sábado, 30 de novembro de 2013
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
Dos iluminados encandeados
Só mais esta de Alberto Gonçalves:
A fava
Enquanto a
polícia procurava o psicopata que andou aos tiros por Paris (e pelo jornal de
esquerda Libération), inúmeros jornalistas preparavam os teclados para uma
história-tipo do solitário de extrema-direita que abomina imigrantes em geral e
árabes em particular, além de manter conversas no Facebook com organizações
protonazis. Acrescentavam-se dois parágrafos acerca do perigo dos nacionalismos
e o artigo estaria pronto. Azar. Saiu-lhes Abdelhakim Dekhar, com um
interessante dinamismo em grupos de extrema-esquerda e participação em acções
de "okupas", aliás já envolvido em diversos homicídios nos anos 1990.
Para cúmulo, é árabe. E, surpresa das surpresas, muçulmano. Não se faz.
Alguém duvida de que isto seja inaceitável e escandaloso?
Alguém duvida de que isto seja inaceitável e escandaloso para os pedagogos "igualitários" que sufocam o ensino em Portugal desde os tempos de Roberto Carneiro?
Dois a dizerem o óbvio
Por um lado, Helena Cristina Coelho:
A má memória de Soares
"O principal para que o Governo tenha êxito é saber persistir. Ter a coragem de não mudar de rumo, independentemente dos acidentes de percurso. Recomeçar, pacientemente, quantas vezes forem necessárias. Tomar decisões. Não se deixar perturbar por agressões verbais, por incompreensões ou por injustiças. Aguentar de pé. Para os homens de convicção e de recta consciência, o que conta é sempre - e só - o futuro". O texto foi-me recordado por uma amiga de boa memória, que se lembra de quem o escreveu há 29 anos.
E foi igualmente repescado por outras figuras, como José Manuel Fernandes, que o replicaram para recordar as palavras e, sobretudo, o seu autor: Mário Soares, em Maio de 1984, quando era primeiro-ministro. O país não estava como agora, estava bem pior. Havia empresas a fechar portas e os salários em atraso tornaram-se uma chaga social, havia bolsas de fome e protestos irados nas ruas, os preços dispararam, a moeda desvalorizou, o crédito acabou.E o que fez o governo de bloco central? Acabou a estender a mão para assinar um memorando de entendimento e receber dinheiro do FMI. Foi então o tempo de ouvir pequenas pérolas de austeridade como a de que "Portugal habituara-se a viver, demasiado tempo, acima dos seus meios e recursos" ou que "a única coisa a fazer é apertar o cinto" ou ainda que "não se fazem omoletas sem ovos, evidentemente teremos de partir alguns". O autor? Acertou: Mário Soares.
Não há notícia de que alguém na altura tenha partido as pernas ao primeiro-ministro como represália por estas declarações ou pela dureza das medidas - nem mesmo quando teve de enfrentar manifestantes violentos na Marinha Grande, na campanha de 1986. Aliás, foi premiado por essa valentia e acabou por ganhar as eleições.
A política não tem a virtude (nem sequer a presunção) de ser coerente. E, se faltarem provas, Mário Soares está a encarregar-se disso. Aquilo que usou como sua defesa enquanto governante, é exactamente aquilo que hoje ataca sem pudor. Não pode ser apenas um problema de memória e a idade não pode ser desculpa para algo que não é só irresponsável:é inflamável. Com o país ainda de garrote apertado, polícias a escalaram o Parlamento para darem sinais do que são capazes, sindicalistas a invadirem ministérios para expressar indignação, uma simples palavra pode ser incendiária e deitar tudo a perder.
