domingo, 23 de setembro de 2012

O povo bestial

Muitos portugueses estão convencidos que pertencem a um povo bestial que teve o azar de ser liderado por uma classe política corrupta. Por todo o lado abundam as indignações contra os políticos a propósito de tudo e de nada. Na verdade trata-se de um puro exercício de passa culpas: a gatunagem, a corrupção e o compadrio atravessam a sociedade portuguesa de alto a baixo. Portugal é o país da cunha, da atençãozinha e do favorzinho, mas a generalidade dos indignados prefere fazer dos políticos o bode expiatório de todos os males, escamoteando assim sua própria responsabilidade.
Em vez de andarem a berrar contra os políticos e a exigir-lhes mundos e fundos, mais valia que estes portugueses assumissem a sua contribuição para a situação atual e não fizessem no dia-a-dia aquilo que acusam os políticos de fazerem. Passariam a ter moral para criticar e melhorariam imenso o país.

10 comentários:

Anónimo disse...

Você está enganado. E nunca esperei de si um texto tão generalizador e canhestro. E não se trata de berrar, mas de pacífica e calmamente se pôr na cara da classe política, que tem usado a manipulação e a perfídia contra os cidadãos, a sua verdadeira imagem. Não entende que essas características que aponta ao povo têm como pano de fundo a secular crueldade duma classe dominante velhaca e soez? Em 1962 um autor dizia que a culpa do Holocausto tinha sido dos judeus, por terem sido passivos ante os hitlerianos. E também os caraterizava na generalidade, de forma tão expeditiva como você agora faz.
Resta-me dizer que é porque me merece consideração que lhe dirijo estas observações.

Vicente Páscoa

DL disse...

Vicente Páscoa

Agradeço as suas observações, mas não concordo com elas.
Com certeza reconhecerá que há um grande sentimento anti-políticos. Na minha opinião esse sentimento não é totalmente legitimo, porque muitos dos portugueses que berram são menos honestos do que os políticos que acusam. E muitos dos que se manifestam foram coniventes com o arrastar do país para o abismo. Foi só isso que quis dizer. E não acredito que a classe política seja pior que o resto e vice-versa.

Manuel Graça disse...

Aquelas manifestações são um misto de manifestação religiosa socialista e de birra de bébé a quem alguém tirou o chocolate.

No primeiro caso estamos no domínio do dogma, no segundo do não racional.

Esta mistura 'pede' o aparecimento de quem lhes fale à alma, independentemente da comida de hoje ser a fome de amanhã.

Na Grécia, a vitória do Syriza colocou os gregos perante o dia seguinte e fê-los recuar. Para uns foi o descrédito do deus, para os outros o aparecimento do papão.

Em Portugal nada disto aconteceu, está tudo em aberto.

Anónimo disse...

DL, agradeço a forma civilizada com que se me dirigiu. Isso atesta a sua boa formação. Dito isto, deixe-me dizer: o povo luso tem defeitos, sim, mas ter defeitos é uma coisa, ser criminal é outra. E quando falamos na maior parte da classe política não falamos em "expectativas de milagre" mas sim em factos concretos: as manipulações descaradas, que agravam os defeitos do povinho; os roubos, as burlas, o tripúdio sobre as pessoas de forma cínica. E isto PORQUE O PODEM FAZER, porque o sistema lho permite, dado que está capturado por leis iníquas ou que não se aplicam (as justas) e por asseclas que os servem. Acredito e sei mesmo que muita gente que esteva na manifestação era gente dos que nos levaram até aqui, à beira do abismo. Mas o grosso do pelotão, digamos assim com humor q.b. era gente que nem contestava o governo mas sim o rumo de imbróglio que nos sufoca, pois isto já está a não se aguentar (somado aos casos de inflexões de roubalheira descarada ou contratos leoninos, que dissolvem a força moral da nação). E o que disse serve tb para o meu caro M.Graça, pois acho que é redutor ver no que se passou, e no mais que se irá passar, manifestação ou birrenta ou para-religiosa de tipórios mal-intencionados. E os do topo perceberam-no bem, pois estão longe de ser tolos ou ceguetas (a classe deles não é nada estúpida, será é oportunista ou velhaca intermitentemente), "inflectindo jogo" a toda a pressa. Não ver isto, por opção interior ou respeitáveol ressentimento, é mau - tira a quem vê os acontecimentos de forma superficial a capacidade de ver claro. E, finaslmente: o alegar-se que o povo colabora em erros não dá legitimidade aos que mandam para agravar esses erros. Como o Churchill, que sabia do que falava, muito bem disse. (A sua célebre frase "Por eu ser suficientemente forte para tirar o chupa-chupa a uma criança não me dá justificação para o fazer e ainda por cima o xingar - "to joke about". Abraço.

Manuel Páscoa

Manuel Graça disse...

O cenário parece-me ser este:

A malta pressente que vem bojarda e insiste em confirmar no poder os trafulhas que lhe põem o abismo debaixo dos pés apenas arrepiando caminho quando pressente que o raio já vem, da nuvem, a caminho. Resolve então votar na certeza de que a vida será difícil para a não tornar inviável.

Afastado o buraco para alguns centímetros dos pés, dá com os pés ao recente votado e volta a tentar o caminho anterior.

