domingo, 1 de abril de 2012

O apóstolo e o coelho (fábula contemporânea sobre a honra)


Na antevéspera, salvo erro, do dia em que foi oficializada a entrada da China na EDP, assistiu o país, pela televisão, à intervenção do sr. deputado Francisco Louçã (para sempre louvado seja o seu nome!), interpelando Passos Coelho sobre  - tal como no velho e inefável spot publicitário -  uma sensação de absorção, mas ao contrário, que lhe  provocara algo assim como uma encoberta e enevoada manobra primo-ministerial. A ele, é como quem diz, a Portugal inteiro (o que não rescende a pexum, entenda-se…), tão grande deverá ser a alma de um representante do povo e, por isso, tantos os olhos e os ouvidos com que sofre a realidade. Por amor a uma nação que não teve oportunidade de obter boa formação política recorrente, à noite, no Bairro Alto.
A sensação do sr. deputado, por vezes referido também como São Francisco da Avenida, seria a de que o primeiro-ministro, no decorrer de mais uma jornada de prestação de vassalagem ao regaço da Grande Mãe Germana, haveria recebido o director de uma empresa alemã, facto que, mais do que pressagiar, confirmaria negociata obscura já selada, verdadeiro Alcácer-Quibir da tramoia de indignos vendilhões das energias lusas. Bem lhe afiançou serenamente Passos Coelho que não recebera ninguém e que, inversamente, se deslocara a essa empresa a convite da respectiva direcção, no intuito de poder observar e avaliar in loco aspectos técnicos e administrativos da sua actividade. Mas o cenho franzido, as semi-rotações na postura do pescoço e os dedos a repuxarem a pele do rosto reforçavam o sorriso sardónico de quem não só não tem dúvidas nem nunca se engana como a quem ninguém engana. Porque ninguém engana o bom povo, muito menos aquele em que o seu espírito se encontra consubstanciado. E toda a gente sabe que ninguém, além do povo, é gente honrada ou cuja honra mereça qualquer consideração, cuidado ou preservação.
Vai ser tão bom, quando os portugueses sentirem a consistência e o saber da nossa acção, era o que se lia no rosto de Louçã (para sempre louvado seja o seu nome!)... Mas não foi! A orientação de Coelho, afinal, fora outra, nada parecida com a que o Apóstolo da Bica (uma sua segunda designação) maldosamente insinuara.
O povo, porém, nunca perde a face, muito menos o seu mais legítimo, logo honorável, representante. O BE, no seu conjunto, aliás, nunca a perde, limita-se a não se olhar ao espelho, o que é, afinal, sinal de virtude, de que não é vaidoso. Pelo que não se reconhece na obrigação, intrínseca a qualquer democrata, de se retractar lá porque denegriu e ofendeu a honra alheia. O comum homem sério sentir-se-ia acanalhado por lançar lama sobre o nome de outrem, seria incapaz de voltar a sair à rua antes de apresentar publicamente desculpas àquele que ofendera. Não Louçã (para sempre abençoado seja o seu nome!), detentor da honra do Povo Sagrado que transcende a História, a quem ninguém ouviu depois uma palavra de reparação. Não Louçã (para sempre louvado seja o seu nome!), que, como o lobo da fábula, diz ao cordeiro que se não foi agora foi antes ou será depois, e que, se não foste tu, foi ou há-de ser um da tua família — a fazer o que quer que seja, isso agora não interessa nada.
Lembrei-me disto anteontem, ao ouvi-lo erguer a voz, na AR, sobre a venda do BPN. E, para que fique claro, eu não concordo com as decisões dos governos sobre o caso, quer o do inqualificável eng. Sócrates quer o actual. Mas não consigo deixar de me sentir ultrajado pelo facto de gente que, pela sua acção política na Assembleia da República, se mostra indigna de qualquer cargo, público ou privado, ser paga por mim e pelos restantes contribuintes para pavonear impunemente a pobreza mental da sua vaidade e a sua indigência conceptual sobre o que deve constituir o comportamento de um representante político maduro.

1 comentário:

Anónimo disse...

Subscrevo a 102 por cento. Os dois por cento que vão além dos cem são para festejar a impedância verbal, a maneira matraqueante de falar,verdadeiro caterpillar estalinista apesar de ter ameaços dizem de trosquismo, do sugestivo dr. Louçã (e que o seu nome, etc...).

Menezes e Castro