A cada semana, António Costa revoluciona a ciência económica.
Primeiro foi a tese de que a riqueza é preferível à austeridade, inovadora
aplicação na macroeconomia do princípio de Maria Antonieta. Depois, descobriu
que o problema não é o excesso de licenciados, mas a falta de empregos para
licenciados (criam-se os empregos e a chatice fica resolvida). Agora, explicou
a uma embevecida plateia de sindicalistas que "não há crescimento
sustentável com endividamento, mas também não há crescimento sustentável com
empobrecimento", sentença que se comenta sozinha.
Se
não se aproximassem as férias, o Dr. Costa ainda estaria a tempo de dizer que:
1) o investimento público é melhor do que o privado excepto nos casos em que o
investimento privado é melhor do que o público; 2) o Estado social é
sustentável desde que saia baratinho aos cidadãos; 3) Portugal não deve sair do
euro enquanto os euros entrarem em Portugal; 4) pelo menos na perspectiva dos
destinatários, os salários altos são preferíveis aos salários baixos; 5) o Pato
Donald é um boneco.
Brincadeiras
à parte, o que é isto? Não é de agora que Portugal não se pode queixar em
matéria de produção de políticos absurdos. Mas entre as nulidades sem uma ideia
na cabeça e o Dr. Costa, em cuja cabeça fervilham centenas de ideias
desconchavadas, vai uma diferença considerável. Já nem falo da tentativa de
vender o homem a título de salvador da pátria: falo do homem propriamente dito
e da deprimente comparação com aqueles a quem sonha suceder. Ao pé do Dr.
Costa, Passos Coelho passa por um modelo de estadista, Sócrates por um sujeito
quase ponderado, Santana por um governante responsável, Barroso por um gigante
do pensamento, Guterres por um paradigma da racionalidade financeira e Cavaco,
ele sim, pelo salvador da pátria que nunca foi. Perante o Dr. Costa, até o
jovem António José Seguro parece habitar o mesmo planeta que os restantes mortais.
Em
suma, o Dr. Costa é um embaraço ambulante. Logo, provavelmente será depois do
Verão o líder do PS e, se os amigos o mantiverem calado entretanto, hipotético
primeiro-ministro no ano que vem. Um pessimista vê à distância e, na lógica do
"depois de mim virá", tende a imaginar que espécie de calamidade pode
aparecer ao País após o Dr. Costa. Um optimista desconfia que, após o Dr.
Costa, é improvável haver País.
Em geral, tendemos a pensar no Bloco de Esquerda enquanto uma
agremiação divertida. Dispõe bem contemplar à distância os movimentos de
grupos, subgrupos e facções de um único indivíduo que diariamente abandonam
esse partido moribundo a caminho do PS e das carreiras com que o PS, sobretudo
o PS do Dr. Costa, lhes acena. O facto de todos os fugitivos se desculparem com
a necessidade de "contribuir para convergências à esquerda" torna a
brincadeira hilariante. O pormenor de todos se esconderem atrás de siglas,
organizações, princípios e estatutos solenes eleva a brincadeira ao nível da
grande comédia.
Ocasionalmente,
porém, um pedacinho da realidade irrompe para nos lembrar da natureza do BE, e
de que esta não é só galhofa. O Médio Oriente, por exemplo. Bastou Israel reagir
aos constantes ataques sofridos a partir de Gaza para o BE vir falar em
"banho de sangue" e propor as sanções económicas do costume. E o
costume inclui o desprezo do BE face a um Estado civilizado e a simpatia pela
barbárie mais à mão. O costume é o BE negar as "causas" que lhe
valeram 15 minutos de fama em favor do seu exacto reverso.
O
ódio aos ricos? Os líderes de Gaza passeiam-se em aviões de luxo e apascentam
fortunas em contas offshore. Os direitos LGBT? Em Gaza a homossexualidade é
punida por lei e os seus praticantes fogem da tortura rumo a uma certa nação
vizinha. A igualdade de género? A islamização do território reduz as mulheres a
um pechisbeque silencioso e reprodutivo. A violência doméstica? Calcula-se que
mais de metade das mulheres locais seja espancada pelos maridos pelo menos uma
vez por ano - tradicional e recatadamente. E há as restrições às artes e à
internet. O racismo oficial. A imposição violenta da "virtude". As
conversões forçadas de cristãos. E, numa prática que o BE lamentará não se usar
por cá, o fuzilamento de dissidentes.
Sob o
verniz da trupe burlesca e as mesuras progressistas para consumo dos simples, o
BE, o que parte e o que resta, é essencialmente isto: criaturas avessas à
democracia que usam o sistema democrático para ganhar a vida. Darmo-nos ao
trabalho de as distinguir é tão inútil quanto perguntar-lhes porque é que a
indignação que Gaza lhes suscita não se estende à Síria ou ao Egipto. Ou porque
é que só nas recentes implosões eleitorais descobriram intolerante um partido
que nunca foi outra coisa. Ou porque é que, em suma, se confere relevância
pública a declarados ou dissimulados inimigos do público.
Desde os 10 ou 11 anos que não leio banda desenhada, incluindo
aquelas de super-heróis. Se lesse, não as reconheceria. Ao que consta, Thor (o
semideus escandinavo com martelo de São João) é agora uma mulher. E o Capitão
América vai ser preto, perdão, afro-americano. Mas, informam os autores da
mudança, não será um afro-americano qualquer, e sim "um homem moderno em
contacto com os problemas do século XXI". Isto é, o novo Capitão América
"terá uma maior empatia com os mais desprivilegiados" já que, cito,
"foi assistente social". Apetecia-me deixar um comentário sobre a
terminal idiotia do nosso tempo. Porém, enquanto o Homem-Aranha não for
"transgénero" e Hulk não acumular as aventuras com a presidência de
um observatório, julgo ainda haver esperança.
1 comentário:
No Fórum do Diário de Notícias, jornal no qual escreve, Alberto Gonçalves é ferozmente atacado e enxovalhado por trolls fascizantes (que mais poderiam ser?)no sentido de o fazerem desistir de escrever. Mas ele, para privilégio de nós todos, resiste e bem. Para desespero aqueles cretinos canalhas. Não podemos efectivamente desistir, ele de escrever e nós de o lermos. Porque a dignidade, a lucidez e a decência humanista não são negociáveis nem podem curvar-se ante o delírio fascista, vermelho ou cinzento.
Evohé, Alberto Gonçalves!
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