quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
"Adeus tristeza"
(imagem obtida aqui)
Com
"uma guitarra na mão", Fernando Tordo emigrou para o Brasil. Até
aqui, descontada a louvável tolerância da TAP na bagagem de cabina, nada de
especial: embora por regra mais jovens, muitos portugueses também emigram e, se
atendermos à história, sempre emigraram. A circunstância de se tratar de um
cantor e compositor popular não torna o gesto de Fernando Tordo diferente do
gesto de tantos enfermeiros, biólogos e serralheiros, mesmo que estes raramente
mereçam reportagens televisivas. É típico dos países pobres que as pessoas sem
trabalho, ou com trabalho mal remunerado ou, como se afirmou no caso, com
reformas pequeninas, procurem uma vida melhor. A culpa? É de todos e não é de
ninguém, se me permitem o cliché. Não vale a pena apontar o dedo a quem votou no
Governo da "austeridade". Nem a quem votou nos governos que forçaram
a "austeridade". Por muito que nos custe, a "austeridade" é
o nosso valor facial, o melhor que conseguimos se nos deixarem entregues a nós
próprios e aos "fundos" e "tranches" que continuam a cair
por aí. Sem os "fundos" e as "tranches", o valor facial
será ainda menor. E, salvo um milagre, a "austeridade" maior.
Fujo do
assunto. O interessante na partida de Fernando Tordo começa no pormenor de ele
a ter anunciado no Facebook, em texto cheio de pretenso entusiasmo que as
lamúrias em entrevistas posteriores (sim, teve direito a entrevistas)
comprometeram. O interesse cresce quando o filho de Fernando Tordo publica no
seu Facebook uma "carta-aberta" e terna ao seu pai, lamentando o ódio
nas "caixas" de comentários online (ai, ai, que haveria imenso a
dizer sobre o ódio nas "caixas" de comentários online). Por fim, a coisa
atinge o sublime no momento em que Fernando Tordo responde ao filho - adivinhem
- através de "carta-aberta" no Facebook.
Em suma,
a internet é um refúgio de mal-intencionados, por isso vamos lá trocar
intimidades na internet que as chamadas telefónicas estão pela hora da morte e
os e-mails "fechados" não suscitam
notícias de rodapé. À primeira vista, o maior problema da família Tordo não é a
falta de dinheiro: é a falta de noção de privacidade, a falta de noção da sua
insignificância. O problema da família Tordo é, afinal, o problema de
incontáveis artistas caseiros, com e sem aspas: a lata. Dado que Fernando Tordo
gosta de "cartas-abertas", cá segue outra.
Caro
senhor (que não tenho o prazer de conhecer), emigrar não é um drama obrigatório.
É uma decisão pessoal que, por definição, convém mantê-la assim ou limitá-la a
círculos restritos. E se não é proibido espalhá-la aos ventos, é ridículo
apresentarmo-nos ao público enquanto exemplo de sofrimento. Principalmente se o
sofrimento é bastante relativo. É que também não é proibido que o público ache
o exercício pretensioso e responda em conformidade. Além disso, já se sabe que
quem abusa do acesso aos media arrisca-se a levar com os media em cima. Era escusado provocar a manchete do jornal i, que
divulgou os 200 mil euros amealhados desde 2008 pela empresa que o senhor
possui - só em concertos encomendados pelo Estado, com as autarquias à cabeça.
Para quem se queixa dos "agentes públicos que desprezam as Artes (com
maiúscula)", não está mal. Para quem insiste na relevância da Arte que
produz, está péssimo: não haverá multidões ansiosas por encher auditórios de
modo a assistir, sem patrocínios camarários, à enésima interpretação de Tourada?
Pelos vistos, não. Por isso, o senhor rumou ao Brasil, onde decerto o
aguardavam impacientes. E, ao que li, regressa em Abril. O senhor é um
emigrante breve, mas o tempo que nos rouba já vai longo.
Adenda (26-02-2014) - Um esclarecimento de Fernando Tordo.
Adenda (26-02-2014) - Um esclarecimento de Fernando Tordo.
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
De um país que é um sorvedouro de paciência...
