociar com Marcelo Caetano uma legalização do seu (e de seus amigos) agrupamento político, num gesto que mais não significava do que uma imensa traição a toda a oposição, mormente àquela que mais se empenhava na luta contra o fascismo.

 JÁ DEPOIS DO 25 DE ABRIL, ASSUMIU-SE COMO O HOMEM DOS AMERICANOS E DA CIA EM PORTUGAL E NA PRÓPRIA INTERNACIONAL SOCIALISTA. Dos mesmos americanos que acabavam de conceber, financiar e executar o golpe contra Salvador Allende no Chile e que colocara no poder Augusto Pinochet. Mário Soares combateu o comunismo e os comunistas portugueses como nenhuma outra pessoa o fizera durante a revolução e FOI AMIGO DE NICOLAU CEAUCESCU, FIGURA QUE CHEGOU A APRESENTAR COMO MODELO A SER SEGUIDO PELOS COMUNISTAS PORTUGUESES.

 Durante a revolução portuguesa andou a gritar nas ruas do país a palavra de ordem "Partido Socialista, Partido Marxista", mas mal se apanhou no poder meteu o socialismo na gaveta e nunca mais o tirou de lá. Os seus governos notabilizaram-se por três coisas: políticas abertamente de direita, a facilidade com que certos empresários ganhavam dinheiro e essa inovação da austeridade soarista (versão bloco central) que foram os salários em atraso.


 INSULTO A UM JUIZ

 Em Coimbra, onde veio uma vez como primeiro-ministro, foi confrontado com uma manifestação de trabalhadores com salários em atraso. Soares não gostou do que ouviu (chamaram-lhe o que Soares tem chamado aos governantes angolanos) e alguns trabalhadores foram presos por polícias zelosos. Mas, como não apresentou queixa (o tipo de crime em causa exigia a apresentação de queixa), o juiz não teve outro remédio senão libertar os detidos no próprio dia. Soares não gostou e insultou publicamente esse magistrado, o qual ainda apresentou queixa ao Conselho Superior da Magistratura contra Mário Soares, mas sua excelência não foi incomodado. Na sequência, foi modificado o Código Penal, o que constituiu a primeira alteração de que foi alvo por exigência dos interesses pessoais de figuras políticas. Soares é arrogante, pesporrento e malcriado. É conhecidíssima a frase que dirigiu, perante as câmaras de TV, a um agente da GNR em serviço que cumpria a missão de lhe fazer escolta enquanto presidente da República durante a Presidência aberta em Lisboa: "Ó Sr. Guarda! Desapareça!". Nunca, em Portugal, um agente da autoridade terá sido tão humilhado publicamente por um responsável político, como aquele pobre soldado da GNR. Em minha opinião, Mário Soares nunca foi um verdadeiro democrata. Ou melhor é muito democrata se for ele a mandar. Quando não, acaba-se imediatamente a democracia. À sua volta não tem amigos, e ele sabe-o; tem pessoas que não pensam pela própria cabeça e que apenas fazem o que ele manda e quando ele manda. Só é amigo de quem lhe obedece. Quem ousar ter ideias próprias é triturado sem quaisquer contemplações. Algumas das suas mais sólidas e antigas amizades ficaram pelo caminho quando ousaram pôr em causa os seus interesses ou ambições pessoais. Soares é um homem de ódios pessoais sem limites, os quais sempre colocou acima dos interesses políticos do partido e do próprio país. Em 1980, não hesitou em APOIAR OBJECTIVAMENTE O GENERAL SOARES CARNEIRO CONTRA EANES, NÃO POR RAZÕES POLÍTICAS MAS DEVIDO AO ÓDIO PESSOAL QUE NUTRIA PELO GENERAL RAMALHO EANES. E como o PS não alinhou nessa aventura que iria entregar a presidência da República a um general do antigo regime, Soares, em vez de acatar a decisão maioritária do seu partido, optou por demitir-se e passou a intrigar, a conspirar e a manipular as consciências dos militantes socialistas e de toda a sorte de oportunistas, não hesitando mesmo em espezinhar amigos de sempre como Francisco Salgado Zenha. Confesso que não sei por que é que o séquito de prosélitos do soarismo (onde, lamentavelmente, parece ter-se incluído agora o actual presidente da República (Mário Soares), apareceram agora tão indignados com as declarações de governantes angolanos e estiveram tão calados quando da publicação do livro de Rui Mateus sobre Mário Soares. NA ALTURA TODOS METERAM A CABEÇA NA AREIA, INCLUINDO O PRÓPRIO CLÃ DOS SOARES, E NEM TUGIRAM NEM MUGIRAM, APESAR DE AS ACUSAÇÕES SEREM ENTÃO BEM MAIS GRAVES DO QUE AS DE AGORA. POR QUE É QUE JORGE SAMPAIO SE CALOU CONTRA AS "CALÚNIAS" DE RUI MATEUS?".


