Este pequeno mas esclarecedor e creio que oportuno texto de Radovan
Ivsic foi dado a lume pela primeira vez no catálogo da exposição internacional
“L'ECART ABSOLU" (1965) e, depois, republicado no volume de ensaios do autor
intitulado “CASCADES” (Editora Gallimard 2006).
Agradecimentos são devidos a Laurens Vancrevel por mo ter enviado, bem
como a Joaquim Simões que pulcramente o traduziu.
“Estou
firmemente convicto de que o desporto é o melhor meio de produzir uma geração
de cretinos perniciosos”, escrevia Léon Bloy, sem suspeitar de que estas
palavras proféticas poderiam em breve ser aplicadas a numerosas gerações de
todos os continentes. Sob a máscara do jogo, de que é a caricatura senão mesmo
a negação, ou, melhor ainda, do apolitismo e desta forma falaciosa do
internacionalismo acerca do qual já Charles Maurras dizia: «esse
internacionalismo não eliminará as pátrias, antes as fortificará», o desporto
alastra desde há um século como uma elefantíase imunda. Nele não poupam os
dirigentes de todos os países, não somente por o considerarem um complemento do
serviço militar mas porque – denuncia-o também Benjamin Péret – enquanto «meio
de embrutecimento» leva seguramente a palma aos demais. O célebre treinador
americano Knut Rockne não imaginava até que ponto era certeiro quando afirmava:
«Logo a seguir à Igreja, a melhor coisa é o futebol». Mais explícito ainda, o
barão Pierre de Coubertin, promotor dos Jogos Olímpicos modernos, esclarece: «A
primeira característica essencial do antigo olimpismo bem como do olimpismo
moderno é o de ser uma religião. Ao cinzelar o corpo pelo exercício à
semelhança do escultor modelando a sua estátua, o atleta antigo “honrava os
deuses”. Copiando-o, o atleta dos nossos dias exalta a pátria, a raça, a
bandeira». Esta passagem torna-se tanto mais significativa quanto é extraída de
um prefácio à escandalosa olimpíada de 1936, inaugurada em Berlim por Hitler,
onde o barão desportivo, promotor da «arte de criar o puro-sangue humano»,
saudará «um dos maiores espíritos construtores do nosso tempo», que «serviu
magnificamente, sem o desfigurar, o ideal olímpico».
Os ensurdecedores espectáculos dos
ringues e dos estádios retratam a organização da vida contemporânea, baseada na
rivalidade e na concorrência, numa palavra, na competição, cujos efeitos não
poderiam ser mais prejudiciais ao associativismo de Fourier. O campeão
torna-se, em geral, graças a ela, num profissional, num trabalhador modelo que,
à força de abstinência, paciência e suor, conquista o seu lugar ao sol
poeirento das grandes provas. Far-se-á dele um homem-sanduíche à escala da
grande imprensa e da televisão ou, melhor ainda, uma vedeta nacional, desde
que, note-se, a sua vida em família seja exemplar. Quer para o adepto activo
quer para o infame passivo, a suposta cultura física é habilmente erguida numa
barragem aos excessos da vitalidade libertadora do indivíduo, que tenta escapar
às garras do progresso técnico sem derramamento de sangue ou aos danos de uma
educação esclerosada. De origem escolar, o desporto transforma-se numa dura
escola onde, sob a orientação do instrutor técnico, se aprende «a paixão da
docilidade». O estádio é a porta grande que leva ao mundo dos robots.
No centro desta exposição, a máquina de
lavar todos os jornais, de L’Aurore
ao L’Humanité, e do New York Herald Tribune ao Quotidiano do Povo, de Pequim, terá de
branquear, entre outras, uma profusão de omnipresentes páginas desportivas.
Tanto pior para algumas raras e, por vezes, magníficas fotos de bólides em
chamas invadindo arquibancadas a transbordar, antes de explodirem: tal flash
solene é a única luz apropriada a estes locais sinistros.
Radovan Ivsic
2 comentários:
Bom e oportuno post, tanto mais que decorre ainda no Brasiu o campeonato que Portugal teria ganho se não tivesse sido afastado. O que tanto faz.Hoje o desporto é na verdade a grande máquina de desmiolação em que entram os pugressistas, os cunservadores e os assim assim incluindo os cavos quistas. Belezura, comá TV. E não se pode pontapeá-lo???
Sílvio Pontes
Essa da vida familiar modelo já nem se aplica...
Taranta Mossoró
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