...disse Alberto Gonçalves, aqui:
Perder na secretaria
Ou porque
o seu presidente andou com problemas de saúde ou porque a equipa de futebol não
anda a jogar bem, é voz corrente que o FC Porto está em fim de ciclo. Talvez
esteja, talvez não, para mim tanto faz: fui do Benfica na idade em que liguei
ao assunto, sou completamente neutro desde que deixei de ligar. De qualquer
modo, se o fim do ciclo é discutível, o ciclo não é.
Nos
últimos 35 anos, o FC Porto largou a irrelevância que o marcava e começou a
discutir a hegemonia com os clubes da capital. Nos últimos 20, assumiu a
hegemonia sozinho e deixou a irrelevância aos outros. Os processos utilizados
não interessam muito e, sobretudo, não me interessam nada. À semelhança dos
fundamentos do sucesso do Benfica de há meio século e, em menor escala, no
sucesso do Sporting de há três quartos, suponho que o FC Porto é melhor dentro
do campo e fora dele, incluindo-se aqui matéria lícita e, apesar do falso pudor
das virgens que dominaram o sector em 1950 e em 1970, ilícita. Nestas coisas
não há acasos: sem "ajudas" provadas, Lance Armstrong teria sido
igualmente superior aos adversários, tal como antes o fora Merckx,
evidentemente com "ajudas" por provar. Salvo pormenores ocasionais,
nem o Benfica de Eusébio nem o FC Porto de, por exemplo, Deco, careciam de
favores para humilhar a concorrência. Os adeptos, maioritariamente do Norte e
ainda mais do Grande Porto, agradeceram a proeza e tomaram-na a título de
desagravo do centralismo lisboeta. Fizeram mal.
Ao mesmo
tempo em que celebravam as vitórias nos estádios, os portistas, portuenses e
nortenhos viam-se derrotados no mundo real. As glórias do FC Porto coincidem
com o período em que a região que o clube pretende representar perdeu
influência nos destinos do País, peso no respectivo PIB e riqueza proporcional
dos seus cidadãos. Trata-se, justamente, de uma coincidência, já que as
mudanças devem-se menos às cabeçadas de Gomes e Jardel do que a factores um
bocadinho alheios. A globalização desmantelou boa parte da estrutura produtiva
do Norte, assente na indústria e nas exportações. Portugal tornou-se um lugar
de serviços, crescentemente sediados a Sul. O desenvolvimento nacional passou a
fazer-se a expensas dos "fundos" europeus, cuja distribuição, por
fintas e mergulhos dignos de Paulo Futre, teima em concentrar-se nas imediações
do proverbial Terreiro do Paço. Enquanto o FC Porto reinava, o Porto, cidade e
área metropolitana, secava. Entretida com os remates certeiros, e orgulhosa de
um clube caracterizado pela organização eficaz, taças em abundância e, por
comparação aos rústicos rivais, um genérico ar "moderno", a população
não reparou que, no que importa, Lisboa começava a golear o Porto.
Não falo
apenas de política. Ou de economia. Ou, descontada a ridícula dimensão pátria,
de cultura. Basta ver televisão, onde as referências sortidas ao Porto ou ao
Norte, com frequência a cargo de criaturas nadas e criadas no Porto ou no
Norte, crescentemente não dispensam a distância imposta pelo advérbio
"lá": lá em cima, lá para aquelas bandas, lá no Porto, lá no Norte.
De forma oficiosa, quase oficial, o Porto é província, quase ultramar (o Norte
nem isso). Hoje, Lisboa só precisa do Porto na medida em que o Porto precisa do
interior nortenho: para simular carências e açambarcar os apoios de
"convergência". E o bom povo lá de cima (ou cá de cima, na minha
perspectiva) convenceu-se de que os êxitos na bola, erguidos a símbolo e a
orgulho regionais, compensam o resto. Não compensam, pelo que fica a esperança
de que o alegado fim de ciclo do FC Porto aconteça e sirva para recordar que um
esboço de equilíbrio geográfico não se alcança aos pontapés no famoso esférico.
Convém,
para evocar um cliché, que o Porto - os cidadãos, não as autarquias, delegações
e pechisbeques afins - desvie os olhos da baliza e veja o essencial. E o Norte,
que cavalgou sem retribuição o apogeu do FC Porto e, repito, sofre em benefício
do Porto o exacto desprezo que o Porto sofre em prol de Lisboa, também. O
bairrismo é cretino, mas a demografia conta.