 "DINHEIRO DE MACAU"

 Anos mais tarde, um senhor que fora ministro de um governo chefiado por MÁRIO SOARES, ROSADO CORREIA, vinha de Macau para Portugal com uma mala com dezenas de milhares de contos. *A proveniência do** dinheiro era tão pouco limpa que um membro do governo de Macau, ANTÓNIO **VITORINO, *foi a correr ao aeroporto tirar-lhe a mala à última hora. Parece que se tratava de dinheiro que tinha sido obtido de empresários chineses com a promessa de benefícios indevidos por parte do governo de Macau. Para quem era esse dinheiro foi coisa que nunca ficou devidamente esclarecida. O caso EMAUDIO (e o célebre fax de Macau) é um episódio que envolve destacadíssimos soaristas, amigos íntimos de Mário Soares e altos dirigentes do PS da época soarista. MENANO DO AMARAL chegou a ser responsável pelas finanças do PS e Rui Mateus foi durante anos responsável pelas relações internacionais do partido, ou seja, pela angariação de fundos no estrangeiro. Não haveria seguramente no PS ninguém em quem Soares depositasse mais confiança. Ainda hoje subsistem muitas dúvidas (e não só as lançadas pelo livro de Rui Mateus) sobre o verdadeiro destino dos financiamentos vindos de Macau. No entanto, em tribunal, os pretensos corruptores foram processualmente separados dos alegados corrompidos,com esta peculiaridade (que não é inédita) judicial: os pretensos corruptores foram condenados, enquanto os alegados corrompidos foram absolvidos.

 Aliás, no que respeita a Macau só um país sem dignidade e um povo sem brio nem vergonha é que toleravam o que se passou nos últimos anos (e nos últimos dias) de administração portuguesa daquele território, com os chineses pura e simplesmente a chamar ladrões aos portugueses. E isso não foi só dirigido a alguns colaboradores de cartazes do MASP que a dada altura enxamearam aquele território.

 Esse epíteto chegou a ser dirigido aos mais altos representantes do Estado Português. Tudo por causa das fundações criadas para tirar dinheiro de Macau. Mas isso é outra história cujos verdadeiros contornos hão-de ser um dia conhecidos. Não foi só em Portugal que Mário Soares conviveu com pessoas pouco recomendáveis. Veja-se o caso de BETINO CRAXI, o líder do PS italiano, condenado a vários anos de prisão pelas autoridades judiciais do seu país, devido a graves crimes como corrupção. Soares fez questão de lhe manifestar publicamente solidariedade quando ele se refugiou na Tunísia. Veja-se também a amizade com Filipe González, líder do Partido Socialista de Espanha que não encontrou melhor maneira para resolver o problema político do país Basco senão recorrer ao terrorismo, contratando os piores mercenários do lumpen e da extrema direita da Europa para assassinar militantes e simpatizantes da ETA. Mário Soares utilizou o cargo de presidente da República para passear pelo estrangeiro como nunca ninguém fizera em Portugal. Ele, que tanta austeridade impôs aos trabalhadores portugueses enquanto primeiro-ministro, gastou, como Presidente da República, milhões de contos dos contribuintes portugueses em passeatas pelo mundo, com verdadeiros exércitos de amigos e prosélitos do soarismo, com destaque para jornalistas. São muitos desses "viajantes" que hoje se põem em bicos de pés a indignar-se pelas declarações dos governantes angolanos. Enquanto Presidente da República, Soares abusou como ninguém das distinções honoríficas do Estado Português. Não há praticamente nenhum amigo que não tenha recebido uma condecoração, enquanto outros cidadãos, que tanto mereceram, não obtiveram qualquer distinção durante o seu "reinado". Um dos maiores vultos da resistência antifascista no meio universitário, e um dos mais notáveis académicos portugueses, perseguido pelo antigo regime, o Prof. Doutor Orlando de Carvalho, não foi merecedor, segundo Mário Soares, da Ordem da Liberdade. Mas alguns que até colaboraram com o antigo regime receberam as mais altas distinções. Orlando de Carvalho só veio a receber a Ordem da Liberdade depois de Soares deixar a Presidência da República, ou seja logo que Sampaio tomou posse. A razão foi só uma: Orlando de Carvalho nunca prestou vassalagem a Soares e Jorge Sampaio não fazia depender disso a atribuição de condecorações.


 FUNDAÇÃO COM DINHEIROS PÚBLICOS

 A pretexto de uns papéis pessoais cujo valor histórico ou cultural nunca ninguém sindicou, Soares decidiu fazer uma Fundação com o seu nome. Nada de mal se o fizesse com dinheiro seu, como seria normal. Mas não; acabou por fazê-la com dinheiros públicos. SÓ O GOVERNO, DE UMA SÓ VEZ DEU-LHE 500 MIL CONTOS E A CÂMARA DE LISBOA, PRESIDIDA PELO SEU FILHO, DEU-LHE UM PRÉDIO NO VALOR DE CENTENAS DE MILHARES DE CONTOS. Nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha ou em qualquer país em que as regras democráticas fossem minimamente respeitadas muita gente estaria, por isso, a contas com a justiça, incluindo os próprios Mário e João Soares e as respectivas carreiras políticas teriam aí terminado. Tais práticas são absolutamente inadmissíveis num país que respeitasse o dinheiro extorquido aos contribuintes pelo fisco. Se os seus documentos pessoais tinham valor histórico Mário Soares deveria entregá-los a uma instituição pública, como a Torre do Tombo ou o Centro de Documentação 25 de Abril, por exemplo. Mas para isso era preciso que Soares fosse uma pessoa com humildade democrática e verdadeiro amor pela cultura. Mas não. Não eram preocupações culturais que motivaram Soares. O que ele pretendia era outra coisa. Porque as suas ambições não têm limites ele precisava de um instrumento de pressão sobre as instituições democráticas e dos órgãos de poder e de intromissão directa na vida política do país. A Fundação Mário Soares está a transformar-se num verdadeiro cancro da democracia portuguesa." O livro de Rui Mateus, que foi rapidamente retirado de mercado após a celeuma que causou em 1996 (há quem diga que "alguém" comprou toda a edição)”.