terça-feira, 21 de agosto de 2012

VESTÍGioS

ASSIM QUE PASSEM QUINZE ANOS…
  Foi nesta data, 15 anos atrás, que por um acaso fortuito propiciado pela cordialidade da minha colega de trabalho Maria José Maçãs (responsável pelo museu de José Régio “Casa do Poeta”, em Portalegre) vi pela primeira vez o autor de “Vestígios”.
  Ele estava, vindo de Ciudad Real, de passagem com dois familiares e demandava os Açores, que Michel Dorion lhe creditara como um lugar incontornável para quem se maravilha com paisagens surpreendentes – e a Maria José referiu-lhe que “também temos cá um colega que escreve”.
  Subidas as escadinhas que levavam ao Centro de Estudos adstrito, o encontro foi amável, foi cordial e, em seguida, foi estimulante.
  E agora que finalmente saíu no Brasil, por mim levado e traduzido (e com a sua complacência fraternal, doada e sem usura) o seu livro citado acima, creio que fará sentido – ainda que todos, é uma maneira de falar, estejamos em férias – dar aqui um trio de poemas, bem como a capa da edição a que faço referência.
 (Gérard André Loison Calandre nasceu em 1952, na Bretanha, França. Viveu na Itália, leccionando na cidade de Messina. De formação científica, tem-se mantido afastado do mundo das Letras. Autor do livro “Vestígios”, traduzido por NS e de textos esparsos sobre o seu ramo profissional e, ainda, no tomo work in progress “No Outro Lado”. Visitou Portugal em 1992 e 1997. Após o falecimento de sua mulher Jeanne Vaillon Remise foi viver para o Canadá francófono.
    Tem colaboração nas revistas “Diversos” – dir. José Carlos Marques, “Bicicleta” – orientada por Manuel Almeida e Sousa, “Agulha” – dir. Floriano Martins & Cláudio Willer, ”TriploV” - dir. Maria Estela Guedes ,”Abril em Maio” - dir. Eduarda Dionísio, “Carré Rouge” - dir. Alex Centeno, “Fanal” e, finalmente, no “Ablogando”.
Três Poemas

 À UNE LOUPE

 Avec toi j'ai vu les vers de Virgile
les couleurs élémentaires d'un torse de Piranesi
Je peux simuler que je vois comme dans un rêve les arbres
et les maisons qu'entre elles se dissimulent
Dans un manuscrit très ancien
Combien plus de temps cela me sera donné
Le découpage d'un té
le pédoncule d'une magnolia
l'oeil d'un poisson d'eaux profondes
le tournoyer d'une foudre dans une page occasionnel
Une nuit elle m'abandonnera  la poésie
Verre et métal   et dans des minutes
la definitive cécité
Je t'approche des lettres et voici
Ils grandissent comme des troncs Comme des troncs ils disparaissent
Et déjà il reste seulement la mémoire d'une fiévreuse minute.


A UMA LUPA

Contigo vi os versos de Virgílio
As cores elementares dum torso de Piranesi
Posso simular que vejo como num sonho as árvores
e as casas que entre elas se dissimulam
Num manuscrito muito antigo
Quanto tempo mais isso me será dado
O recorte de um tê
o pedúnculo duma magnólia
o olho dum peixe de águas profundas
o cirandar de um relâmpago numa página de acaso
Abandonar-me-á uma noite a poesia
Vidro e metal    e em minutos
a definitiva cegueira
Aproximo-te das letras e eis
Crescem como troncos Como troncos desaparecem
E já só resta a memória dum minuto febril.


LE VOYAGE

La femme qui avec le bras mi-soulevé
ouvre la corolle de sa main  Son visage moitié blanche
moitié foncée Le pouls un peu gonflé
De la taille en bas il ne se voit pas Une trace noire
la scinde, la ravage, la dévore.
Le vieux monsieur dévie un pied Je m'arrange
Je déteste le Mètre mais c'est ici qui habitent des séraphins des chérubins
Les huit maisons du trésor La place où l'on tue la soif
C'est mien le peu de que tous se revendiquent
Le frayeur la joie merveilleuse cadeau
Un visage coupé dans plusieurs angles
par la grâce de Dieu L'obstination d'un maître d'école
que Galilée s'appelait Je marche autour de la Terre
Je suis un fragment de montagne
Le vieux monsieur qui j'n'avais jamais trouvé
Il regarde le toit Ébloui Il reste trés calme Il soupire.


VIAGEM

A mulher que com o braço meio erguido
abre a mão em corola A face metade branca
metade escura O pulso um pouco inchado
Da cintura para baixo não se vê Um traço
negro cinde-a destroça-a devora-a
O velho senhor desvia um pé Ajeito-me
Detesto o Metro mas nele residem serafins querubins
As oito casas do tesouro O lugar onde se mata a sede
É meu o pouco de que todos se reivindicam
Susto alegria maravilhosa dádiva
Um rosto cortado em vários ângulos
pela graça de Deus A obstinação dum mestre-escola
que Galileu se chamava Ando à volta da Terra
Sou um fragmento de montanha
O velho senhor que jamais encontrara
Olha para o tecto Deslumbrado Fica muito quieto Suspira.


UNE POUPÉE DESSINÉE PAR UN ENFANT

Il y a quelque part quelque chose qui nous échappe
Ce nez qui se rétrécit Une jambe qui vole
Un chiffre dessiné Ce n'est pas bien un chiffre
C'est une petite étoile
Petite étoile du nord regarde bien
celui-ci est le bras pour beaucoup d'âges
l'âge du sud et de l'ouest
les mains qui sont des plantes nocturnes
Beaucoup d'années plus tard quelqu'un trouvera
le papier froissé dans un tiroir perdu
Regarde  c'est le visage du cousin Florentin
Florentin est un vieux Il sourit
Pendant  un moment il se rend nostalgique
Pendant un moment tout est immobile  et indemne.


UM BONECO DESENHADO POR UMA CRIANÇA

Há   algures   qualquer coisa que nos escapa
Este nariz que se retrai Uma perna que esvoaça
Um algarismo desenhado Não é bem algarismo
É uma pequena estrela
Estrelinha do norte repara bem
este é o braço para muitas idades
a idade do sul e do oeste
as mãos que são plantas nocturnas
Muitos anos mais tarde alguém encontrará
o papel amarrotado numa gaveta perdida
Olha   é a cara do primo Florêncio
Florêncio é um velho Sorri
O seu olhar fica saudoso Por um momento
Por um momento tudo fica parado   e incólume. 

GÉRARD CALANDRE

in Vestiges/Vestígios”

   Tradução ns

2 comentários:

Anónimo disse...

Excelente poeta que não conhecia. Abriu-me o apetite de ler mais. Onde posso adquirir o livro?

Bia Lança

Anónimo disse...

Só no Brasil, Bia. Por decisão do autor e do tradutor, o livro só ali será vendido. É que assim se evitam trâmites bilaterais. Obrigado pelo interesse demonstrado, que é justo.
ns