Escravos
"É
cada vez maior o número de portugueses sujeitos a trabalho escravo no seu
próprio país", lia-se num título do Público. No corpo da notícia, procurei
as senzalas, os feitores, os chicotes, o sofrimento de sol a sol. Nada. Afinal,
tratava-se apenas de sujeitos que, no Alentejo e no Douro, trabalham nas
colheitas a troco de 30 euros diários, não declarados ou através de, cito,
"falso recibo verde". Enquanto averiguo o que é um recibo verde
autêntico (explico na próxima semana), adianto que, conforme reconhece a
Autoridade para as Questões de Trabalho num momento de maior serenidade, a
questão é sobretudo grave para o fisco e a Segurança Social. Que me lembre, não
era esse o principal drama nos campos do Mississippi ou de Minas Gerais.
Podemos
achar, e eu por acaso acho, que a profissão de assalariado agrícola não é das
mais confortáveis, que 600 euros mensais é um rendimento curto e que
desempenhar funções clandestinamente impede o acesso às prodigiosas reformas
que aguardam a maioria dos nossos compatriotas. Porém, daqui à escravatura vai um
salto tão grande quanto comparar a larica das seis da tarde com a fome em
África ou o bullying (sic) nas escolas ao Holocausto.
Uma coisa
é o Público apreciar espalhafato, outra é presumir que essa é a função de uma
reportagem. Não é. Se o leitor não for irremediavelmente estúpido, a descrição
rigorosa dos factos basta-lhe para formar uma opinião. Haverá leitores a
considerar a "escravatura" alentejana e duriense uma vergonha; haverá
leitores, principalmente entre os que procuram emprego em vão, a invejá-la. Por
azar, vivemos numa época em que alguma imprensa (na televisão não vale a pena
falar) tende a desaprender as regras básicas do ofício e, como um cómico que
avisa que a piada seguinte é particularmente engraçada, a incluir no relato da
realidade os sentimentos que a realidade nos deve inspirar. E isso não é
jornalismo, mas uma ofensa, maior do que os portugueses "escravos" em
Portugal. Uma dúvida: no estrangeiro a escravatura é tolerável?
Perigoso,
porque ambicioso e utópico
"O ex-primeiro-ministro José
Sócrates defendeu hoje que o Estado social libertou o indivíduo, numa
intervenção em que fez um ataque cerrado ao neoliberalismo, advertindo que se
trata de um sistema perigoso, porque "ambicioso e utópico"." O
texto é da Lusa, que não se esqueceu de notar que o engenheiro Sócrates se
apresentou "sem gravata e de calças de ganga". E apresentou onde? Ora
essa: "Perante um auditório cheio no ISCTE." Ainda mais do que as
"praxes", eis a prova de que o ensino superior vai pelas ruas da
amargura.
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014
"Mais um passo para a abjecção"
É o título desta crónica de Vasco Pulido Valente no PÚBLICO:
Nunca pensei em ser polícia. Agora, o governo quer fazer de mim um polícia (ainda por cima à paisana) e também um denunciante.
O processo não é complicado. Quem pedir sempre a factura a quem lhe vende um café, um bife ou um casaco, chega ao fim do ano com um molho de bilhetes de lotaria para o sorteio de um carro “topo de gama”, que o governo oferece ao “bom cidadão”. Isto permite ao ministério das Finanças comparar o volume de negócios declarado de qualquer restaurante ou de qualquer loja com a documentação que lhe entregou a classe média à procura de um Audi ou de um Mercedes, que a faça brilhar na vizinhança e espicace a sempre viva inveja da família e amigos. Para animar as coisas, que, segundo consta, não andam bem, o Estado obriga toda a gente a pedir factura.
