... de Alberto Gonçalves, no DN:
Louvor dos ricos
Nos sites da imprensa generalista, a notícia
de que Alexandre Soares dos Santos é o novo homem mais rico de Portugal foi em
geral recebida com comentários de puro ódio. Nos sites especializados, como por
exemplo o do Bloco de Esquerda (esquerda.net), o ódio não precisa de
comentários (que, à data a que escrevo, de facto não existem) e transfere-se
para o próprio artigo, onde o dono do Pingo Doce é idoneamente acusado de
apoiar a troika, fugir aos
impostos, desrespeitar trabalhadores e produtores e realizar promoções com 50%
de desconto.
Entre parêntesis, acho que
vender barato é louvável, defender o memorando é inevitável, escapar do sistema
fiscal pátrio é um alívio e abusar de trabalhadores e produtores é, neste caso
e por aquilo que uma amostra de ambos me garantiu, uma mentira. Não conheço
Alexandre Soares dos Santos de lado nenhum, pelo não me vou alargar em
considerações sobre a respectiva fortuna, que presumo lícita e que, embora seja
naturalmente o resultado dos objectivos particulares e egoístas do seu
proprietário, acaba por beneficiar milhares de assalariados e inúmeros
consumidores. A aversão aos ricos, que a tradição local do ressentimento manda
que expiem tudo, é um retrato do que de pior o país tem.
Outro retrato da nossa
miséria é a dimensão desses ricos, da qual por acaso o povo e o esquerda.net
não se queixam. Ou queixam-se pelos motivos errados: o "valor" de
Alexandre Soares dos Santos ronda os 2 mil milhões de euros, pecúlio que, na Suécia,
lhe concederia um reles sétimo posto na lista dos multimilionários. O sueco
mais abonado possui quase vinte mil milhões. O norueguês mais rico, para
continuar em nações de dimensão semelhante, dispõe de cerca de dez mil milhões.
O dinamarquês mais rico? Quatro mil milhões. O holandês? Cinco mil milhões. O
belga? Três mil milhões.
A verdade é uma: sem
acumulação de capital, a prosperidade não passa de retórica. Portugal conta com
os ricos mais pobres da Europa, circunstância que em sociedades política e
economicamente abertas traduz o atraso indígena (ou os limites indígenas à
referida abertura) e não qualquer indício de progresso. Curiosamente, os
"progressistas" de serviço continuam a querer erradicar a escassa
riqueza em prol da penúria global com que já Salazar sonhava. Bate certo, mas os
"progressistas" não batem bem.
Humanidade, dúbio conceito
Segundo notícias, a crise
fez aumentar a quantidade de animais de estimação abandonados. A crise tem as
costas largas. Conheço muito bem gente muito pobre que, nem sei como, alberga
quinze bichos em casa, e nem todas as crises que já experimentaram os
convenceram a largá-los na rua.
É o que sucede com os
crimes, para citar uma lenda corrente. É comum atribuir-se aos apertos
económicos uma escalada na taxa de assaltos ou homicídios. Porém, a relação é
negada pelos indicadores estatísticos disponíveis e pelo bom senso. Nenhum
cidadão digno desata a roubar ou a matar o semelhante apenas porque empobreceu,
por mais extrema ou até injusta que seja essa pobreza. A ocasião não faz o
ladrão, que se não nasceu feito fez-se algures no caminho, fruto do exemplo, do
acaso ou do carácter.
Os sujeitos que eliminam
fauna caseira a pretexto da austeridade são os mesmos que a enxotariam a
pretexto das férias ou do que calhasse. A crueldade é um vício. A estupidez é
uma marca. Freud lembrava que a devoção de um cão ao dono é o único amor
incondicional. Por definição, a inversa não é obviamente verdadeira. De resto,
e a benefício da clareza, não reivindico leis que castiguem quem larga bichos
por conveniência: a decência não se alcança por decreto. Só gostaria que, se me
perdoarem nova citação, a certeza de Milan Kundera de que o cão é o elo do
homem com o Paraíso estivesse realmente certa, e que aqueles que quebram o elo
acabassem no lugar que merecem. Mas sou um descrente, dos homens e da justiça
divina.
A solução final
Numa altura em que
quase toda a gente parece desorientada face à situação nacional, a excepção é a
CGTP, que apresentou dez medidas ("urgentes" e sem dúvida sinceras)
para combater o desemprego.
