quinta-feira, 4 de julho de 2013

O EGITO E O FRACASSO CIVILIZACIONAL DO ISLÃ



1.

O óbvio será dito e redito sobre o recente golpe militar no Egito: que um golpe é um golpe, e que todo golpe contra um governo democraticamente eleito é antidemocrático. É óbvio, mas não necessariamente verdadeiro.
Um governante não recebe um selo de qualidade democrática de validade automática e perene. Para ser democrático, um governo deve ser constituído de forma democrática e governar de forma democrática. Mas a segunda parte da equação é sempre convenientemente esquecida pelos defensores abstratos da democracia, ou pelos defensores da democracia abstrata, sem nexos com os fatos. É então enfadonho mas necessário relembrar que Hitler foi eleito.
Se a eleição não é suficiente para garantir o caráter democrático de um governo, chega-se à conclusão lógica, apesar de aparentemente paradoxal, de que nem todo golpe contra um governo democraticamente eleito é antidemocrático. Na Turquia, por exemplo, durante o século XX, o exército deu uma série de golpes visando proteger a república e a democracia de ameaças teocráticas. E aqui adentra um complicador a mais. Pois dependendo das circunstâncias ou dos fatos políticos, não só a democracia pode estar ameaçada, como também a república.
A república é uma forma de organização do Estado, a democracia, um modo de instituir o governo representativo. As duas não são xifópagas: podem existir uma sem a outra. A Inglaterra é uma monarquia (portanto, não uma república) e uma democracia; a Espanha de Franco era uma república, mas não uma democracia. Mas estas são exceções. Na história moderna, a república como forma de organização do Estado e a democracia como modo de instituir o governo representativo andam juntas desde seus nascimentos, nas revoluções Americana (1776) e Francesa (1789). Faz sentido: pois na república, ao contrário da monarquia, o soberano é o próprio povo, que por isso mesmo exerce o poder através de seus representantes democraticamente eleitos.
A grande ameaça atual à república é a teocracia, em que o clero detém a soberania. E se o clero é o soberano, não o é o povo. Portanto, de modo claro e simples, não pode haver democracia numa teocracia. Daí a farsa e a falácia do caso iraniano.
Nos demais países muçulmanos, incluindo o Egito, trata-se, diferentemente, de tentar fazer conviver a república e, em tese, a democracia, com governos islâmicos eleitos. Teoricamente é possível: a soberania republicana não deve ser ameaçada por um governo democraticamente eleito. Mas apenas se se acreditar, ou se iludir, que modelos político-institucionais são universais ou universalizáveis, a despeito de histórias, culturas e sociedades específicas.
Um governo islâmico, não importa a forma como chegue ao poder, é um governo movido não por um programa, mas por uma ideologia. Neste sentido, é como um governo comunista ou fascista. Não se é fascista ou comunista para não se ser comunista ou fascista. Nem se é islâmico para não sê-lo. Ou seja, um governo islâmico existe, por definição, para impor leis islâmicas, não leis republicanas ou democráticas. Só não o faz completa ou radicalmente por falta de poder. Daí a falácia dos governos islâmicos “moderados”, cuja moderação não passa de fraqueza frente às instituições republicanas e democráticas, como na Turquia. Não por acaso, como na mesma Turquia, as necessárias tentativas do “moderado” Erdogan de testar os limites de sua “moderação” levaram à atual revolta popular contra sua busca de islamizar a política, a cultura e a sociedade turcas.
De forma mais aguda, foi exatamente o que aconteceu no Egito de Morsi e da Irmandade Muçulmana. Se a teocratização por um governo eleito leva, no limite, à teocracia, e se a teocracia é a morte da república, mesmo aceitando a abstração ideal de que todo golpe é antidemocrático, isso não impede que alguns sejam republicanos.
O golpe do exército argelino em 1995, por exemplo, contra o governo eleito da Frente Islâmica, que pretendia explicitamente impor a teocracia no país, foi antidemocrático para ser republicano. E ao ser republicano, e, portanto, defender a soberania popular, se não de forma imediata, de maneira mediata, é afinal um golpe democrático, ao abortar a teocracia. Pois a teocracia não é instituída por prazo determinado, mas ao contrário: por pretender-se de direito divino, concebe-se como instituição supra-histórica, e tão perene quanto a própria divindade que representa.
Em suma, nem todo governo democraticamente eleito é a priori democrático (isto depende do modo como age e do que almeja), portanto, nem todo golpe é necessariamente antidemocrático, por mais que isto seja de difícil compreensão para ocidentais incapazes de conceber o real significado de uma teocracia, e assim também sua antinomia com a república, em primeiro lugar, e com a democracia, em segundo. O mesmo vale para o fato de que governos islâmicos são governos islâmicos, pouco importando, a priori, se eleitos ou não (pois se sabe o que almejam).