Independentemente de se gostar ou não da figura ou do seu passado, Mário Soares teve um papel relevante na história do país. Só por isso, e porque pelos vistos continua a reclamar a paternidade da democracia (que ninguém quer aniquilar) e de uma ideologia de esquerda (com óbvias crises de identidade), devia ser o primeiro a preservá-la. Mas não é isso que está a acontecer: ao atacar o presente (leia-se, quem hoje governa o país) de uma forma tão agressiva e estéril, Soares está a destruir um passado que passou por si e a hipotecar um futuro que devia ajudar a construir. E um país sem memória não pode ter grande futuro. Soares devia ser o primeiro a lembrar-se disso.
Por outro, Alberto Gonçalves:
Cabeças
perdidas
Manuel Alegre (poeta). Vítor Ramalho (soarista). Carlos do Carmo
(fadista). Boaventura Sousa Santos (latinista). Vasco Lourenço (abrilista).
Marisa Matias (bloquista). Ruben de Carvalho (comunista). Pedro Silva Pereira
(socrático). Jorge Sampaio (sampaísta). António Capucho e Pacheco Pereira
(embaixadores do "centro-direita"). Pinto Ramalho (general). Helena
Roseta. Maria de Belém. Carlos Zorrinho. Alberto Martins. Ferro Rodrigues.
Jorge Lacão. João Semedo. António Costa. Manuel Tiago. Domingos Abrantes.
Almeida Santos.
Estas são algumas das personalidades que, através de mensagem de
apoio ou presença corpórea, disseram "sim" à convocatória de Mário
Soares e iluminaram a Aula Magna a fim de alegadamente defender a Constituição
e o Estado "social". Na verdade, o exercício versou mais o ataque ao
Governo e ao presidente da República, a quem se exige imediata demissão a bem
ou posterior remoção a mal. As sugestões de violência, os apelos à violência e
as ameaças de violências foram tantos e tão explícitos que apenas a transmissão
televisiva do evento nos lembrou não se tratar de uma reunião da Carbonária a
conspirar o regicídio. O Dr. Soares "aconselhou" os governantes (e
Cavaco) a regressar a casa pelos próprios pés enquanto podem. Vasco Lourenço
incitou que os corressem, cito, "à paulada". Helena Roseta defendeu
que "a violência é legítima para pôr cobro à violência". E, visto que
as camisas de força nunca chegaram, um longo etc.
Talvez não valha a pena notar que, em 2013, a "família
real" em causa foi eleita pela maioria dos cidadãos. Vale a pena notar que
ninguém elegeu os revolucionários em questão. Sobretudo ninguém lhes passou
procuração. Os amiguinhos do Dr. Soares falam em nome de um "povo"
que, abençoadamente, não existe. O "povo" que existe pode não gostar
do Governo e lamentar o Prof. Cavaco, mas boa parte da população é capaz de
abominar com maior empenho o bando de privilegiados da Aula Magna, que no
entender de muitos devia estar na cadeia pelo que outrora fez ao país ou pelas
desmioladas soluções que agora propõe.
Sou avesso a excessos. É claro que umas centenas de malucos
fechados numa sala (de que infelizmente não se perdeu a chave) não definem o
espírito do tempo. O que o define é a importância que se dá à coisa. Assim de
repente, os augúrios não são simpáticos: sem discernível ironia, os media
dedicaram ao encontro a seriedade que se dispensaria a um encontro de gente
séria, e quando se vê comentadores solenes interpretarem as palavras do Dr.
Soares como interpretariam as de alguém digno de atenção, é lícito constatar
que a democracia não atravessa um período radioso. Não discuto que o Governo
não seja um paradigma de incompetência. Digo que enquanto a alternativa
reconhecida implicar múltiplas exibições de demência, aliás em nítido
desrespeito pelo Código Penal, isto não vai longe.
De resto, não imagino se o "povo" um dia pegará em armas
e varrerá a tiro ou à paulada os poderosos. Porém, tenho a certeza de que o
"povo" não berra a uma só voz e sem dúvida não pensa pelos cerebelos
do Dr. Soares e respectivo séquito de parasitas: o trágico caos que se seguiria
à hipotética sublevação varreria também a estirpe de poderosos que inflama as
massas por diletantismo ou preservação de regalias. Os Robespierres de trazer
por casa já perderam a cabeça no sentido figurado. Vê-los perdê-la no sentido
literal seria, para os menos piedosos, o único alívio cómico do caos.
sábado, 23 de novembro de 2013
Nada de novo?
