João Garção, Portugal romântico
Este nosso confrade e amigo, que
depois de se alijar da Antena 2 rumou a Cabo-Verde para ser uma presença cidadã
na comunicação social desse país, volta às nossas páginas com outra
reminiscência saborosa do seu multifacetado percurso de vida.
Experiência cabo-verdiana
Não há apertos que desmotivem um
cabo-verdiano. De facto, há que esperar tudo deste gente que aprendeu aquilo
que o dianho amassou e que fica horrível desejar a quem quer que seja.
Sobretudo, há que o reconhecer, o cabo-verdiano aprendeu a esperar, dizendo
entre dentes a expressão muito crioula: “ave-maria,
paxenxa”. Isto, de resto, foi das primeiras coisas que aprendi mal pus os
pés no arquipélago. Eu conto.
Foi por volta de 2001. Estava desesperado,
aguardando que o Ministério das Finanças liberasse um cheque que fora obrigado
a fazer na convicção de que o Governo me pagaria conforme prometeu. Mas os dias
passavam e desse pagamento, nada. Eu desesperava. E mais desesperava por sempre
me faltar alguém no Ministério que pudesse ser meu interlocutor. Até que um
dia, furioso, desencabrestei pelo jardim em frente em busca de um graxate que
cuidasse dos meus sapatos. Reparando no meu semblante, o sujeito descalçou a
proverbial “morabeza”: o que eu tinha, o que não tinha. Lá me descosi. Que
estava sem dinheiro (situação a que os cabo-verdianos estão habituados), que o
Ministério arrastava o tempo, fingia que andava, mas não andava, e eu estava
farto: aquilo eram “más contas”.
O sujeito sorriu. E, no esgar, desembrulhou:
“Minin, má Kao Berdi é tera di speransa,
enton nu spera”, o que, traduzido, significa: “menino (assim me tratou),
mas Cabo Verde é terra de esperança, portanto a gente espera”. Guardei
sofregamente a máxima que tem servido de norte na minha bússola. E quando um
dia tomei conhecimento do que Eugénio Anacoreta Correia, então embaixador de
Portugal na cidade da Praia, afirmou a uma entrevista, percebi o desabafo.
Disse ele que Cabo Verde era “a única
terra do mundo onde havia tempo para ter tempo”. Então larguei em “aaah”,
que ainda hoje perdura.
Vou-me
habituando.
Nuno Rebocho
2 comentários:
Habituara-me a ouvir N.Rebocho na Antena 2. Depois deixei de o ouvir e não sabia o que houvera com ele visto estarmos num país esquisito. Fico agora a saber que está em Cabo Verde e parabenizo-o por continuar vivo e ao alto. E também o ilustrador, pois é um quadro muito interessante.
Maria M.
and time is money... de qualquer modo.
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