sexta-feira, 13 de julho de 2012

Deste lado do mar...


  

  Maria Elena Sancho tem um programa de rádio, "Poesia y algo más", ali ao lado na Argentina (se acaso estivermos no Google Earth é claro - mas é o mesmo, que hoje os países tocam-se e assim se diga para os autores e as obras), nessa Buenos Aires onde pairam os ecos da voz de Borges, de Adolfo Bioy Casares, Juan Gelman, Alejandra Pizarnik e tantos, tantos mais...
   
 Ora acontece que suscitado por Julia Prati e Victoria Servidio, fui convidado a enviar-lhe umas coisitas minhas. E a propostas destas de senhoras poetisas assim nada se recusa, mormente por estarmos a contas com o país de Gardel...
 (Isto digo eu na galhofa, mas usteds já me perceberam).

 Em suma, tirei-me de meus cuidados e enviei, entre outras coisas, o que vos remeto em anexo para leitura e uns minutos de traquinice cultural, sempre com a estima e o proverbial abraço de fim de semana.







Cézanne, Casas à beira da estrada, 1881


OUTRORA

A antiga casa    não lhe mexam. Não procurem
desfazer-lhe os sinais que as sombras
lhe deixaram. Os canteiros
que fiquem com pedaços de cacos,  velhas
rugas sob os alicerces. Plantas          
    
que o silêncio gerou anos e anos
às telhas se misturem      .
Os dedos,  não lhos marquem     
com óleos,   tintas,   cores     
em toda a frontaria e nas traseiras     
E as nódoas de musgo, a cansada ferrugem, as     
flores quase desfeitas
abandonem-lhas. Não lhe pintem
também a luz
que o tempo debaixo do cimento faz ficar
- o sol,  o vento,  a chuva -
mágoas e alegrias dum século
mais que incolor e vago.
     
Absorto e parado
que tudo sempre idêntico
sepultado nas crostas sem limites
fique    como os minutos da terra,  assim desfeitos.

A brisa,  como em sons
de vida e morte
nas janelas abertas    passe
- lamento reflectindo a memória
lenta das vozes.

Que as asas lhe resguardem a quietude. Que o sol
a vele e adormeça sua paz final. Que o Outono
lhe acalente a ausência:  porque  já nada pode
agora transtornar
a velha moradia
- os campos,  em redor,  são o disfarce
de milhares de coisa já perdidas -       
aranha minúscula subindo
os tempos invisíveis
laços para sempre desmanchados, porta
que se entreabre e une   finito e infinito.

                                                           in FLAUTA DE PAN

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