sábado, 20 de abril de 2013

CORREIO DE FIM-DE-SEMANA – DOIS EXEMPLOS PARA RECREAR





   Creio que muitos dos caros confrades ainda se lembrarão dos tempos em que, sem trabalho dobrado mas apenas por boa estruturação dos velhos CTT, se recebia correio todos os dias. E, como diz a obra maestra de James Cain, o carteiro tocava sempre duas vezes…

   Durante anos, nos rankings da estrutura própria que mede esses desideratos, os Correios eram mesmo considerados um exemplo de boa condução enquanto empresa pública.

  Em certos países, nomeadamente os EUA, a Inglaterra, a França, etc, ainda assim é. Usando de uma hábil e competente coordenação, nesses países onde ainda existe um certo progresso não se deixa o cidadão e o continente societário, durante dois dias, a apanhar bonés no que à ausência de carteação ou outros contactos diz respeito.




  Felizmente que agora há a rede, a redezinha, esta interactiva que nos permite que também nos fins-de-semana nos cheguem coisas oportunas e interessantes, por belas e comprazedoras.

  Hoje, comigo, foi assim – e estes dois bons exemplos, gostosos e salutares,  um vindo do Brasil e outro de Cabo Verde (onde o seu autor agora reside), aqui ficam com o proverbial abrqs e desejo de que tudo vos siga correndo bem.



Uma recordação de Nuno Rebocho

Espiões e jornalistas: um relacionamento difícil

   Que as más relações entre a Comunicação Social e os serviços secretos são, em democracia política, mais do que escaldantes fica certo e sabido. É dos livros e o que vai por aí não foge à praxe. Quanto ao que se passava nos tempos da polícia política salazarenta e da estúpida e coronelesca censura nem é bom falar: basta me recordar dos tempos do jornal cor-de-rosa, o “Comércio do Funchal”, em que tive que usar pseudónimo (L. H. Afonso Manta) se quisesse ser impresso e ter voz, para ser assaltado por tanta memória que até apetece vomitar. Não vem agora ao caso falar desses amordaçados tempos de que tantas histórias há que contar, muito embora haja (infelizmente) muitos que, oportunisticamente se dizem “vítimas”, não passaram de obedientes colaboracionistas com o Estado Novo. Se fosse a contar… olhem, que não faltam provas… Eu, pelo menos, tenho-as, para que não venham com coisas.

   Bem, é da atual espionagem em Portugal que hoje saco da viola. Poucos sabem que essas más relações entre espiões e jornalistas datam de 1985/6 e nasceram no jornal “A Tarde” (que os estultos afirmam ser de “direita”, embora acobertasse mais anos de cadeia política no lombo da sua redação que o jornal comunista “Diário” – coisas que a porca propaganda oculta). Eu era na altura subchefe de redação de “A Tarde”, quando o fotógrafo, o Duarte, me veio alertar: “há movimentos estranhos em volta do jornal. Estão uns gajos parados na rua, sentados nos bancos e junto dos candeeiros, a fingir que estão a ler jornais mas a observar atentamente quem entra e quem sai daqui”.


   Avisado de que algo de estranho se estava a passar, mandei-o ir tirar, à socapa, fotos dos meliantes. Nas fotografias apareciam também uns tipos postados nas esquinas. Peguei, depois, nos “bonecos” e coloquei-os diante do diretor, o Jaime Nogueira Pinto. Pouco após, foi o bom e o bonito quando o Jaime telefonou para os Serviços Secretos, informando-os da situação e pedindo que executassem as necessárias providências - com surpresa, o homem desmontou-se em desculpas. Que os sujeitos eram, afinal, agentes da espionagem, acabados de se formar e tinham sido colocados ali, junto do jornal da Rua Augusta, “para prestar provas”! Má sorte a sua. Pediu-nos imensas desculpas e o caso foi “abafado”.

   Bem que então avisei o Nogueira Pinto: até seria “educativo” anunciar que os aprendizes dos nossos “bufos” foram apanhados com a boca na botija. Talvez assim eles aprendessem a respeitar a Imprensa e a tomar cuidado. Mas não: optou-se pelo facilitismo e agora andamos com a Ongoing às costas.

   Esta história que aqui recordo (e muito papalvo desconhece, por isso deita cá para fora um chorrilho de disparates e asneiras), não apaga que, por vezes, possam existir boas relações entre a espionagem e a Comunicação Social e, mesmo, dentro de determinados limites, uma leal colaboração. Por exemplo, eu próprio passei informações, em 1976, sobre os aprisionados em Angola pelo regime de Neto (e cujas cabeças era necessário salvar de um assassinato que, de outra forma, seria quase certo) a um agente da BOSS, o Peter – um jovem de origem russa que estava deslocado em Lisboa. Claro que foram respeitadas as normas éticas do Código Deontológico dos Jornalistas.


   E, anos mais tarde, enquanto chefe de redação do semanário “O Diabo” (em breve vos falarei desses tempos), sosseguei dois agentes da CIA que me visitaram na redação procurando recolher informações para acautelar a vinda a Portugal de Ronald Reagan, então Presidente dos Estados Unidos. Aí eram questões de segurança que imperavam e o bom nome de Portugal que estavam em causa.

   Se não houver conveniente e ajustado racionalismo neste relacionamento (nem tanto ao mar, nem tanto à terra: todos os fundamentalismos são um péssimo serviço e acabam por ser prejudiciais) dá-se prova de imbecil cegueira profissional e política. Livrem-se dela.
                                                                                                        Nuno Rebocho
                                                                          



Um poema de Floriano Martins


XXII

Acaso conheces o deus que quer morar em ti?
Tens idéia do que ele criaria uma vez em teu íntimo?
Residente em túmulo ou santuário,
ele seria um deus morto ou vivente?
A árvore erguida no centro dessa união,
sabes dizer a quem pertenceria?
A quem atribuir as faltas dele, seus pudores e pecados?
E como esperas que ele retribua as tuas oferendas?
Qual dos dois um dia apunhalaria o outro?
Não crês que todos os deuses se temam entre si?
Quem julga o outro mais sábio, justo ou soberano?
Por que não se sentam todos e compartem uma mesma fatia de luz?
À imagem e semelhança de quem exatamente foram criados?
E antes que não me escutes mais, quantos pensas que somos?


(imagem obtida aqui


(do livro LEMBRANÇAS DE HOMENS QUE NÃO EXISTIAM (2013),
poemas de Floriano Martins a partir de retratos do escultor Valdir Rocha)

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