Como se compreenderá, o Estado transforma assim com habilidade e subtileza os portugueses numa corporação de espionagem encarregada de se espiar a si mesma, sem gastar mais do que um carro apreendido a um criminoso ou contrabandista. Vivendo perto da falência, o comércio e a restauração tendem a subtrair uma factura ou outra à tosquia fiscal a que estão submetidos. Esta prática irrita os peritos que aconselharam ao sr. primeiro-ministro este método democrático. A Espanha acha o estratagema “pitoresco”. Por mim, que não sou a Espanha, acho a ideia tenebrosa: vexatória, indigna, irresponsável, excessivamente parecida com episódios conhecidos da Ditadura e dos regimes que ela imitava e venerava. E, no fim do ano, gostava de ver a cara do meu compatriota que ganhou esse glorioso concurso.
Estou daqui a imaginar a cena. O indivíduo gordo e triunfante que atrapalhou a vida a centenas de pessoas, que tinham cometido o erro de confiar nele. O sr. Passos Coelho, seguido da sua trupe e da sua inconsciência. O automóvel cintilando ao longe. O premiado começará por apertar a mão a S. Exa. com uma grande vénia. E, a seguir, S. Exa. retribuirá com um pequeno discurso sobre as vantagens da coesão social, do enorme esforço que se espera do conjunto da Pátria e dos milhões que a operação angariou para os pobrezinhos, que ele particularmente estima. Um secretário entregará a chave do carro ao polícia e denunciante do ano e essa virtuosa personagem tornará a apertar com respeito a mão do sr. Passos. A sociedade portuguesa avançou um novo passo para a abjecção.
domingo, 9 de fevereiro de 2014
sábado, 8 de fevereiro de 2014
Passagens de nível e Iniciações
Introdução
…E eis senão quando, a pouco e pouco e ao ritmo dos
relatos paulatina e sabiamente doseados pelos “órgãos de comunicação” (capitaneados
pelos tabloides), o país que ainda lê e que muito vê televisão e lateralmente
ouve a rádio, acordou para um epifenómeno que se habituara a simplesmente
relancear ou, quando muito, a contemplar em diagonal: a brutalidade ou o
desaforo das chamadas “praxes” académicas.
Brutalidade e desaforo esses, exercidos não em
todos os lugares, não em todos os “estabelecimentos de ensino” (como reza a
novilíngua do luso neo-liberalismo primário e queirosiano por essência), é
claro. Mas encrespados em todos eles, seja numa versão soft e controlada pelo
provincianismo e a timidez dos “jovens”(como se tornou clássico dizer nos
textos governativos ou nos relatórios policiesco-judiciais) com a complacência
mais ou menos paternalista (oportunista?) das direcções, seja num tom mais
marcado embora sem atingir, como parece ter sido o caso do Meco, proporções
criminais e absurdamente envoltas em negrume.
As ditas praxes académicas constituem, encaradas
apropriadamente, um meio-termo específico entre a “iniciação” e a “passagem de
nível” e são um epifenómeno circunstancial nas sociedades de sedimentação
ocidentalizada, de conformação mais ou menos democratizante (ou
partidocratizante, como é o caso da nossa sociedade onde vigora o denominado
tecnicamente cripto-fascismo - ou ur-fascismo ou, ainda, fascismo doce – serve
dizer, aquele onde a população não é constrangida pela repressão mas mediante
manipulação por meios específicos naturais e consentidos) de tendência
cleptocrata e judicialmente desqualificada a nível ético.
São, digamo-lo com adequação e lucidez, um
verdadeiro ersatz daqueles dois fenómenos aludidos, pois não visam uma qualificação (como entre os artesãos medievais, que tinham
de efectuar determinadas práticas e trabalhos até se verem aceites nas corporações
respectivas) ou uma iluminação, assim dita (tal como se pratica nas maçonarias
ou irmandades herméticas diversas).
Mas que tipo de integração visam atingir? Que tipo
de conformidade fundacional essa “integração” procura, se é que procuram alguma?
Veremos isso a seguir, mas primeiro detenhamo-nos
um pouco sobre o tipo de iniciações e passagens de nível entre determinadas
etnias – onde aqueles dois fenómenos tinham foros de necessidade civilizacional
ou grupal pois buscavam uma subida de estatuto prático e operativo e constituem
exemplos acabados e profundamente colectivos: os índios norte-americanos, os
africanos da região centro-sul e os esquimós.
