domingo, 13 de janeiro de 2013

"A realidade não passará?" e "Os denunciantes"




(imagem obtida aqui)


São os títulos de duas crónicas de Alberto Gonçalves no DN, respectivamente aqui e aqui, que transcrevo de seguida.




A realidade não passará?

Agora é oficial: as exactas forças políticas que criticam os aumentos de impostos também não aceitam reduções na despesa. Se não tivesse outras virtudes, o relatório do FMI teria o mérito de confirmar que, perante um Governo indeciso, há uma oposição que sabe muito bem o que quer. Por acaso, quer o impossível, conforme já reivindicavam os "realistas" do Maio de 1968. E se as consequências de uns garotos mimados a berrar disparates não são graves, as consequências de partidos apesar de tudo representativos imitarem os garotos arriscam dar para o torto.

Sem surpresas, os "argumentos" contra os cortes no Estado não diferem dos "argumentos" contra a carga fiscal. Os cortes são ideologicamente orientados (como se os seus adversários agissem em nome de uma pureza desprovida de ideologia e de interesses). Os "cortes" não constam do Memorando assinado com a troika (como se se defendessem os "cortes" que constam do Memorando e se achasse este documento, afinal, louvável). Os "cortes" violam a Constituição (como se estraçalhar as finanças públicas à custa de negociatas e em seguida deslizar para Paris não violasse o artigo que prevê a punição política, civil e criminal das "acções e omissões" que os governantes "pratiquem no exercício das suas funções"). Etc.

Sobretudo o zelo constitucional é curioso. Aqui e ali, gente indignada fareja com regularidade incumprimentos da sacrossanta lei fundamental sem perceber, ou fingindo não perceber, que o problema não passa por aí. A situação para que, directa ou indirectamente, tantos entusiastas do legalismo arrastaram o País força o País a esquecer a constitucionalidade e a preocupar-se com a realidade. A primeira, apesar do escândalo, ainda é contornável; a segunda, cujo carácter imperativo não carece de tribunal próprio, não. De que adianta uma Constituição "garantir" a todos os cidadãos o direito ao Maserati na garagem se o stand de automóveis deixou de vender fiado?

Descontado o exagero, a retórica que vinga por aí teima no Maserati (ou no Opel, vá lá) e na isenção de o pagar. Para citar um recente convidado do Expresso da Meia-Noite, "temos de definir o padrão de vida de que não estamos dispostos a abdicar e então pedir solidariedade europeia". E não, o convidado não se chamava Artur Baptista da Silva, mas Nãoseiquê Nazaré, figura que suponho ligada aos futebóis e aos socialismos e que, diga-se, limitou-se a repetir a loucura vigente. Aos portugueses, compete respeitar escrupulosamente a Constituição. Aos europeus do Norte, cabe-lhes desprezar as constituições deles a fim de nos sustentar a folia, perdão, o padrão de vida de que não abdicamos. É a solidariedade unilateral.

De qualquer modo, a histeria geral está mal direccionada: o primeiro-ministro correu a avisar que o relatório do FMI "não é a Bíblia" e Paulo Portas admite que o dito relatório possui "coisas discutíveis" e "coisas inaceitáveis". Mesmo sendo verdade, o importante é o frenesim do Governo em abraçar a luta que o une aos que o desejam enxotar. No que depender de nós, nada muda. Feliz ou infelizmente, hoje pouco depende de nós. E, por este andar, amanhã ainda menos.




Os denunciantes

Ao arrepio da timidez típica na classe política, o Bloco de Esquerda não teme erguer a voz contra as injustiças. Há dias, o seu líder parlamentar denunciou um caso de negligência no Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, onde um homem de 25 anos foi mandado para casa sem realizar qualquer exame e acabou por morrer devido a um aneurisma.

O único problema desta história, além de uma morte prematura, é a circunstância de ser tudo mentira - excepto, infelizmente, a morte. Afirmando-se triste com o uso da dor alheia para fins políticos, a própria mãe do falecido esclareceu que no estabelecimento hospitalar em causa "tiveram todos os cuidados, acompanharam-no sempre, realizaram todos os exames com diagnóstico imediato". Quanto ao BE, voltou-se contra as "incongruências" da fonte que lhe cedeu a informação e nem por instante admitiu que o pormenor de o Hospital de São Sebastião ser um exemplo pioneiro de gestão empresarial no Serviço Nacional de Saúde espevitou os apetites da rapaziada por expor as "falhas" do recurso aos métodos do sector privado (o sector público, escusado recordar, é imaculado).

Quem aqui falhou foi, como sempre, o BE. Desta vez fê-lo com espalhafato. Na maioria das vezes fá-lo à revelia do escrutínio público. Mas a repugnante natureza da coisa não muda: os senhores do BE sentem-se tocados pela graça, ungidos cuja missão na Terra é a de acusar, com o dedinho a tremer, as respectivas iniquidades, ainda que as iniquidades nem sequer existam ou ainda que as acusações escondam a defesa de iniquidades piores. De resto, a pior iniquidade é o BE.

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