Disse assim Alberto Gonçalves:
O socialismo
que não ousa dizer o seu nome
O socialismo tem imensas faces. Na Venezuela, por exemplo,
persegue os comerciantes que vendem produtos acima dos preços que os senhores
no poder consideram aceitáveis (esta semana, o Imperador Maduro incitou os
clientes a invadirem as lojas a fim de obter o "reembolso"). Em
Portugal, multa os comerciantes que vendem produtos abaixo dos preços que os
senhores no poder consideram aceitáveis (há tempos, a ministra da Agricultura e
da UDP em exercício assim procedeu).
A vantagem venezuelana é a sinceridade. Lá, o socialismo, às vezes
chamado de "revolução bolivariana", orgulha-se de o ser e é
reconhecido como tal. Aqui é envergonhado e passa inexplicavelmente por
"neoliberalismo". Dito de outra maneira, o nosso querido Governo
disfarça as verdadeiras convicções sob retórica de sinal contrário. É por isso
que quando, há dias, o ministro da Economia defendeu a obrigatoriedade de uma
disciplina escolar dedicada ao "empreendedorismo", a primeira coisa
que apetece é recomendar ao Dr. Pires de Lima e respectivos colegas que a
frequentem.
À semelhança de tantos crimes passionais, o amor do Governo pela
iniciativa privada é de uma intensidade que termina invariavelmente com o
homicídio desta a golpes de faca. Ou de lei: quase em simultâneo às arrebatadas
declarações do Dr. Pires de Lima, um secretário de Estado adjunto do ministro
da Saúde anunciou, muito contentinho, que para o ano será proibido fumar em
todos, todos, todos os espaços "públicos", conceito que no peculiar
"neoliberalismo" indígena inclui os espaços particulares dos
restaurantes, bares e discotecas.
Prometo não voltar a discutir os "perigos" do fumo
passivo e o direito de cada um a arruinar a sua saúde da forma que entender.
Limito-me a notar uma fulminante banalidade, a de que os proprietários dos
estabelecimentos em causa deviam decidir sozinhos aquilo de que a casa gasta -
e os potenciais clientes apreciariam ou não. Desde que não promova actividades
criminosas, género sacrifício de virgens, parece-me natural que o dono de um
restaurante, afinal o sujeito que investiu no dito, possa escolher a comida que
serve, os comensais que atende e os hábitos que tolera. É tão absurdo abolir o
fumo quanto forçar uma casa de pasto minhota a servir chop suey no lugar de
sarrabulho. Por azar, sendo o Governo o que finge não ser e o país o que é,
esse dia também não tardará. E ninguém se manifestará na rua. Em Portugal, a
liberdade, palavra linda, assusta mais do que o enfisema pulmonar.
Em defesa dos trabalhadores
Os trabalhadores que confiam na CGTP para expressar o seu
descontentamento deveriam acompanhar com maior assiduidade a forma como o
descontentamento dos trabalhadores de outras paragens é tratado nos regimes com
que a CGTP simpatiza.
A proeza está longe de ser inédita, mas segundo jornais da Coreia
do Sul a vizinha do norte acabou de fuzilar oitenta infelizes por suspeita de
subversão das regras da casa. E não, os trabalhadores em causa não fizeram
greve, não marcharam aos berros contra o comunismo na Avenida da Liberdade lá
do sítio nem organizaram um protesto contra a remoção de "direitos
adquiridos" - até porque não têm direito nenhum. Os trabalhadores em
causa, que frequentemente ganham um ou dois euros mensais (lá, a classe média
aufere cerca de 20 euros e os empresários ricos a exorbitância de 70 euros),
acabaram assassinados por crimes tão graves quanto a contemplação de programas
televisivos sul-coreanos ou filmes proscritos (essencialmente, todos) e lerem,
ou pelo menos possuírem, um exemplar da Bíblia. Alguns viram-se acusados de
espalhar pornografia, esse palpitante instrumento da decadência ocidental. De
acordo com as fontes citadas, decerto ao serviço do imperialismo americano,
milhares de pessoas foram obrigadas a testemunhar as execuções e os familiares
das vítimas enviados para campos de concentração (ou reeducação, de modo a
poupar os espíritos sensíveis).