Pequeno enfoque histórico
Nas sociedades vivendo conceptualmente no
neolítico, ainda que inscritas no tempo moderno ou contemporâneo, como era o
caso das tribos de índios norte-americanos, dos esquimós, dos pigmeus do Congo
e dos masai do Grande Rift, para nos referirmos apenas a estas etnias, as
passagens de nível bem como as iniciações correspondiam e eram efectivadas visando
uma qualificação prática de subsistência ou de sociabilidade encarada dum ponto
de vista lato. Assim, entre os índios, cumpriam-se ritos de passagem tais como
suportar a dor pendurados por ganchos de madeira presos na pele do peito (entre
os Lakotas e os Pawnees), irem para o campo – bosques, pradarias, montanhas,
desertos – só com uma tanga e apenas com um “tomahawk”(machado) ou uma faca e
sem comida, devendo voltar passados dias sãos e salvos (Cheyennes, Kiowas…) ou,
ainda, isolarem-se numa serra, monte, rio, sem comer ou dormir até terem uma
visão iluminadora à qual seguidamente ficariam ligados por esta passar a ser o
seu totem ou definição. Noutras tribos (hopi, apaches, navajos) tinham de se
submeter por vezes a ritos que incluíam o uso do peyotl ou da mescalina, em
circunstâncias específicas, para poderem ascender ao estatuto de guerreiros; ou
de roubar cavalos, sem portarem armas, a tribos adversárias ou inimigas ou aos
“white eyes” (brancos) - e não
“rostos-pálidos”, invenção holiúdesca.
Todas estas passagens de nível/iniciações se
envolviam numa razoabilidade compreensível e actuante: ter fibra de guerreiro
ou de caçador capaz, de saber tomar conta dum agregado tribal e de estar
nuclearmente inserido na boa condução dos assuntos ou ritmos do respectivo
grupo ou etnia.
Assim era entre os bosquímanos do Calaári, os
inuit/esquimós ou entre os masai e os pigmeus da África central, como já se
referiu, que efectuam passagens de nível para serem caçadores e pastores
experientes ou, como nas caçadas às grandes feras, poderem proteger quando
necessário o conjunto da comunidade.
E nas chamadas confrarias ocidentais, maçonarias ou
carbonárias, ou outras irmandades (rosas-cruz, “agricultores celestes” ou
“irmãos do orvalho”) o procedimento é semelhante, tendo apenas graus de
selectividade que lhe são próprios.
O que se visa é uma adequação peremptória ou uma
iluminação funcional.
Actuação bem diferente é a existente nas
denominadas, grosso-modo, mafias ou seitas criminais, sejam elas laicas ou
fideístas: a passagem de nível decorrente do estatuto criminal próprio e
intrínseco, acentuo e sublinho, tem sempre um cariz ora obnóxio ora
retintamente perverso e criminal senão criminoso: entre, por exemplo, os
traficantes mexicanos/sul americanos, a obrigatoriedade de eliminar uma ou mais
pessoas para ascender ao grau de “soldado” (conforme a terminologia da Mob
norte-americana ou italiana…) ou efectivar outros sinistros actos que não só
“iniciam” como jungem o oficiante a uma eventual pressão ulterior. É o mesmo
procedimento feito noutras associações criminosas como, por exemplo, a dos
yakuza nipónicos.
Como explicar, entretanto, o ordálio das praxes
académicas ou militares (pois também acontecem entre nós e noutros locais)? Uma
vez que não visam adequação para ascensão de mérito ou crescimento específico
(ou seja, um estudante de física por ser praxado não se torna melhor cientista,
um de matemática não passa a entender melhor a teoria de Einstein ou a do
“conjunto de grupos” de Evariste Galois…).
Para que servem ou, ainda mais esclarecedoramente, o
que visam os ritos praxistas como os do nefando Meco?
João Garção, Colagem
Do Meco e outras malas-artes
Segundo é dito por membros praxistas ou
observadores tendenciais como alguns especialistas em “sacudir a água do
capote” ou partidários das “expectativas de milagre”, as praxes dest’arte visam
integrar(?) o novo aluno (vulgarmente denominado caloiro pelos trintanários).
Mas integrar como e onde ou em que partis pris regimental? Uma vez que o aluno,
enquanto aluno, está já integrado e mesmo submetido às disposições em código,
legal ou consuetudinário, que regulamentam o estatuto do discente?
