quarta-feira, 3 de abril de 2013

OUTRA DE NUNO REBOCHO



João Garção, Portugal romântico


  Este nosso confrade e amigo, que depois de se alijar da Antena 2 rumou a Cabo-Verde para ser uma presença cidadã na comunicação social desse país, volta às nossas páginas com outra reminiscência saborosa do seu multifacetado percurso de vida.


                   Experiência cabo-verdiana


   Não há apertos que desmotivem um cabo-verdiano. De facto, há que esperar tudo deste gente que aprendeu aquilo que o dianho amassou e que fica horrível desejar a quem quer que seja. Sobretudo, há que o reconhecer, o cabo-verdiano aprendeu a esperar, dizendo entre dentes a expressão muito crioula: “ave-maria, paxenxa”. Isto, de resto, foi das primeiras coisas que aprendi mal pus os pés no arquipélago. Eu conto.

   Foi por volta de 2001. Estava desesperado, aguardando que o Ministério das Finanças liberasse um cheque que fora obrigado a fazer na convicção de que o Governo me pagaria conforme prometeu. Mas os dias passavam e desse pagamento, nada. Eu desesperava. E mais desesperava por sempre me faltar alguém no Ministério que pudesse ser meu interlocutor. Até que um dia, furioso, desencabrestei pelo jardim em frente em busca de um graxate que cuidasse dos meus sapatos. Reparando no meu semblante, o sujeito descalçou a proverbial “morabeza”: o que eu tinha, o que não tinha. Lá me descosi. Que estava sem dinheiro (situação a que os cabo-verdianos estão habituados), que o Ministério arrastava o tempo, fingia que andava, mas não andava, e eu estava farto: aquilo eram “más contas”.

   O sujeito sorriu. E, no esgar, desembrulhou: “Minin, má Kao Berdi é tera di speransa, enton nu spera”, o que, traduzido, significa: “menino (assim me tratou), mas Cabo Verde é terra de esperança, portanto a gente espera”. Guardei sofregamente a máxima que tem servido de norte na minha bússola. E quando um dia tomei conhecimento do que Eugénio Anacoreta Correia, então embaixador de Portugal na cidade da Praia, afirmou a uma entrevista, percebi o desabafo. Disse ele que Cabo Verde era “a única terra do mundo onde havia tempo para ter tempo”. Então larguei em “aaah”, que ainda hoje perdura.

Vou-me habituando.
                                                                                        Nuno Rebocho 

2 comentários:

Anónimo disse...

Habituara-me a ouvir N.Rebocho na Antena 2. Depois deixei de o ouvir e não sabia o que houvera com ele visto estarmos num país esquisito. Fico agora a saber que está em Cabo Verde e parabenizo-o por continuar vivo e ao alto. E também o ilustrador, pois é um quadro muito interessante.

Maria M.

ora viva disse...

and time is money... de qualquer modo.