terça-feira, 25 de março de 2014

O fardo bancário




Não existem crises financeiras sem culpas avassaladoras da banca. Conceptualmente a possibilidade é admissível mas na realidade, para mais numa tão devastadora como esta, é quase impossível. A banca portuguesa tem alimentado o mito de que, apesar da convulsão mundial, o seu balanço está livre de lixo tóxico e portanto imune aos problemas das congéneres, nomeadamente espanholas. Surge assim como inocente da euforia que gerou o desastre, pretendendo-se apenas vítima dos apertos da recessão. Essa ideia, credível e conveniente durante a fase mais negra, começa a constituir um obstáculo à recuperação.

Deve dizer-se que esse mito foi-nos muito útil a todos. Ele tinha uma base de verdade, pois o sistema financeiro português esteve, por várias razões, bastante afastado do sub-prime americano, razão directa do colapso de 2008. Isso constituiu um bom argumento para manter a reputação dos nossos bancos, precisamente no período em que uma suspeita seria fatal. Em época de tanto tumulto e desconfiança, era crucial manter a credibilidade das instituições bancárias. A base desse negócio, como aliás de toda a moeda, é apenas a confiança; quando ela desaparece, tudo se dissolve em fumo, com resultados socioeconómicos catastróficos. É por isso que abalar a imagem da banca é sempre irresponsável, em especial em momentos de turbulência. Nada do que este artigo diga pretende criar a menor dúvida acerca a solidez dos nossos bancos, que são sólidos e credíveis. Mas isso não deve servir para esconder problemas e evitar ajustamentos dolorosos.

É verdade que a banca portuguesa esteve, na sua maioria, imune ao contágio financeiro global de há seis anos. Mas existiu também uma euforia financeira doméstica, que usou irresponsavelmente crédito interno e externo (este último canalizado através de instituições nacionais) em projectos vácuos e mirabolantes. É bom não esquecer a nossa década perdida do crescimento, desde a viragem do milénio, que paradoxalmente acompanhou o inflar da bolha de dívida. O mundo viveu um período de crescimento artificialmente alimentado por crédito; em Portugal aconteceu o mesmo, só que sem crescimento.

Quando no fim de 2008 as empresas privadas portuguesas atingiram um valor de endividamento de 172% do PIB e as famílias de 101%, a culpa principal é evidentemente delas; mas os bancos não se podem dizer inocentes. Eles tinham de saber que era irresponsável distribuir o dinheiro a tais fins, e que grande parte desses empréstimos iria dar mal, mais cedo ou mais tarde. Um crédito malparado desta dimensão nunca é erro apenas de um dos lados, e o seu custo tem de ser repartido.

É indubitável que existem muitos negócios desvalorizados, se não mesmo moribundos, no activo dos bancos. A segunda metade dos anos 1990 e primeiros anos do milénio foram férteis em projectos optimistas que realmente nunca chegaram a lado nenhum. Os mais conhecidos são as sagas públicas do TGV e o novo aeroporto de Lisboa, mas houve miríades de privados. Pior, muitos igualmente mirabolantes chegaram mesmo a ser criados, para depois nunca terem os efeitos pretendidos. Nesses de novo a fama recobre os exemplos estatais, como o Magalhães e as PPP, mas muitas empresas se meterem em tolices equivalentes, a todos os níveis. Tudo, público ou privado, acaba sempre a apodrecer na banca.

Quando se verifica um caso destes o que há a fazer é estripar o cancro e lavar a ferida. Isso é sempre doloroso mas inevitável. O pior é negação e ocultação, que só aumentam o tumor. Isso podia fazer sentido na época em que o estado geral do doente era tão frágil que a cirurgia era impensável. Agora parece ter chegado a altura de tratar desse assunto.

A economia precisa de crédito para se levantar. Existem até investidores interessados em comprar e recuperar os monos dos balanços bancários, desde que cotados a desconto. Quando a banca se recusa a vender para não assumir perdas, que são evidentes, ela surge como sabotadora da economia que devia servir. Só admitindo a verdade se sai da crise.

1 comentário:

alf disse...

Não é por acaso que o César das Neves vem dizer isto agora, como não é por acaso que se está agora a centralizar no BCE a responsabilidade sobre a Banca.

A crise financeira tem uma causa muito simples, apontada por economistas americanos há mais de uma década, que é a seguinte: a riqueza absorvida pelos mais ricos ultrapassou o crescimento do PIB e isso implica um empobrecimento da maioria das pessoas; a Banca andou a enriquecer mercê de mil e um processos especulativos; quando as pessoas empobrecem, os processos especulativos estoiram. Daí a crise financeira.

A crise das dívidas soberanas é algo totalmente diferente, que resulta diretamente do Tratado de Lisboa - o problema não é a dívida, é o juro, que ficou aberto à especulação com esse tratado, que entrou em vigor no fim de 2009. Se o BCE emprestasse aos Estados a 0,25% como empresta aos bancos, não tínhamos problema nenhum, não é?

Na Europa, a Austeridade, ao empobrecer as pessoas agravou o problema da banca. No início da crise, os bancos pequenos estoiraram logo e foram os Estados pequenos que assumiram o problema.

O problema dos bancos grandes é muito maior do que o dos bancos pequenos mas a sua capacidade de o esconder é tb maior. Só que já não dá mais para o esconder e eles vão começar a estoirar.

O grande problema é o Deutsche Bank e evidentemente que a Alemanha não quer arcar com ele; também não quer fazer como a Islândia. Por isso, arranjou uma solução: chutar o problema para o BCE e para o resto da Europa.

As medidas anunciadas pela Elisa Ferreira é para o que servem - para salvar a Alemanha à custa dos outros.

Acabei de por um curto post sobre isto.