(imagem obtida aqui)
Este o título do que escreveu João César das Neves, aqui há tempos, no DN:
Casa onde
não há pão, todos ralham e ninguém tem razão." Vendo o que se diz sobre a
crise nota-se enorme falta de lógica e coerência. Isto é normal em tempos
assim. Aliás o estranho e precioso em Portugal é que, por enquanto, as
discussões, apesar de vociferantes, são pacíficas e a economia vai ajustando.
Mas a paz e os progressos não impedem os disparates.
Para
compreender os erros comecemos numa das poucas afirmações consensuais: o ensino
obrigatório deve ser gratuito. Uma pseudo-ameaça a este princípio suscitou há
pouco os maiores sobressaltos. Mas logo a seguir ouvimos os protestos das
escolas e dos professores contra a redução dos seus gastos. Afinal a educação
gratuita fica muito cara. Quem a paga então?
Dizer que
deve ser o Estado é tolice, pois todo o dinheiro que ele gasta sai do nosso
bolso. Só que os mesmos que querem educação gratuita e manutenção dos gastos
das escolas também protestam contra a subida dos impostos. Assim se completa a
incongruência. Como as coisas gratuitas e caras não se limitam à educação, a
coisa fica mesmo grave. Pensões e apoios, polícia e tribunais, saúde e energia,
embaixadas e militares, estradas e esgotos, entre tantos outros, constituem
pesadíssimos encargos. E falar de pagamentos dos utentes, das portagens às
taxas moderadoras, implica sempre novos protestos ruidosos. Podem ser
compreensíveis, mas não são coerentes, violando as leis da aritmética.
Muitos
julgam escapar à falácia apelando a mitos. Um dos mais populares, que o Governo
também divulga, é cortar as "gorduras" do Estado. Os opositores usam
uma variante da mesma ideia, falando de carros e gabinetes ministeriais, erros
e corrupções administrativos. É verdade que existem muitos desperdícios,
vícios, exageros e entorses na máquina pública. Mas um problema deste tamanho
não se soluciona só com dieta. É precisa cirurgia estrutural. Devemos manter o
essencial, na educação, saúde, estado social, etc., mas a aritmética exige que
tudo seja alinhado com os impostos que podemos suportar. Recusar a mudança é
perigosa ilusão.
Outro
mito comum é achar que os ricos pagam a crise. Claro que quem mais tem mais
deve pagar. Só que, não só não temos ricos suficientes, mas se abusarmos desse
expediente quem beneficia é a Espanha e Inglaterra, para onde irão os nossos
ricos, aumentando a nossa miséria. Também as empresas não podem ser
sobrecarregadas de tributação se quisermos criar emprego e crescimento. Mais
uma vez a lógica impõe-se. A verdade é que só cá estamos nós, e querer serviços
gratuitos, despesas altas e impostos baixos não é possível. A não ser que
alguém nos empreste.
Esta
última ilusão é aquela que hoje nos custa couro e cabelo. A crise resultou
directamente da acumulação de quinze anos de dívida externa. Aqui surge uma
outra incongruência, quando descarregamos os nervos, não sobre os culpados, mas
precisamente naqueles que nos querem ajudar.
É bom
lembrar que Passos Coelho e Vítor Gaspar não geraram a doença, mas tentam
curá-la. O mesmo se diga da troika. Só conseguimos o nível de vida dos últimos
anos porque os alemães e outros europeus nos emprestaram as suas economias. A
dívida externa bruta do País, incluindo Estado e privados, atingiu 386 mil
milhões de euros em Junho. É isto a crise. Os credores não querem que saldemos
essa dívida, mas apenas que demos garantias de conseguir ir pagando os juros.
Foi esse medo que nos fechou os mercados em 2010 e criou a crise.
Ficar
zangado com quem nos ajudou é estranho. Mais estranha é a continuação. A
recuperação portuguesa interessa-nos a nós tanto quanto aos credores, que
perderiam tudo se falíssemos. Por isso, em resposta às nossas dificuldades,
eles decidiram emprestar-nos mais 78 mil milhões de euros, impondo em troca que
sigamos uma cura exigente dos desequilíbrios. Estas condições são muito
melhores que a generalidade dos países gastadores tiveram ao longo dos séculos.
Face a isto fará sentido insultar a troika? São concebíveis alternativas
melhores? Podemos ralhar, mas não temos razão.
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