Há múltiplas visões sobre o conflito que ali decorre há dois anos, com o seu cortejo de destruição e dezenas de milhares de vítimas.
Importa pois, avaliar o que ali se passa, numa estrita óptica de interesses. E, neste caso, dos “nossos” interesses, sendo que este “nossos” se inscreve num plano identitário “Nós”, os ocidentais, versus “eles”, os muçulmanos, afinal uma das maiores e mais activas falhas tectónicas que movem o nosso mundo desde há umas boas centenas de anos.
Na Síria, toda a gente sabe, as forças leais a Bashar Al Assad, combatem contra grupos rebeldes. Mas esta narrativa, sendo verdadeira, não dá uma imagem clara do conflito. Com Assad alinham os alauitas, uma variante xiita, e simpatizam os cristãos, os drusos e os kurdos. Contra Assad perfilam-se os sunitas.
Efectivamente, o grande pano de fundo é o milenar conflito entre as duas maiores variantes do Islão, o sunismo e o xiismo. E são os estados núcleo dessas duas visões do Islão, quem alimenta o conflito, dando-lhe uma dimensão superior. De um lado o Irão e os seus proxies, incluindo o Hezbollah, do outro a Arábia Saudita e o Qatar, bem como a nebulosa jihadista que se sustenta no apoio destes protagonistas e bebe na ideologia da Irmandade Muçulmana.
Na óptica destes contendores, não é difícil antecipar as consequências do desfecho sírio. Importa notar que este é um daqueles conflitos existenciais, nos quais a probabilidade de acordo negociado parece quase impossível. Tudo leva a crer que, na Síria, se lutará até à clara derrota de uma das partes.
Embora ela não esteja no horizonte visível, a derrota sunita reforçará o eixo xiita e colocará o Irão num novo patamar de poder, abrindo-lhe portas de intervenção em países onde existem fortes minorias xiitas, como o Afeganistão, Yemen, Bahrain, Kuwait, etc, assegurando, em conjunção com o provável estatuto nuclear, o estatuto de incontornável potência regional, susceptível de ditar condições aos estados vizinhos.
A derrota do eixo xiita, colocará o Irão à defesa, quebrará a continuidade com o Líbano e reforçará o poder, já hoje formidável, da Irmandade Muçulmana.
Nenhum destes desfechos é agradável para o Ocidente. Tanto o triunfo xiita como o sunita reforçarão os respectivos poderes e impulsionarão a jihad contra nós.
Assim sendo a questão que divide as chancelarias ocidentais, e divide mesmo a Administração americana (Clinton e Paneta preconizavam a ajuda militar aos sunitas, Obama opôs-se) , é se se deve intervir para ajudar os sunitas ou não.
Pondo de lado as questões humanitárias nas quais, de resto, também não é fácil distinguir os bons dos maus, o que parece ser do interesse do Ocidente é que o conflito se alongue o mais tempo possível, mas contido naquele teatro de operações.
Uma Síria engalfinhada numa prolongada guerra civil intra-islâmica, assegura a usura da vontade e dos meios humanos e materiais de ambos os contendores, impossibilitando o seu uso contra outros e a prossecução das visões megalómanas que caracterizam ambas as versões do Islão.
Em conclusão, o que o Ocidente deveria fazer é:
1- Ajudar discretamente a parte mais fraca, qualquer que ela seja.
2-Intervir, se necessário, apenas para confinar o conflito nas fronteiras sírias, impedido a exportação de armas e acções armadas.
1 comentário:
Ou, de outra maneira: matem-se e esfolem-se, que eu compro as peles, já que os dois querem a minha.
Bom post!
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