Antes que
algum idiota hipotético e conotativo pense em me processar por difamação,
injúria, calúnia ou qualquer outra fina figura jurídica, esclareço e adianto
que a palavra idiota no título e no
restante do texto é usada em sua condição denotativa. Nesta, a palavra,
derivada diretamente do grego idiotés,
significa privado, particular, em oposição a público e a político. Pois no
mesmo grego, político, ou melhor, politikós, é o relativo à comunidade, à
cidade, mais exatamente, à pólis. O
cidadão (habitante da cidade) que a ela se dedica é, portanto, politikós – enquanto aquele que lhe dá
as costas para cuidar de seus negócios pessoais, particulares, privados (numa
palavra, idiói), é um idiotés.
A conotação de imbecil, burro e/ou
cretino, em todos os sentidos destes termos (cretino, por exemplo, é
originalmente um termo médico, equivalente a débil mental), que a palavra idiota adquiriu, advém do fato de que,
para os gregos, só podia haver vida inteligente no âmbito politikós, em que um homem era posto à prova, ao mesmo tempo, em
suas virtudes e em suas capacidades, incluindo iniciativa, coragem,
conhecimento, honestidade e discurso político
para falar na assembleia dos cidadãos; nada disso era demandado ou testado no
cuidar de seus negócios particulares.
Mas Lula é, por profissão, um
político. Se é, ao mesmo tempo, um idiota, é um idiota político, ou um político
idiota, o que denotativamente é igual. Igual e igualmente contraditório: pois
como pode um homem ser ao mesmo tempo dedicado à pólis, à política, à coisa
pública, e se dedicar apenas às suas questões pessoais, particulares, e ser
assim um idiota? A resposta está na traição da política, na sua inversão ou
subversão. Se a política perde sua substância ou natureza de coisa pública,
passa a ser idiota sem com isso se tornar contraditória. Pois sua contradição
estaria, então, com a própria política em seu sentido original.
Tudo fica mais claro ao se comparar e
contrastar com outro par de conceitos, o político e o estadista. Se o político
é aquele que se dedica à pólis, o estadista é quem se dedica ao Estado. Mas isto
em suas denotações, que, neste caso, esclarecem pouco ou nada face às suas
conotações. Começando pelo último, um estadista é o político que deixa de lado
seus interesses particulares pelo interesse maior do país. O caso paradigmático
notório da política contemporânea é Nelson Mandela. Depois de 27 anos de prisão,
foi libertado e alçado à condição de presidente. Mas exerceu apenas um mandato,
sequer se candidatando à reeleição. Houve vários motivos, mas o principal e talvez
menos conhecido foi o fato de que Mandela afrontou a maioria das demais
lideranças do CNA (Congresso Nacional Africano), seu partido e maior partido do
país, a fim de barrar o caminho da revanche ou vingança contra a minoria branca,
depois do fim do apartheid. Essa
tendência era forte o bastante no partido para que Mandela tivesse de usar todo
seu cacife político a fim de abortá-la, com isso evitando uma guerra civil e a
destruição do país. Mas também garantindo o fim de sua curta e tardia estadia
no poder. Ao contrário e à diferença do estadista, o político comum deixa de
lado os interesses maiores do país por seus interesses pessoais. Portanto,
apesar da aparente contradição, a maioria absoluta dos políticos é idiota. No
caso brasileiro, Lula é, então, apenas o mais idiota deles. Ou o maior idiota
entre eles.
Depois de vinte anos de oposição, em
que Lula e o PT firmaram e afirmaram serem um político e um partido políticos,
que queriam chegar ao poder para tirá-lo das mãos dos idiotas, dos grupos de oligarcas
que loteavam o Estado em causa própria, para devolver o Estado à cidadania, à
cidade, à pólis, o que se viu foi o contrário. Ou seja, a transformação do PT e
de Lula em mais um partido e em mais um político idiotas, ocupados e
preocupados em seu interesse maior, principal e, no limite, único, seu projeto
particular (ou idiota) de poder. Isto é fato notório e indiscutível. Menos
notório hoje, pois relativamente esquecido (ainda que igualmente indiscutível),
foi o primeiro e principal motivo alegado para tal transformação. Ele pode ser
resumido na palavra “governabilidade”, e assim traduzido: as reformas que
fariam do Brasil um Estado cidadão, em vez de um Estado ladrão ou idiota, que
toma muito de quase todos para dar muito a poucos e muito pouco aos demais, ou
seja, as reformas política, fiscal, jurídica e educacional, para começar, não
foram então implantadas porque o “sistema político” idiota não o permitiu.