 2.

Mas nada disso fala do título deste artigo. O que fala é esta imagem:


           

 
O fracasso civilizacional do islã foi exposto em carne viva, para quem quisesse ver, num fato ainda mais contraditório do que um golpe democrático. Trata-se de que, durante a “primavera egípcia”, ou seja, durante uma revolução popular contra uma ditadura (republicana), mulheres foram estupradas em massa. O absurdo cósmico contido neste fato corteja a incompreensibilidade: se a população está nas ruas enfrentando uma ditadura por sua liberdade, como pode, ao mesmo tempo, impor a mais brutal perda de liberdade e de dignidade a um indivíduo sem qualquer motivação/explicação política? Porém não se trata de um indivíduo: “Ao menos 91 mulheres foram estupradas nos últimos quatro dias em meios aos protestos na praça Tahrir, no Cairo, disse ontem em relatório a ONG Human Rights Watch” (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/07/1305808-praca-no-cairo-tem-ao-menos-91-casos-de-estupro-em-4-dias-diz-human-rights-watch.shtml). A notícia é de 03/07/2013, sobre os eventos que levaram à queda do governo islâmico eleito de Morsi, não sobre a queda da ditadura laica de Mubarak dois anos atrás. Portanto, não faz diferença. Mas como não faz? E por que não faz?
Porque o abuso de mulheres no Egito nada tem a ver com circunstâncias políticas, mas com instâncias culturais.

En los 18 días de manifestaciones que provocaron la caída de Hosni Mubarak, las mujeres que salieron a las calles no sólo luchaban contra un dictador, sino que se enfrentaban a los impulsos más bajos de su propia sociedad. En su lucha por la libertad, se mezclaron a una multitud en un país donde, en 2008, el 83% de las mujeres confesaba haber sufrido algún tipo de abuso sexual y el 62% de los hombres admitía haber cometido alguno, según los datos del
Centro Egipcio para los Derechos de las Mujeres (ECWR). (Bárbara Ayuso, “El infierno de ser mujer en Egipto”, http://www.marthacolmenares.com/2013/05/07/el-infierno-de-ser-mujer-en-egipto).

O inferno de ser mulher no Egito é, portanto, claro e claramente quantificável: se 83% das mulheres sofrem algum tipo de abuso sexual, o abuso sexual é a norma, é normal. E uma sociedade em que o abuso sexual é normal não é e não pode ser considerada civilizada.
Nenhum argumento multiculturalista ou politicamente-correto é capaz de sequer ameaçar perfurar a dura espessura desse número: 83% das mulheres. 83% das mulheres. 83% das mulheres abusadas no país. Raríssimas epidemias chegam perto desse porcentual. Não é, de fato, uma epidemia, que tem, por definição, caráter episódico. E aqui se trata necessariamente da manifestação de um aspecto fundamental da cultura e da sociedade egípcias: o desrespeito completo pela condição feminina como fato conceitual, e pelas mulheres reais como fato empírico, sem o qual esse fenômeno não existiria nem poderia existir.
Quanto à origem do fenômeno, não é preciso ir longe na busca de hipóteses histórica ou sociologicamente sutis ou complexas, se não se quiser buscar hipóteses como forma de ocultar os fatos. Essa origen é o islã, e seu mais que notório e notoriamente profundo desrespeito teológico pelas mulheres. Não aceitar aqui a evidente relação de causa e efeito é um gesto de obscurantismo.

“Las mujeres que van a protestar en Tahrir son prostitutas que buscan ser violadas’, bramó el clérigo Abú Islam en la televisión.” (idem)

 “El Comité de Derechos Humanos del Consejo de la Shura mantiene que la responsabilidad por los abusos sexuales en las manifestaciones recae enteramente sobre las mujeres.” (idem)


A Shura acima referida é a máxima instancia religiosa oficial do Egito, espécie de assembleia de grandes mulás: “A responsabilidade pelos abusos sexuais nas manifestações recai inteiramente sobre as mulheres”. De fato. Porque, como dito aqui, não se trata de circunstâncias, mas de uma norma. Pois o mesmo vale, segundo a interpretação normal dos tribunais islâmicos, para todo caso de abuso. A culpa é da vítima, porque a vítima é uma mulher.
O islã não é apenas incompatível com o conceito ocidental moderno de democracia. Ele também é incompatível com o conceito de civilização, que apesar de plural, não é amorfo – e sempre antinômico à barbárie.

11 comentários:

Anónimo disse...