Nada disto pretende concluir que os portugueses não se devem
manifestar. Apenas que conviria repararem nas companhias em que o fazem. Se,
por absurdo, os sonhos mais profundos do Sr. Arménio Carlos se realizassem um
dia, para milhões de criaturas a troika haveria de tornar-se uma saudade, e a
austeridade uma lembrança de tempos felizes. E se, numa democracia europeia do
século xxi, é um bocadinho primário usar a Coreia do Norte como termo de
comparação, mais primária é a democracia que torna a comparação legítima.
Casos de miséria
Pelo menos um jornal diário conta a história, presumivelmente
trágica, de um rapaz que paga um euro e tal pelo almoço na cantina da escola
para depois queixar-se da qualidade da comida e, cúmulo dos cúmulos, de o
impedirem de repetir a dose. Os responsáveis da escola negam. O pai do rapaz
garante que o filho tirou fotografias com o telemóvel a comprovar os factos.
Suspeito que nenhuma foto explicaria o resto, a saber: que espécie de refeição
"gourmet" se espera obter a troco de trezentos escudos? Se a refeição
é péssima, porque é que os comensais desejam repeti-la? O que faz com telemóvel
um adolescente de 14 anos, membro de uma família que quer parecer necessitada?
O mistério permanece.
Porém, o mistério não se compara com o da indignação dos juízes
portugueses, os quais, com vasta repercussão na imprensa em geral, se queixam
dos "ataques" ao Tribunal Constitucional, do número de empregos
previstos no novo mapa judiciário e, muito principalmente, dos cortes
salariais. As críticas ao TC, órgão de derivação partidária, deveriam
constituir uma portentosa trivialidade em democracias adultas. As vagas disponíveis
para o cargo são aquelas que, correcta ou erradamente, quem de direito acha
indicadas (e a ministra Paula Teixeira da Cruz até jura que serão mais do que
as actuais). E os lamentos da classe acerca da quebra nos rendimentos são um
insulto a todos os infelizes que ganham misérias ou não ganham nada de nada.
A propósito: se o jornalismo ambiciona a suprema redundância de
mostrar que a crise fomenta apertos e casos dramáticos, o jornalismo que esteja
à vontade. Mas convém limitar os relatos a situações aflitivas de facto, sob
pena de reduzir a aflição a uma anedota e a crise a um pretexto para a rematada
estupidez.
domingo, 17 de novembro de 2013
DO SURREALISMO COMO PONTAPÉ-DE-CANTO
Deco tem dificuldade em encontrar
adjetivos para qualificar o muito criticado comportamento de Joseph Blatter
para com Cristiano Ronaldo.
Nicolau Saião, O sedutor
Nota 1– Não sei quem é este Blatter,
mas temo pelos penalties dos dois talentosos craques.
Nota 2 – Agora que vai acontecer,
levado a efeito e muito bem por diversas entidades culturais, um Colóquio
Internacional sobre o surrealismo, será de colocar a ênfase no facto de que
Portugal – república de timbre cripto-fascista cleptocrata judicializado de
fachada democrática – é um entreposto onde na verdade e na realidade vigora um
tipo de surrealismo específico
centrado no absurdo e na irrisão mais fagueira e desportivista.
In hoc signo
vincis…
sábado, 16 de novembro de 2013
Com quase uma semana de atraso...
