quinta-feira, 12 de julho de 2012

É assim que se faz a Estória (4)



Obra de Mário Henrique Leiria 


   O Vicente Páscoa escreveu-me há dias. Com a frontalidade que o caracteriza, mas também com a amável ironia que o exorna, dizia-me a dado passo do seu bilhete (não lhe chamaria carta) razoavelmente acerbo mas onde se distinguia uma fraternal sobriedade: “(…) Tenho gostado do blog. Mas a meu ver, e tu desculpa, parece-me que pões lá demasiada poesia.(…) Numa altura em que factos momentosos atravessam o firmamento das híper-realidades nacionais (as sucessivas maratonas do Relvas, as paredes que cada vez mais se apertam, se houver boa vontade da Procuradoria, em torno do díscolo parisiense, a inocência do Lima esse primor de cristianíssimo calvo, as pachachadas do Arménio e a incontroversa velhacaria proto-revolucionária do Xico, para não falar de alfenins como o Seguro e outros infalíveis resíduos de uma administração fundibular cada vez mais sonsa e malévola(…) tu resolves esquecer ou não reparar nisso e…toca de poesia para a ribalta(…)”.

   Respondi-lhe sucintamente que não me apetecia remexer na lama.

  Além do mais e de acordo com o meu médico (um homeopata que nunca me desiludiu) eu apresento sinais inequívocos que se caracterizam por perda de auto-estima, tristeza acentuada, dificuldades de concentração, amargura e, intermitentemente, vontade de partir tudo (mas não no lar) e pequenas lucubrações em torno da serventia de caçadeiras de canos serrados e catanas de tipo japonês. “É evidente que se trata de uma crisionite-depressiva!”, diagnosticou o “good doctor” e eu não o irei contrariar.

   Em minha defesa digo contudo que o que me acalma, salvo os Socians e os copitos, com muito gelo, de Queen Margot de 8 anos, é a postura de poesia neste estimável entreposto.

   Mais do que uma fezada é uma questão de auto-ajuda. E alea jacta est!



Nicolau Saião, Génesis (tapeçaria), col. engº Ignacio Maragall             
                     
                                                                                                     
Mário Henrique Leiria


Origem dos sonhos esquecidos


Entre a bicicleta e a laranja
vai a distância de uma camisa branca

Entre o pássaro e a bandeira
vai  a distância dum relógio solar

Entre a janela e o canto do lobo
vai a distância dum lago desesperado

Entre mim e a bola de bilhar
vai a distância dum sexo fulgurante

Qualquer pedaço de floresta ou tempestade
pode ser a distância
entre os teus braços fechados em si mesmos
e a noite encontrada para além do grito das panteras

Qualquer grito de pantera
pode ser a distância
entre os teus passos
e o caminho em que eles se desfazem lentamente

Qualquer caminho
pode ser a distância
entre tu e eu

Qualquer distância
entre ti e eu
é a única e magnífica existência
do nosso amor que se devora sorrindo.

                                                                   (1949)





Mário Henrique Leiria (imagem obtida aqui)


Foi-me enviado, inédito – em 1978 - por Mário Cesariny, que depois o publicaria, na revista “MELE – International Poetry Letter” (dada a lume em Honolulu e dirigida por Stefan Baciu) cujo número de Março de 81 foi integralmente dedicado aos poetas surrealistas portugueses.

2 comentários:

Manuel Graça disse...

Eu, cá (onde havia de ser?), é mais bujarda. Canhangulo e zagalotes. Nos intervais sai guitarradas sem fado que, como dizia o "revolucionário" pantufeiro, é choradinho de palácios e salões. Chorinho brazuca sim, portuga faducho não. Mas o Carlitos, o rebento da Lucília, ... vai indo, ainda e bem. Aprendeu com um alemão, que já foi, e que das Avantelhices lhe respondia (a ele e ao Pedro Osório) "trrrrretas".

A poesia recorda-me que as alfaces brotam da terra ... ou. se calhar, já não.

Vou mas é dormir.

Anónimo disse...

Ó Nico, atão mas tu...Denuncias-me assim, pratife? A vingança será terribil, estava para te mandar uns Vat 69, já não mando. Consola-te com um Uaitorse de 75 cl e é um pau. Bom, mando também umas amendoas torradas, mas é a única concessão. E já agora, eu costumo é sonhar com Glocks 7,35. Na falta, com machadinhas comanches. Bjokas castas.

J.Vicente Páscoa