quarta-feira, 18 de abril de 2012

Delicioso!


Ora leiam este email que recebi de uma amiga:


Da crónica de João Quadros no Negócio On-Line:


"Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) demonstram que o Pingo Doce (da Jerónimo Martins) e o Modelo Continente (do grupo Sonae) estão entre os maiores importadores portugueses."

Porque é que estes dados não me causam admiração? Talvez porque, esta semana, tive a oportunidade de verificar que a zona de frescos dos supermercados parece uns jogos sem fronteiras de pescado e marisco. Uma ONU do ultra-congelado. Eu explico. 


Por alto, vi: camarão do Equador, burrié da Irlanda, perca egípcia, sapateira de Madagáscar, polvo marroquino, berbigão das Fidji, abrótea do Haiti… Uma pessoa chega a sentir vergonha por haver marisco mais viajado que nós. Eu não tenho vontade de comer uma abrótea que veio do Haiti ou um berbigão que veio das exóticas Fidji. Para mim, tudo o que fica a mais de 2.000 quilómetros de casa é exótico. Eu sou curioso, tenho vontade de falar com o berbigão, tenho curiosidade de saber como é que é o país dele, se a água é quente, se tem irmãs, etc.


Vamos lá ver. Uma pessoa vai ao supermercado comprar duas cabeças de pescada, não tem de sentir que não conhece o mundo. Não é saudável ter inveja de uma gamba. Uma dona de casa vai fazer compras e fica a chorar junto do linguado de Cuba, porque se lembra que foi tão feliz na lua-de-mel em Havana e agora já nem a Badajoz vai. Não se faz. E é desagradável constatar que o tamboril (da Escócia) fez mais quilómetros para ali chegar que os que vamos fazer durante todo o ano. Há quem acabe por levar peixe-espada do Quénia só para ter alguém interessante e viajado lá em casa. Eu vi perca egípcia em Telheiras… fica estranho. Perca egípcia soa a Hercule Poirot e Morte no Nilo. A minha mãe olha para uma perca egípcia e esquece que está num supermercado e imagina-se no Museu do Cairo e esquece-se das compras. Fica ali a sonhar, no gelo, capaz de se constipar. 


Deixei para o fim o polvo marroquino. É complicado pedir polvo marroquino, assim às claras. Eu não consigo perguntar: "tem polvo marroquino?", sem olhar à volta a ver se vem lá polícia. "Queria quinhentos de polvo marroquino" - tem de ser dito em voz mais baixa e rouca. Acabei por optar por robalo de Chernobyl para o almoço. Não há nada como umas coxinhas de robalo de Chernobyl. 


Eu, às vezes penso: o que não poupávamos se Portugal tivesse mar.

4 comentários:

Nausícaa, São Paulo, Brasil disse...

Caro Joaquim, que saudades!!!

Rimos muito - eu e meu marido. Além da excelente percepção da coisa, por aqui, também, quase tudo no supermercado é bem mais viajado que nós para além das enormes distâncias dentro do Brasil.

Grande abraço!

Joaquim Simões disse...

Nausícaa:

O prazer do reencontro é mútuo. Espero que goste deste novo blogue, agora não apenas da minha responsabilidade mas da de muitos - e bons.
Um grande abraço também para si. E outro para o seu marido.

alf disse...

Este texto é um tratado da arte de bem escrever!

Anónimo disse...

Original, sensato, com adequada poesia, não uma peixeirada como certos vates costumam obrar (e há diferença entre obrar e fazer, como dizia Pedro Oom...).

ns