(imagem obtida aqui)
... mais duas crónicas exemplares de Alberto Gonçalves:
O irrealismo
mágico
Fui só eu a achar encantadora a criação, na Venezuela, do vice-ministério
para a Suprema Felicidade do Povo? Segundo o Maduro que manda naquilo, a coisa
destina-se a "elevar a qualidade social dos venezuelanos até ao céu",
e só estranho que o céu seja o limite quando, em vez de lidar com a realidade,
a política decide inventar uma realidade alternativa. Naturalmente, trata-se de
uma característica do socialismo, que começa científico e depressa descamba
para o folclórico. Deve ser por isto que, pelo menos na literatura, se associa
a América Latina ao "realismo mágico", embora conste que, a certa
altura, mesmo o sisudo Estaline começou a financiar investigações psíquicas. Em
Caracas, as investigações nem são necessárias: é costume o sr. Maduro afirmar
que "vê" Hugo Chávez a pairar junto às montanhas da cidade e, na semana
passada, o actual Presidente convocou a imprensa para anunciar que o rosto do
presidente falecido surgira na parede de um túnel do metropolitano local. Há
dias, o sr. Maduro antecipou o Natal, que de facto é quando um ditador quiser,
para Novembro.
Entre nós, devido às greves, é frequente que nem o fantasma de um
maquinista se mostre nos "metros" de Lisboa e do Porto. Falta-nos
esse mergulho no fantástico, essencial sempre que a despesa com a propaganda e
o "bem comum" leva um país a descer sem remédio ou vergonha à
indigência e à mendicidade. A miséria aumenta exponencialmente? Tomem um
ministério da Felicidade. A crise não parece ter saída? Experimentem uma
aparição mística. O povo sofre? Venha uma revolução no calendário religioso.
É verdade que a Constituição caseira já pressupõe uma dimensão paralela,
desde logo evidente no "caminho para uma sociedade socialista" do
Preâmbulo, mas decretar o direito ao emprego e a uma habitação jeitosa não é
igual a impor por lei a alegria das massas. É verdade que o principal responsável
pela penúria vigente anda por aí a preparar um inconcebível regresso ao poder,
mas dificilmente as aparições do eng.o Sócrates são passíveis de interessar
parapsicólogos. É verdade que os senhores ministros prometem a retoma para
daqui a dez minutos, mas isso não se compara a bulir na data de nascimento do
menino Jesus. É verdade que uma pequena percentagem dos descontentes sai
regulamente à rua a fim de exigir que os nossos satânicos credores nos deixem
em paz conquanto continuem a enviar o dinheirinho, mas, se bem que por pouco,
uma manifestação da CGTP não corresponde às premissas de uma manifestação do
reino sobrenatural. É verdade que os gestos e as palavras dos socialistas
dissimulados do Governo, dos socialistas assumidos da oposição corrente e dos
socialistas maluquinhos das franjas vêm evoluindo vertiginosamente rumo ao
delírio, mas ainda carecemos do golpe de asa que nos resgate da pobreza e eleve
à irrealidade absoluta.
Precisamos de entregar o destino colectivo nas mãos de xamãs, cartomantes e
videntes. Precisamos de confiar o défice aos astros e aos búzios. Precisamos de
ler o futuro do Estado "social" nas entranhas de um bicho. Precisamos
de responder à rigidez dos "mercados" com festa, dança e candomblé.
Precisamos de uma Secretaria de Estado das Energias Positivas. Precisamos que
as botas de Salazar ou as sobrancelhas de Cunhal se revelem num muro ou numa
torrada. Precisamos de assombrações patrióticas. Precisamos, em suma, de
alcançar a dimensão espiritual e transcender a material. Nesta não vamos longe.