Logo, façamos o possível – o que, na prática, se traduziu em não fazer nada
para transformar o Estado brasileiro de idiota para político. Mas já que
estamos aqui, ao menos usemos o idiota do Estado brasileiro para servir ao nosso
próprio grupo de políticos idiotas. Afinal, somos idiotas, mas não imbecis.
Há todavia um porém: Lula e o PT
tinham, quando de sua primeira eleição presidencial, um cacife político enorme,
que ninguém jamais soube ou saberá se suficiente para afrontar, ao menos em
parte, e em que parte, a arraigada idiotia da política nativa. Porque esse
afrontamento, em nome das reformas que eram a própria razão histórica e
política do PT e de Lula, não foi na verdade tentado. Se não foi tentado,
afirmar, como fariam depois Lula e o PT, que era a priori impossível, é retórica, falácia, sofisma ou mentira. O
fato insofismável é que Lula e o PT logo se tornaram apenas e simplesmente uma
nova parte da velha massa de políticos idiotas, e estamos conversados.
É a idiotia do PT em geral e de Lula
em particular que explica a recente revolta da cidadania brasileira contra a
idiotia da política nacional. Pois se o partido e o líder que se fizeram
historicamente, no período posterior à ditadura militar, como aqueles que
repolitizariam essa política, ou a desidiotizariam, não o fizeram, e se além de
não o fazerem a reforçaram, tornando-se os mais idiotas da política nativa, ou
seja, os mais agarrados ao seu projeto particular de poder, deixava então de
existir, em todo o espectro político brasileiro, qualquer opção dirigida a essa
repolitização ou a essa desidiotização da política.
Nesse contexto, o papel do mais que
idiota governo Dilma, com sua aliança figadal com os maiores idiotas políticos
do país, conhecidos como oligarcas ou fisiológicos, agrupados em siglas como o
PMDB e atendendo por nomes como José Sarney, Renan Calheiros e Paulo Maluf
(apoiador do candidato de Dilma, de Lula e do PT em São Paulo, Fernando
Haddad), foi o de confirmar e reconfirmar, depois da radicalmente idiota “era
Lula” (cujo grande esforço político seria afinal fazer seu sucessor, a própria
Dilma), o completo abandono, pelo PT, do resgate da política pelo combate à
idiotia. Com isto confirmado e reconfirmado, não havia mais saída da
idiotização da política senão fora da política idiota. O que explica a
cidadania tomar as cidades, único caminho restante para retomar o que é da pólis,
a política que merece o nome.
Lula, o grande idiota da política
brasileira contemporânea, está, portanto, completamente certo quando afirma e
reafirma, como vem afirmando e reafirmando, que a recente revolta popular no
Brasil se deve aos seus governos. Não, obviamente, para quem não é minimamente estúpido,
pelos motivos que alega, ou seja, suas “grandes conquistas”: segundo Lula, o
idiota maior da política menor brasileira, que portanto acredita poder enganar
a todos todo o tempo, o aumento de consumo “por ele” conquistado seria a causa
dessa revolta, pois os perfeitos imbecis dos cidadãos brasileiros, ao perceberem,
por obra e graça de Lulinha, o Grande, que podiam consumir, não se contentariam
mais em ser tratados, digamos, como perfeitos imbecis pelo Estado idiota brasileiro,
como sempre o foram. Ocorre que tais famosas “conquistas” lulopetistas não
incluem nenhuma das reformas históricas necessárias para resgatar a política
brasileira – pois limitadas, fundamentalmente, a esse famoso aumento de consumo
pelos mais despossuídos, sem sequer o incremento da produção e da
produtividade, pelo lado econômico, ou da educação, pelo lado da cidadania. E sem
falar do exercício podre do poder. Cuja podridão se espalha, afinal, por todo o
país, envolvendo desde a infraestrutura física (daí a famosa “[i]mobilidade
urbana” tornar-se um problema intratável) até a superestrutura moral (daí o
país ser o infame recordista planetário de mortes por assassinato). O Brasil é,
enfim, um país apodrecido (podre o poder, podre a educação pública, podre a
saúde pública, podre a segurança pública, podre tudo o que é público), liderado
por idiotas e habitado por imbecis. Até ontem.
De fato, a recente revolta popular no
Brasil se deve diretamente aos governos da “era Lula”, incluindo o de sua
sucessora, seguidora e títere: mas apenas porque tais governos foram a maior e a
mais evidente traição histórica recente à promessa jamais resgatada, por nossa
superidiota classe política, de politizar a política brasileira. Isto será
então necessariamente feito, não importa como, pelos ex-imbecis, afinal
desimbecilizados pela insuportável demora dos inquilinos do poder em se
desidiotizar.
2 comentários:
Sensacional, emocionante.
Merci, Ari.
LD.
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