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“Rigor mortis”
A nossa imprensa noticiou o homicídio, em Paris, de um
"militante de extrema-esquerda" às mãos de um bando de
"extrema-direita e neonazi". Os pormenores lexicais são todo um
programa. Repare-se, para começar, que o jovem assassinado não teve direito a
epíteto de "neoestalinista", "neomaoista" ou
"neo-albanês": identificá-lo apenas como pertencente à
"extrema-esquerda" basta e não compromete a inocência. Depois,
note-se que os assassinos não mereceram a palavrinha "alegados", que
costuma acompanhar casos de violência sempre que a violência é perpetrada por
certos grupos. Por fim, apesar de tudo, sublinhe-se a especificidade das
classificações, inexistente quando os criminosos partilham outras crenças, por
regra omitidas nas notícias que tratam de outras vítimas, pelos vistos menos
respeitáveis, e outras mortes, evidentemente menos interessantes.
(imagem obtida aqui)
O refúgio do liberalismo em Portugal
Há muito tempo que não vejo jogos de futebol. Há pouco que
comecei a ver com frequência debates televisivos sobre futebol, do Trio de
Ataque ao Prolongamento, de O Dia Seguinte ao Mais Futebol. São, como se diz
que Coimbra foi, uma lição. Desde logo, sobre a capacidade humana de repetir
oito a doze vezes por minuto a palavra "estrutura" enquanto sinónimo
de direcção, organização ou hierarquia. Porém, o vago marxismo lexical termina
aí: os debates principalmente revelam hordas de liberais, "neo" ou
"ultra", que, para nosso azar, não existem nas demais dimensões do
país.
No mundo dos comentadores da bola, as ideias dominantes que
determinaram a corrente e desgraçada situação pátria encontram-se viradas do
avesso. Lá, ninguém hesita em defender que o treinador X ou o jogador Z acabem
sumariamente demitidos por incompetência. Ninguém estranha que os salários,
mesmo que desmesurados, sejam proporcionais ao mérito. Ninguém culpa os ricos.
Ninguém despreza a necessidade de exigência. Ninguém deixa de louvar os clubes
que se governam com orçamentos equilibrados e minúsculos. Ninguém apoia a
irresponsabilidade. Ninguém se lembra de incentivar o recurso ao crédito para
investimentos ruinosos. Ninguém percebe as equipas com plantéis excedentários.
Ninguém propõe a imposição da igualdade em detrimento da liberdade. Ninguém
atribui às vitórias da Alemanha as causas da penúria indígena. Ninguém legitima
a promoção da violência dentro e fora do campo. Ninguém abomina a concorrência.
Etc.
Para alguns, entre
os quais me incluo, o futebol pode não passar de um aborrecimento de hora e
meia (mais uns minutos no caso do Benfica). Já a conversa em redor do futebol,
à primeira e segunda vistas um aborrecimento maior, é, quando esmiuçada com
detalhe, não só uma lição, insisto, mas um refúgio e um consolo perante o
socialismo que contamina o resto da sociedade. O futebol não é socialista. Se
não me obrigar a vê-lo, que Deus o proteja.
Antes a morte
Operático como de costume, Freitas do Amaral irrompeu a
explicar que a crise vigente só é comparável à de 1383-85 e ao jugo Filipino,
dado que está em causa a independência nacional. É lá com ele, que culpa a
política alemã pelas agruras internas, além, claro, do Governo actual. O prof.
Freitas não culpa qualquer governo anterior, incluindo aquele a que emprestou a
portentosa lucidez e que, por acaso, apressou a descida de Portugal aos abismos
como nenhum outro. Não admira. Após uma ausência de que ninguém dera conta, o
prof. Freitas regressou recentemente à emissão regular do tipo de palpites que
definem a sua natureza, talvez com esperança de se tornar
"presidenciável" a médio prazo. Eu, que já vi de tudo, não digo nada,
excepto que seria preferível perder a independência entretanto.
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