A esquerda
contra o desemprego
A título de intróito, palavra que nunca escrevera até este momento,
deixem-me falar-vos de Rui Tavares, nome que espero não voltar a escrever
depois de hoje. O dr. Tavares é o eurodeputado "independente" que se
candidatou pelo BE ao Parlamento Europeu e, numa portentosa exibição de
independência, saiu do BE a seguir à eleição, embora mantendo o cargo, o
salário e a influência. Por azar, uma das maçadas dos processos eleitorais é o
seu carácter temporário, pelo que o dr. Tavares vê aproximar-se o fim do
mandato e, o que é compreensível, teme que coincida com o fim do cargo. E do
salário. Desde já, o dr. Tavares rejeita com veemência uma candidatura nas
"listas" do PS, proeza facilitada pelo facto de, salvo por uma vaga
simpatia manifestada pelo dr. Assis (em contraponto à antipatia de outros socialistas),
o PS não o ter convidado. Dado que o PCP não costuma recrutar no exterior das
fileiras, sobra ao dr. Tavares a solução óbvia. Abandonar o sujo universo da
política? Esse é o plano B. O plano A consiste em fundar um partido que devolva
o respectivo fundador a Estrasburgo. Sucede que, na impossibilidade de
enveredar pela franqueza e resumir os estatutos desse hipotético partido aos
factos, leia-se preservar o emprego do líder, o dr. Tavares foi obrigado a
congeminar uma complexa tese que envolve a falta de "convergência"
entre as forças da oposição, a crítica às "plataformas fulanizadas"
e, sobretudo, a urgência em criar um "espaço de liberdade à
esquerda".
Compreendo a urgência e confirmo a lacuna. Se considerarmos que PSD e CDS
são economicamente liberais - o que, a atentar pelas políticas em curso,
implica uma desmesurada liberdade poética -, a esquerda caseira conta apenas
com o PS, enquanto alternativa de governo; com o PCP, enquanto porta-voz dos
"valores democráticos" no sentido não democrático do termo; com o BE,
enquanto representante dos jovens que abominam o "sistema" embora
ignorem o que o "sis-tema" seja; e com grupelhos microscópicos género
PCTP e POUS, que em podendo enforcavam os "ricos" e não se voltava a
falar no assunto. É, pois, óbvio que a nossa esquerda ainda é insuficiente,
como são insuficientes os marsupiais na Austrália e a dengue no Brasil. Há ali
"espaço" para a "liberdade" do dr. Tavares, o visionário
que em 2011 descobriu a distância que vai do marxismo à tolerância e que em
2013 oferece à Europa o feliz matrimónio de ambos. Naturalmente, não oferece o
ordenado.
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
Duas crónicas...
... das quatro que Alberto Gonçalves publicou aqui:
Alívio cómico
Todo vaidoso, o Governo jurou não existirem quaisquer indícios de
que entidades nacionais tenham sido escutadas pelas agências de espionagem
americanas. Em vez de orgulho, o Governo deveria mostrar vergonha e
perguntar-se porquê. O pior era a resposta: porque não pesamos no mundo. A
menos, claro, que a CIA e aparentados andem com demasiado tempo livre e
reservem o fim do dia para a merecida galhofa. Temos um país falido cuja
população exige nas ruas a manutenção das causas da falência. Temos um Governo
que demora nove meses a parir um "guião" para a reforma do Estado que
se limita a reformar, com pensão vitalícia, a lucidez dos que o levarem a
sério. Temos um ex-primeiro-ministro vocacionado para o embuste e preparado
para voltar a mandar no exacto país que arruinou com empenho. Temos a dra.
Assunção. Temos o "repúdio" ao sr. Blatter. Temos o dr. Seguro. Temos
os "trabalhadores" da CGTP em greves e manifestações tão sucessivas
que não há quem lhes retenha as datas. Temos uma "inteligência"
convencida de que o nosso atraso de vida é culpa do "estrangeiro".
Temos, em suma, os ingredientes necessários para que os espiões dos EUA passem
um bom bocado. Fora do expediente.