Se analisarmos as premissas com uma liminar
penetração ou suficiente informação e perspicácia, dando com bonomia de barato
que as praxes são sucessos/actos decorrentes de uma tradição, vazando-as desta
forma num território de festejo ou de emanação lúdica, meio-goliarda
meio-turística propiciada, mantida e acatitada por mancebos e mancebas ad corda,
nada haveria a antepor. Tratar-se-ia duma mensagem, duma comunicação
pró-imergível numa alegria de viver característica de grupos etários, de gente
à entrada dos posteriores e sérios assuntos adultos.
No entanto, o caso aqui fia mais fino. A talhe de
foice trazemos à colação, respigada com vénia dum escrito a nós dirigido por
uma profunda conhecedora de certas classes de hermetismos, a grã-senhora
carbonária Maria Estela Guedes, uma indicação esclarecedora.
E o que ela nos diz é que, e cito, é que “Afinal a última Carbonária Portuguesa, a mais importante,
fundou-a Luz de Almeida com estudantes da
Maçonaria Académica. Praxes e iniciações maçónicas estão interligadas”. Sem dúvida.
Então, assim sendo e
chamando a atenção para certas passagens do seu lúcido texto publicado no
TriploV, a explicação que enquadra e faz luz sobre o porquê das “narrativas
brutalizadoras” (como agora se diz na senda dum conhecido uomo publici …) uma
vez que as irmandades são de jure ou de facto “gente de bem”, opostas pois a
turiferárias, terá de ser procurada noutro plano. E qual? Precisamente no plano
do societário e, dentro deste, dentro do que se sabe ou convencionou ser o
imaginário português, um imaginário dominado (mais grave – determinado!) por um
tipo de continente social e colectivo de índole não democrática, onde faz lei o
compadrio, os sentidos de casta e de
família (como se dizia em Espanha, de cunhadismo), de classe e de privilégio,
no limite de corrupção moral, ética e conceptual e da exacção cleptocrata.
As praxes de que nos ocupamos, no seu sentido mais
exacto, visam pois adequar o praxado, depois praxante quase sempre, a adquirir
o sentido da humilhação e da prepotência, signo maior da tardo-sociedade lusa
onde os proverbiais “doutores e engenheiros” - que serão os presuntivos futuros
governantes ou “assessorantes” – em todo o caso a casta que tem dominado de forma
geralmente espúria a intendência e o armazém luso de há dois séculos a esta
parte, verdadeiros vagomestres que em grande parte se certificam na sociedade
de que decorrem.
(É
esta, ainda, a formulação que explica ou descripta o esforço quase heróico de
certos mandantes partidários que, a todo o custo, tentam a colação de grau
engenheiral ou doutoral sem esforço ou suor mensuráveis…)
É esta pois a integração a que, (ora com
inadequação ora com cinismo), certa gente bem determinada onde até avultam
governantes mais ou menos nauseabundos – para usar esta expressão grata a Tomás
de Figueiredo – alude com não despicienda
maneira de ser onde se nota o desplante.
Daqui se infere que é lançar poeira nos olhos do vulgo
pecus, ainda que o façam apenas por tolice e não por maldade, vir ejacular-se a
ideia de que uma legislação repressiva podia melhorar o tema…a questão. Não! As
praxes existem desta forma nefanda porque à sociedade portuguesa, melhor, aos
mandantes grupais portugueses interessa instilar nos mansos cérebros juvenis –
e por osmose em todos os outros – que há o dono (que foi submetido a
sofrimentos que lhe caucionam o instalado bem-estar académico ou outro) e há o futrica,
sendo o povo, todo o povo que não recebe prebendas nem benesses, futrica
potencial ou de facto.
A praxização em estilo meco, usemos este neologismo
irónico-magoado, é verdadeiramente a antecâmara do sentimento-acto de domínio
sobre este povo macerado, desprezado pelos diversos condottieris que num outro
plano privilegiam os interesses dos argentários enquanto esmifram o zé-povinho
até às fezes.
