Obra de Mário Henrique Leiria
O
Vicente Páscoa escreveu-me há dias. Com a frontalidade que o caracteriza, mas
também com a amável ironia que o exorna, dizia-me a dado passo do seu bilhete
(não lhe chamaria carta) razoavelmente acerbo mas onde se distinguia uma
fraternal sobriedade: “(…) Tenho gostado do blog. Mas a meu ver, e tu
desculpa, parece-me que pões lá demasiada poesia.(…) Numa altura em que factos
momentosos atravessam o firmamento das híper-realidades nacionais (as
sucessivas maratonas do Relvas, as paredes que cada vez mais se apertam, se
houver boa vontade da Procuradoria, em torno do díscolo parisiense, a inocência
do Lima esse primor de cristianíssimo calvo, as pachachadas do Arménio e a
incontroversa velhacaria proto-revolucionária do Xico, para não falar de
alfenins como o Seguro e outros infalíveis resíduos de uma administração
fundibular cada vez mais sonsa e malévola(…) tu resolves esquecer ou não
reparar nisso e…toca de poesia para a ribalta(…)”.
Respondi-lhe
sucintamente que não me apetecia remexer na lama.
Além do
mais e de acordo com o meu médico (um homeopata que nunca me desiludiu) eu
apresento sinais inequívocos que se caracterizam por perda de auto-estima,
tristeza acentuada, dificuldades de concentração, amargura e, intermitentemente,
vontade de partir tudo (mas não no lar) e pequenas lucubrações em torno da
serventia de caçadeiras de canos serrados e catanas de tipo japonês. “É
evidente que se trata de uma crisionite-depressiva!”,
diagnosticou o “good doctor” e eu não o irei contrariar.
Em
minha defesa digo contudo que o que me acalma, salvo os Socians e os copitos,
com muito gelo, de Queen Margot de 8 anos, é a postura de poesia neste estimável
entreposto.
Mais
do que uma fezada é uma questão de auto-ajuda. E alea jacta est!
Nicolau Saião, Génesis (tapeçaria), col. engº Ignacio Maragall
Mário Henrique Leiria
Origem dos sonhos esquecidos
Entre a bicicleta e a laranja
vai a distância de uma camisa
branca
Entre o pássaro e a bandeira
vai a distância dum relógio solar
Entre a janela e o canto do lobo
vai a distância dum lago
desesperado
Entre mim e a bola de bilhar
vai a distância dum sexo
fulgurante
Qualquer pedaço de floresta ou
tempestade
pode ser a distância
entre os teus braços fechados em
si mesmos
e a noite encontrada para além do
grito das panteras
Qualquer grito de pantera
pode ser a distância
entre os teus passos
e o caminho em que eles se
desfazem lentamente
Qualquer caminho
pode ser a distância
entre tu e eu
Qualquer distância
entre ti e eu
é a única e magnífica existência
do nosso amor que se devora
sorrindo.
(1949)
Mário Henrique Leiria (imagem obtida aqui)
Foi-me enviado, inédito
– em 1978 - por Mário Cesariny, que depois o publicaria, na revista “MELE –
International Poetry Letter” (dada a lume em Honolulu e dirigida por Stefan
Baciu) cujo número de Março de 81 foi integralmente dedicado aos poetas
surrealistas portugueses.
2 comentários:
Eu, cá (onde havia de ser?), é mais bujarda. Canhangulo e zagalotes. Nos intervais sai guitarradas sem fado que, como dizia o "revolucionário" pantufeiro, é choradinho de palácios e salões. Chorinho brazuca sim, portuga faducho não. Mas o Carlitos, o rebento da Lucília, ... vai indo, ainda e bem. Aprendeu com um alemão, que já foi, e que das Avantelhices lhe respondia (a ele e ao Pedro Osório) "trrrrretas".
A poesia recorda-me que as alfaces brotam da terra ... ou. se calhar, já não.
Vou mas é dormir.
Ó Nico, atão mas tu...Denuncias-me assim, pratife? A vingança será terribil, estava para te mandar uns Vat 69, já não mando. Consola-te com um Uaitorse de 75 cl e é um pau. Bom, mando também umas amendoas torradas, mas é a única concessão. E já agora, eu costumo é sonhar com Glocks 7,35. Na falta, com machadinhas comanches. Bjokas castas.
J.Vicente Páscoa
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