Isto não é o "Zeca"
Entre as inúmeras homenagens a Lou Reed, certamente uma das mais
estranhas aconteceu sexta-feira em Lisboa, onde uma série de músicos
portugueses interpretou canções óbvias do norte-americano. Interpretaram ou,
pelo que testemunhei nas notícias, demoliram. Mas o mais espantoso foi
contemplar indivíduos associados ao PCP e a partidos similares mostrarem
devoção por um anticomunista primário, que é como todos os anticomunistas devem
ser. Veja-se o papel de Reed na resistência checa ao totalitarismo soviético.
Ouça-se Black Angel"s
Death Song, tema do disco inicial dos Velvet Underground e de oblíqua
repulsa pela URSS. Recorde-se o ataque ao terrorismo palestiniano no álbum New York. Ecumenismo?
Hipocrisia? Provavelmente ignorância, que é do que a casa gasta.
sábado, 2 de novembro de 2013
O TRIUNFO DOS PORCOS
Nicolau Saião, A besta
No seu famoso
livro deste título, George Orwell referiu que, naquele cenário onde decorria a
acção (e que na verdade era o mundo do politicamente correcto avant la lettre) “todos os animais são
iguais, mas alguns são mais iguais que outros”.
O indiferentismo moral ganhava ali foros de realidade,
assentava praça na estratégia ditatorial de esmagar o ser humano.
Eis aqui, noticiado pelos jornais em geral, um
exemplo actual claro/escuro:
O ex-basquetebolista
norte-americano, Dennis Rodman, descreve os norte-coreanos como "pessoas
normais" que gostam de "beber cocktails e dar umas boas
gargalhadas".
Para Dennis Rodman Kim Jong-Un, o líder da
Coreia do Norte, é "uma boa pessoa", com "bom coração", que
oferece tequila aos convidados na sua ilha privada. Rodman falou da sua amizade
com o líder norte-coreano em Londres durante a promoção de um jogo de
basquetebol entre uma equipa escolhida por ele próprio e uma equipa
norte-coreana, que irá coincidir com a celebração do 31º aniversário de Kim
Jong-Un e 8 de janeiro.
Segundo o jornal británico "The
Guardian", Rodman afirmou que não mantém relações de amizade com a Coreia
do Norte por dinheiro."Não preciso de dinheiro, o que eu quero fazer é
diminuir a distância que existe entre a Coreia do Norte e o resto do mundo.
Eles têm muito para oferecer e querem fazê-lo", disse.
Rodman descreve a sua visita à ilha privada
de Kim Jong-Un como "uma visita ao Hawai ou a Ibiza, apenas com a
diferença de que ele é o único que lá vive", adiantando que o líder
norte-coreano "tem sempre 50 ou 60 pessoas à sua volta, pessoas normais,
que bebem cocktails e dão gargalhadas durante a maior parte do tempo".
Para o basquetebolista, tudo o que Kim Jong-Un faz "é o máximo".
Rodman não critica Kim nem a Coreia do Norte,
afastando-se assim das questões políticas. "Não me interessa o que ele faz
lá, o que faz aqui ou o que faz em qualquer lado. A Coreia do Norte é tão má
como o Japão, a China ou Hong Kong, a única coisa que me diz respeito é que
somos amigos e isso é tudo o que importa", diz.
NOTA - Este
Rodman é um semelhante dos que, no tempo deles, visitavam a Alemanha nazi e
achavam Hitler um homem inspirado e um sujeito estupendo. Ou dos que visitavam
a Moscovo do papá Staline e só viam nela um universo excepcional. Nem campos de
concentração, nem calabouços, nem muros de fuzilamento - só locais aprazíveis.
Eram
amorais, babujadores de baixo estofo e totalmente destituídos de escrúpulos. Em
suma, cúmplices dos crimes desses regimes. Como este repelente Rodman, casos
patentes de baixeza moral, de falsa ingenuidade, de cinismo infame.
O
exemplo do perfeito canalha com discurso inocentinho.
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