Um artigo muito bom, lúcido e frontal. Um texto que os totalitários como os dos partidos comunistas ou dos partidos islâmicos (ambos fascistas na essência, proibiriam se estivessem no poder. Se Dolnikoff o pudesse publicar seria de imediato preso, ou abatido a seguir. Não tenhamos ilusões. Assim, entre nós, percebe-se porque é que Jerónimo Sousa já se atreve EM DIRETO E EM REPORTAGEM DA TV, a pedir que os cidadãos venham para a rua fazer cair o Governo, de facto democrático pese aos seus erros fatuais. Os partidos comunistas são associações que visam apenas derrubar as instituições democráticas mesmo quando têm de JOGAR O JOGO DEMOCRÁTICO por estratégia. Daí que sintam sempre simpatia por países fascistas como a Coreia do Norte, Irão ou Cuba ou em vias de fascização como a Rússia. Revolução, para eles, significa subida ao poder discricionário com instauração, a seguir, de ditadura, calabouços secretos e campos de concentração, como em todo o Leste havia, tendo sido Estaline e não Hitler, com quem aliás fizeram aliança, a criá-los. Em última análise, o indivíduo que dez minutos antes simulava ser teu amigo, se militantão comunista denunciar-te-á ou agredir-te-á sem complacencia se assim lho pedirem, ou mesmo espontaneamente. Tal como o "moderado" islâmico. E note-se que em beatos "católicos" acontece igual. Um tipo conheci eu, que até escrevia, que dizendo-se muito cristão/católico era a pessoa mais pérfida e brutal interiormente quando se tratava de tirar vantagem.
Os fanáticos são todos da mesma igualha. É preciso ter cuidado com essa gentinha.

Alfredo Bengala

Anónimo disse...

Tempos atrás estive em Marrocos. País aparentemente civilizado. Mas a lepra islamica vive lá. Conheci por razões profissionais um professor de ciências que me convidou a visitar a sua casa e jantar lá. A sua mulher era também professora, de francês na mesma escola do marido. Uma vez posto na mesa o jantar a senhora retirou-se com a filha pequena, ficou apenas um filho e claro o marido. Não me atrevi a perguntar porquê. Era intuitivo. E o que aqui fica dá inteira razão ao postador. É preciso fazer frente aos islamitas, sem nos deixarmos enganar pela propaganda dos esquerdistas ocidentais, aliados do fanatismo.

Ruben M.

Joaquim Simões disse...

As mulheres que me desculpem o humor negro, mas... afinal o que eles vão mesmo fazer à Praça?

Luís Dolhnikoff disse...

O humor, por mais negro, é sempre escusável, caríssimo Joaquim. Mas bem sabes que elas ali vão para protestar. Desta vez, sem chance de erro, contra o islamita Morsi. E em vez de presas pelo governo, são curradas por seus "companheiros" de revolta popular. Insânias do islã.

Anónimo disse...

Felizmente o Islã começou já sua contagem decrescente. Agora caras é questão de tempo seu tombo final. Nem Islão nem ICAR nem Induismo são de compatibilidade com Democracia, da verdadeira. Só para dourar pílula, fazer de conta até que uma força grande venha a seu jeito. A liberdade implica razão, mas não estreita. Ou se quiserem lhe chamar, Ética e olhos abertos prá beleza do mundo.

Ivan Moreira Filho

Joaquim Simões disse...

Luís:

Eu escrevi "eles", não "elas". É que, pelos vistos, o que essa turba masculina lamentável vai lá fazer, a pretexto de defender a pureza do Islão, não é mais do que dar vazão à canalhice que lhes explode nas santas almas. Ou lhes faz explodir as almas.

Luís Dolhnikoff disse...

Tem razão, Joaquim. Perdão. E no masculino tem toda a ironia necessária. Preciso trocar de óculos.

Ab, L

Lura do Grilo disse...

O assédio à mulheres é regra geral. Mesmo as turistas com os maridos ao lado são assediadas, o assédio no transporte público é quase obrigatório.... uma desgraça, uma selvajaria.

Luís Dolhnikoff disse...

Uma desgraça, uma selvageria. Em síntese, caro Lura, uma incivilidade. Insisto no termo para aclarar o debate. Pois é nestes termos que, no limite, ele se dá: o islã não é uma opção, pois não é uma opção civilizada. É preciso que os pregadores da falsa tolerância com a intolerância saibam que a verdadeira tolerância implica a intolerância com a intolerância.

Anónimo disse...

Eles sabem Luís, deixe que o trate assim. Os que apoiam a intolerância são irmãos dos que lá estupram as mulheres. No Islão assassino apenas se despejam sem fingimentos porque têm as costas quantes. São uns cobardes. E com pinta de impotentes, precisam de fazer sangue para se...
Um beijinho de gratidão pela sua coerência.
Adriana

Luís Dolhnikoff disse...

Outro. Delicadamente...