A questão põe-se, frequentemente, nos seguintes termos: se são todos trafulhas ou apenas uns ligeiramente que outros. Eu ponho a questão de outra forma: quem é o menos trafulha (não trafulha parece-me de todo impossível) que atura uma coisa destas? Quem é o menos trafulha que está disposto a tentar liderar, coordenar, consertar, uma tropa deste tipo?

A malta chora e tem razão para chorar. Mas, chora de quê? Sente-se abandonada?

A escola, de há uns 30 anos para cá, "ensina" que o cidadão é por sistema vítima do sistema e da sociedade. Que cabe ao sistema e à sociedade, por ser quem vitimiza o cidadão, a tomar conta dele como forma de o compensar pelas arbitrariedades que lhe aplica. O cidadão é ensinado que em primeiro lugar está a sociedade e depois ele próprio e que trabalhar em prole da sociedade deve ser a sua prioridade ...

Mas, trabalhar é ... um inconveniente que deve caber à sociedade e ao sistema e não ao cidadão.

... e depois a malta chora. E rabuja. E reclama. E tem direito a fazer isso tudo, mas, para desabafar? Desabafar de quê?

Como se explica que em Portugal, neste momento, em termos de sondagens, mais de 50% do eleitorado acredita (parece-se que sim) que é 'pecado' pensar que a melhor forma de servir a sociedade é tomar, prioritariamente, conta de si próprio?

Claro que a malta pode protestar e até talvez deva, mas relativamente a quem? As crianças fazem birras e os pais aturam-nas. É a vida. Mas há mais vida para além da idade da falta de juízo.

Os protestadores (não falo dos 'institucionais') não conseguem aparentemente, abarcar a encrenca em que estão metidos para além da sua vida e da relação directa a quem lhes paga. Mas, é hoje possível opinar armado apenas desse horizonte?

Manuel Graça disse...

[remotamente relacionado]:

http://blasfemias.net/2012/09/24/discriminacoes-nao-obrigado/

Manuel Graça disse...

Tenho insistido na comparação entre a última manifestação e as "primaveras" árabes. Em ambas se pedia algo sem sustentação em termos da coisa concreta*.

Este artigo vem a propósito:

"O (não) debate sobre a TSU foi muito revelador dos equilíbrios insustentáveis do regime. Nota-se que basta um pequeno abanão para que as actuais relações de forças desmoronem. Nota-se também que existem instituições caducas que vivem do consumo interno e não concebem um mundo em que se possa viver de outra forma. Como o consumo interno aos níveis anteriores à crise é insustentável, essas instituições estão condenadas."

http://blasfemias.net/2012/09/24/sobre-um-nao-debate/


* Nas árabes pedia-se, por exemplo, liberdade mas sem reclamar separação estado-religião-política-justiça, no nosso caso 'a vida que já tivemos' sem se reclamar liberdade económica que permita a produção de riqueza (além de uma justiça funcional, etc.).

Anónimo disse...

Um detalhe curiosíssimo que ponho à vossa consideração e que ilumina o caso português e a hipocrisia da classe que durante anos, com o pretexto de "governar", se governou até às fezes, deixando-nos a nós povinho, grande ou pequeno, que não podíamos governar nada (pois se tentávamos autonomia acusavam-nos logo de estar a subverter as instituições saídas do voto) sem defesa real: não há dinheiro para cumprir promessas eleitorais, mas há para se pagarem milhões a firmas e empórios (PPPs e Fundações) assessores pagos a peso de ouro, etc. Portanto, como diz o Graça, é preciso que o povo EXIJA que se curem as ENTIDADES INSTITUIDAS, PARA QUE DEPOIS POSSA HAVER SUPERAVIT. De contrario é apenas retórica de pedir impossíveis. A vida que pedem se devolva tem de ser uma NOVA VIDA, sem videirinhos como o Soares e outros da igualha a incendiar os crédulos.

VP

Manuel Graça disse...

VP:

"mas há para se pagarem milhões a firmas e empórios (PPPs e Fundações) assessores pagos a peso de ouro, etc."

É verdade. Mas também é verdade que, a menos que se suspenda oficialmente a democracia (o mando da troika corresponde a uma suspensão de facto mas não de direito), pelo menos no que respeita às PPPs (99% do que está em cima da mesa) não há, aparentemente, qualquer hipótese de se fugir a esse pagamento por via legal. Mais, as entidades credoras dessas PPPs (as que adiantaram o dinheiro que constitui a dívida do estado), são as que financiam uma boa parte dos dinheiros que a troika vai ainda fazendo escorrer entre os portugas.

O imbróglio é grande, gigantesco, caro VP.

E não é possível julgar os canalhas estatais ou governamentais que pariram o monstro? Não sei. A julgar pelo andar da carruagem, não.

Atente a esta coisa maravilhosa:
http://ab-logando.blogspot.pt/2012/09/a-esquerda-e-obcessao-pela-marxista.html

Manuel Graça disse...

... e o Cravinho tem sido um dos grandes "dinamizadores" da legislação anti-corrupção e ... etc. Sempre chumbado pelos kapangas do partido dele.

Cravinho é este campeão:

http://range-o-dente.blogspot.pt/2007/10/pobes-lgrimas-as-do-crocodilo.html