Em resumo, a CGTP
quer: melhorar os salários e as prestações sociais; 35 horas semanais
("sem redução de salário"); políticas de promoção do "direito ao
trabalho e do trabalho com direitos"; Revitalização do Tecido Produtivo
(com maiúsculas, não imagino porquê); programas de "gestão
preventiva" que evitem os despedimentos; efectivar todos os "falsos
recibos verdes"; "abandonar a intenção de reduzir o número" de
funcionários públicos; permitir a contratação de novos funcionários públicos;
manter os subsídios de desemprego enquanto durar a crise; proibir a redução de
benefícios sociais aos desempregados; impedir o voluntariado aos destinatários
do rendimento mínimo; proteccionismo económico e economia de substituição; criar
um imposto extraordinário sobre as empresas; pleno emprego.
É verdade que o último
desígnio torna redundantes os anteriores, mas a CGTP não é famosa pelo rigor
argumentativo. É também verdade que, bem espremidas, as medidas são mais do que
dez, mas a CGTP nunca se notabilizou pela exactidão nas contas. De qualquer
forma, eis um programa que inevitavelmente retiraria o país do buraco actual -
e o depositaria na Fossa das Marianas. Aliás, caso fossem aplicadas metade das
medidas propostas pela CGTP, Portugal deixaria de existir em poucos meses. Ou
existiria apenas na medida em que Cuba existe, fora os charutos e o mar cálido.
Dito isto, longe de mim
sugerir que os delírios do PCP, perdão, da confederação sindical são inúteis.
No mínimo, os delírios servem de contraponto às políticas do Governo, as quais
por contraste ganham um espantoso, e no fundo injustificado, ar de sensatez. Se
já é absurdo que a despesa estatal não diminua, a CGTP exige claramente o
respectivo aumento. Se já não se suporta a carga fiscal, a CGTP reivindica com
frontalidade a respectiva subida. Se já nos assustamos com os níveis do
desemprego, a CGTP propõe, ainda que nas estrelinhas, o desemprego absoluto.
Antes solução nenhuma do
que a final. Para os senhores que nos tutelam, a utilidade da CGTP é em suma
idêntica à da pneumonia perante a gripe: mostrar que, por mal que isto esteja,
haveria sempre quem nos deixaria bastante pior. Após contemplar o confrangedor
Governo que escolheu, o cidadão médio volta-se para a esquerda e percebe que há
escolhas mais aterradoras. Se uma mói, a outra mata. Ou mataria, se pudesse.
Gestão da comunicação
Recentemente, o jornal i perguntou a Vasco Graça Moura qual
seria a sua primeira medida caso fosse ministro ou secretário de Estado da
Cultura. Graça Moura respondeu: "provavelmente seria pedir a
demissão", no sentido de que não quereria ocupar nenhum dos cargos. Carlos
Zorrinho, astuto líder parlamentar do PS, ofereceu à humanidade a sua
inter-pretação da frase: dado que o secretário da Cultura depende do
primeiro-ministro, Graça Moura pediu a demissão do primeiro- -ministro durante
uma entrevista em que se fartou de o elogiar.
Há dias, o referido Pedro
Passos Coelho gritou: "Que se lixem as eleições, o que interessa é o bem
de Portugal", no sentido, talvez fingido, de que se deve governar no
interesse de todos ao invés de o fazer em benefício das próprias clientelas. Num
ápice, o dr. Zorrinho explicou que quem se está a lixar para as eleições está a
lixar-se para os eleitores.
Assim é difícil. Uma coisa
é a sofisticação do nosso debate político andar pelas ruas da amargura. Outra é
o deputado Zorrinho conduzir o debate pelos becos da radical incompreensão. Não
tarda, sempre que um membro do governo ou alguém conotado com o PSD disser
"Bom dia!", logo saltará o dr. Zorrinho a explicar que o sujeito em
causa afirmou claramente o nojo ao povo português e o desejo de que este padeça
vítima de calamidades diversas. Para cúmulo, não adiantará ao sujeito tentar
esclarecer o equívoco, já que o dr. Zorrinho usará o esclarecimento a fim de
acusar o infeliz de maldades ainda piores. Consta que o dr. Zorrinho ensina
Gestão da Comunicação. Ensina, não aprende.
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