... deste conjunto de 4 crónicas de Alberto Gonçalves:
Língua
geográfica
Em Díli,
Cavaco Silva garantiu que a CPLP se define através da língua e dos direitos
humanos. Nem de propósito, a CPLP estendeu-se à Guiné Equatorial, onde a
democracia é conceito discutível e onde se fala castelhano e dialectos. Mesmo
no site do Governo local o anúncio da adesão foi feito apenas em espanhol,
inglês e francês. Parece que o petróleo - e as pressões de Brasil e Angola -
pesou nesta história. É a economia, estúpidos? Se calhar é, o que significa que
pela primeira vez após anos de lirismo em redor das descobertas a CPLP
descobriu uma razão de existir: a conversa da "projecção do
português" era muito linda para juntar em cimeiras sujeitos que gostam de
se juntar em cimeiras. Mas só.
Por pueril que soe dizê-lo em 2014, nem uma língua se
"projecta" nem o seu peso depende de decisões políticas. O inglês não
se tornou a língua franca dos nossos dias por decreto, e sim por causa da
televisão e do cinema americanos, da música popular anglo-saxónica e da
concentração das grandes empresas de informática na costa oeste dos EUA, que
levam um fedelho a fazer search, download e convert antes de aprender a
escrever "o popó da titi". Adicione-se, para os eruditos, o domínio
do cânone literário contemporâneo, de Dickens ao "assimilado"
Nabokov, de Fitzgerald a Bellow, e tem-se tudo aquilo que o português não tem e
não terá. A pertinência dos escritores não aumenta ao enfiá-los no Panteão.
É grave? É assim. Os alemães, que em certo sentido (e apenas em
certo sentido) possuem uma língua mais "restrita" do que a nossa, não
se queixam. Os escandinavos, que comunicam em código cifrado, também não. E,
coitados, vão vivendo, ao contrário dos guardiões oficiosos do português, que
sofrem brutalmente com a respectiva insignificância. Em Setembro decorrerá em
Brasília o Simpósio Linguístico-Ortográfico da Língua. O presidente da Academia
de Letras lá do sítio publicou há dias um texto alusivo. O texto está repleto
de locuções de sacristia e de erros primários, que ainda ninguém corrigiu. Em
lugar de "projectar" o português, talvez fosse preferível escondê-lo.
Juventude inquieta
Com a excitação motivada pelos erros ortográficos de uma deputada
socialista num texto do Facebook, ninguém reparou na publicação, já lá vão uns
tempos, do novo romance de outra deputada socialista. Ninguém, ou quase
ninguém, que o atento blogue Malomil
fez há dias a indispensável recensão crítica de Apátrida, a obra com que Isabel Moreira demonstra aos escassos
cépticos restantes que um assento parlamentar não só não é incompatível com o
QI de Forest Gump como tal QI parece ser critério de admissão.
(imagem retirada de http://malomil.blogspot.pt)
Sobre o conteúdo de Apátrida,
encaminho os curiosos para o blogue citado, acrescentando apenas que não
consumo produtos alegadamente literários que incluam pérolas como:
"unilateralidade sem dolo", "esmurra o vomitado nas casas de
banho" e "fumei três ganzas e bebi uma garrafa de vinho tinto",
embora a combinação de estupefacientes com o álcool justifique plenamente que
se escreva assim. A mera frase "deus a mijar-se de medo pelas pernas
abaixo" (limito as citações às transcritas no Malomil) resume a essência da coisa: uma adolescente com corpo de
adulta e cérebro de criança convence-se de que, se enfileirar muitas letrinhas
num ecrã de computador, obtém algo similar a um pequeno livro. Se encher o
livro com o tipo de patetices usadas pelos petizes para maçar os parentes,
consagra-se junto de 12 semianalfabetos como autora "irreverente". Há
imensos irreverentes do género por aí, com sorte enclausurados nas EB 2/3. Com
azar, habitam os auditórios das Fnac e o Parlamento. Antes de escrever livros,
a Dra. Isabel devia experimentar ler pelo menos um.
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