Os estilos e as acções estilo Meco terminarão
quando não houver espaço para bosses autoritários ou conceptualmente cavernícolas,
quando em suma vigorar na sociedade lusa academizada ou geral, capturada de há
décadas a esta parte pela apagada e vil tristeza em que sobrevivemos, uma real,
digna e limpa democracia – não um arremedo de carnaval seja nas ruas ou nas
academias do reino… destes barões “republicanos”.
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
MIRÓ, GRAVURAS E "COLTURA"
A propósito do Miró, o meu amigo Francisco Coelho referiu o caso de Foz Côa.
É uma excelente referência.
Na altura, com os cofres cheios do dinheiro cavaquista, Guterres, devidamente tocado à vara pela malta da "coltura" (a malta que pretende que os restantes cidadãos paguem, mesmo que não queiram, as mediocridades que produzem ou gostam), largou uma quantia pornográfica do nosso dinheiro para suspender uma barragem já em construção, porque "as gravuras não sabem nadar".
Ui, as gravuras, ia ser um ror de gente a desaguar ali, resmas de turistas iam transformar o vale do Coa numa Rupestrelândia, e não sei quê. Amanhãs cantariam, as gravuras iam ancorar o desenvolvimento da região, tudo para todos, todos ganham, todos têm prémio, como promete a Alice no seu país das maravilhas.
Calhei na altura ir lá ver as famosas gravuras e o melhor que posso dizer é que só as vi porque um dos arqueólogos que lá andavam, apontava para as pedras e explicava que aquelas sombras e entalhes eram as famosas gravuras. Contornava aquilo com os dedos e a gente via coisas, mais ou menos como o Maduro, da Venezuela, vê o Chavez nos entalhes dos túneis do metro.
E pensei para mim mesmo que só nos sonhos húmidos destes malucos é que aquilo atrairia turistas a sério.
A realidade está ai para provar este ponto.
Enfim, pagou-se principescamente para destruir uma barragem, pagou-se majestosamente para institucionalizar as gravuras e o resultado está à vista: só alguns nerds da arqueologia sairam a ganhar. Os mesmos da "coltura" que berram pelo dinheiro dos contribuintes mas que não metem o dinheiro deles no negócio. Se todos aqueles que berraram desalmadamente pelas gravuras tivessem pagado para as irem ver, se calhar até o prejuizo teria sido mínimo.
O mesmo com o Miró. Se os da "coltura" estão tão empenhados, porque não compram eles as pinturas e instalam um museu?
É uma excelente referência.
Na altura, com os cofres cheios do dinheiro cavaquista, Guterres, devidamente tocado à vara pela malta da "coltura" (a malta que pretende que os restantes cidadãos paguem, mesmo que não queiram, as mediocridades que produzem ou gostam), largou uma quantia pornográfica do nosso dinheiro para suspender uma barragem já em construção, porque "as gravuras não sabem nadar".
Ui, as gravuras, ia ser um ror de gente a desaguar ali, resmas de turistas iam transformar o vale do Coa numa Rupestrelândia, e não sei quê. Amanhãs cantariam, as gravuras iam ancorar o desenvolvimento da região, tudo para todos, todos ganham, todos têm prémio, como promete a Alice no seu país das maravilhas.
Calhei na altura ir lá ver as famosas gravuras e o melhor que posso dizer é que só as vi porque um dos arqueólogos que lá andavam, apontava para as pedras e explicava que aquelas sombras e entalhes eram as famosas gravuras. Contornava aquilo com os dedos e a gente via coisas, mais ou menos como o Maduro, da Venezuela, vê o Chavez nos entalhes dos túneis do metro.
E pensei para mim mesmo que só nos sonhos húmidos destes malucos é que aquilo atrairia turistas a sério.
A realidade está ai para provar este ponto.
Enfim, pagou-se principescamente para destruir uma barragem, pagou-se majestosamente para institucionalizar as gravuras e o resultado está à vista: só alguns nerds da arqueologia sairam a ganhar. Os mesmos da "coltura" que berram pelo dinheiro dos contribuintes mas que não metem o dinheiro deles no negócio. Se todos aqueles que berraram desalmadamente pelas gravuras tivessem pagado para as irem ver, se calhar até o prejuizo teria sido mínimo.
O mesmo com o Miró. Se os da "coltura" estão tão empenhados, porque não compram eles as pinturas e instalam um museu?
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