L. S. Lowry, Punch and Judy, 1943
Desde há
milénios que o Homem, sem cessar, pergunta aos arcanos maiores: quem somos,
donde viemos, para onde vamos? Porque se o princípio do Mundo foi ruído e
tempestade, a seguir começou a ser interrogação e memória. E o Homem no afã de
reconhecer o seu rosto busca-se através das Idades.
Qual o
rosto do Homem? Qual o rosto humilde ou senhoril pelo qual o Homem se pode
reconhecer? A História do Mundo, na verdade, é a história da procura – umas
vezes desesperada, outras vezes esperançosa – com que o Homem ergue o signo da
sua presença completa.
O espelho
da Humanidade é o viver quotidiano. Mas por dentro do quotidiano há imagens
cuja origem urge determinar. Pois só assim se compreenderá o mistério que todo
o momento, todo o minuto, seja de trabalho ou de festa, de contentamento ou de
melancolia, transporta consigo.
Homem
significa permanência. A criança, o velho, o adolescente, são sinais erguidos
na vasta correnteza da vida. A paisagem é ou pode ser uma habitação esparsa,
não contida, propagando-se no mundo como o vozear da multidão – ou a serenidade
de alguém que está só. Os detalhes também são permanência: por eles nos guiamos
para reconhecer o segredo da existência. E por isso se diz que tudo conta,
assim como numa vida humana nenhum minuto se desbaratou. Porque na vida humana
tudo o que se cria se transforma.
O rosto do
mundo está por vezes repleto de amargura. Devemos saber que se a vida tem uma
parte de abnegação, o peso dos sacrifícios não deve contudo manchar os
múltiplos vértices com que o Homem pontua a sua caminhada. Por isso devemos
perguntar-nos: aparentemente semelhantes, as notas da sinfonia vital
diferenciam-se por que timbre? Se nos sentimos distantes do conhecimento que se
procura, da realidade que se quer atingir, é necessário ter a coragem de nos
interrogarmos conscientemente, de conscientemente interrogarmos o mundo que nos
cerca e em que nos inserimos.
A vida, a
morte, o medo, a alegria, o sofrimento. Temas maiores para o verdadeiro rosto
do Homem, para o autêntico rosto do Mundo. O Mundo e o Homem são realidades
absolutamente ligadas, mesmo quando tal parece não se verificar. O que os liga
é o génio de uns poucos, o talento de mais alguns, a interessada solidariedade
de muitos mais. É importante que pouco a pouco esta corrente desenvolva a sua
robustez através do que de mais nobre, mais harmonioso se criou através dos
séculos.
O passado,
quer o queiramos ou não, liga-se ao futuro pelo presente. Em qualquer lugar da
Terra foi assim. As imagens menos nítidas, mais arbitrárias em aparência
tornam-se compreensíveis se a elas ligarmos o sinal do Homem, o seu rosto
luminoso. Porque o Mundo existe. E o Homem existe. E existe a Terra, o
firmamento, tudo o que está ou pode vir a estar ao alcance do nosso
deslumbramento.
Que mundo
amanhã?
Nota – A
propósito, ou sublinhando, a exposição “Cem Rostos do Alentejo” patente em
Gáfete (Distrito de Portalegre) e da autoria de Ribeirinho Leal.
São rostos
daquela localidade do Alentejo profundo – mas podiam ser, creio, de uma irmã e
semelhante de qualquer outra parte.
1 comentário:
Parabéns, ns! Um belo texto!
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