sexta-feira, 23 de novembro de 2012

ROSTOS PARA UM MUNDO





L. S. Lowry, Punch and Judy, 1943



  Desde há milénios que o Homem, sem cessar, pergunta aos arcanos maiores: quem somos, donde viemos, para onde vamos? Porque se o princípio do Mundo foi ruído e tempestade, a seguir começou a ser interrogação e memória. E o Homem no afã de reconhecer o seu rosto busca-se através das Idades.

   Qual o rosto do Homem? Qual o rosto humilde ou senhoril pelo qual o Homem se pode reconhecer? A História do Mundo, na verdade, é a história da procura – umas vezes desesperada, outras vezes esperançosa – com que o Homem ergue o signo da sua presença completa.

   O espelho da Humanidade é o viver quotidiano. Mas por dentro do quotidiano há imagens cuja origem urge determinar. Pois só assim se compreenderá o mistério que todo o momento, todo o minuto, seja de trabalho ou de festa, de contentamento ou de melancolia, transporta consigo.





   Homem significa permanência. A criança, o velho, o adolescente, são sinais erguidos na vasta correnteza da vida. A paisagem é ou pode ser uma habitação esparsa, não contida, propagando-se no mundo como o vozear da multidão – ou a serenidade de alguém que está só. Os detalhes também são permanência: por eles nos guiamos para reconhecer o segredo da existência. E por isso se diz que tudo conta, assim como numa vida humana nenhum minuto se desbaratou. Porque na vida humana tudo o que se cria se transforma.

   O rosto do mundo está por vezes repleto de amargura. Devemos saber que se a vida tem uma parte de abnegação, o peso dos sacrifícios não deve contudo manchar os múltiplos vértices com que o Homem pontua a sua caminhada. Por isso devemos perguntar-nos: aparentemente semelhantes, as notas da sinfonia vital diferenciam-se por que timbre? Se nos sentimos distantes do conhecimento que se procura, da realidade que se quer atingir, é necessário ter a coragem de nos interrogarmos conscientemente, de conscientemente interrogarmos o mundo que nos cerca e em que nos inserimos.




   A vida, a morte, o medo, a alegria, o sofrimento. Temas maiores para o verdadeiro rosto do Homem, para o autêntico rosto do Mundo. O Mundo e o Homem são realidades absolutamente ligadas, mesmo quando tal parece não se verificar. O que os liga é o génio de uns poucos, o talento de mais alguns, a interessada solidariedade de muitos mais. É importante que pouco a pouco esta corrente desenvolva a sua robustez através do que de mais nobre, mais harmonioso se criou através dos séculos.

   O passado, quer o queiramos ou não, liga-se ao futuro pelo presente. Em qualquer lugar da Terra foi assim. As imagens menos nítidas, mais arbitrárias em aparência tornam-se compreensíveis se a elas ligarmos o sinal do Homem, o seu rosto luminoso. Porque o Mundo existe. E o Homem existe. E existe a Terra, o firmamento, tudo o que está ou pode vir a estar ao alcance do nosso deslumbramento.





   Que mundo amanhã?


Nota – A propósito, ou sublinhando, a exposição “Cem Rostos do Alentejo” patente em Gáfete (Distrito de Portalegre) e da autoria de Ribeirinho Leal.

São rostos daquela localidade do Alentejo profundo – mas podiam ser, creio, de uma irmã e semelhante de qualquer outra parte.

1 comentário:

Joaquim Simões disse...

Parabéns, ns! Um belo texto!