quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Quatro apontamentos de Alberto Gonçalves...



(imagem obtida aqui)


... aqui, no DN:



Os fascistas espontâneos

O adjectivo mais divertido para qualificar o movimento de pândegos que calam e insultam governantes ao som de Grândola, Vila Morena é "espontâneo". Aparentemente, os pândegos não se conhecem de lado nenhum, por sorte encontram-se em eventos que contam com a presença de ministros e, num fenómeno que desafia a lei das probabilidades, desatam a entoar a referida cantilena e a gritar "Fascistas!" em uníssono.

Notável, não é? Os pândegos podiam não se ter cruzado, podiam ter ido à bola ou ao circo, podiam ter cantarolado um sucesso de Shakira e gritado "Olha o robalo fresquinho!". Mas não. Uma e outra e outra e outra vez acertaram na hora, no local, na cantilena e na palavra de ordem. Tudo, claro, de forma espontânea. Desde que um gémeo comeu ostras e o irmão apanhou uma intoxicação alimentar que não havia notícia de coincidência assim. Nem de patranha assado.

A tentativa de sublinhar a "espontaneidade" destes episódios não é inocente. O facto de os incidentes serem encomendados (e convocados via Facebook) pelos grupinhos do costume, especialistas em recorrer à tolerância do regime para treinarem os sonhos do derrube do regime, não cai tão bem. Tratar a Grândola e os insultos como obra do acaso confere à coisa uma aura inevitável e genérica. No fundo, sugere-se que o povo em peso ciranda por aí a silenciar "fascistas" com a sua indignação.

E há quem não se fique pela sugestão. Numa coluna lindamente intitulada "Keynesiano, graças a Deus", Nicolau Santos, director-adjunto do Expresso, jura que "as pessoas" estão "fartas, fartissimas [sic], de políticos que não respeitam e a quem não reconhecem um pingo de credibilidade." Logo, prossegue o dr. Nicolau, "o facto de não o deixarem falar em público só mostra que o ministro Relvas não percebe isso mesmo: que foi julgado e condenado."

Naturalmente, o dr. Nicolau confunde, ou finge confundir, os inúmeros cidadãos que desconfiam dos méritos académicos do dr. Relvas com as dúzias de intérpretes ambulantes da Grândola. O dr. Nicolau não percebe, ou finge não perceber, que o bizarro exercício de censura a membros de um Governo eleito é uma afronta aos que o elegeram. Por fim, o dr. Nicolau esquece-se, ou finge esquecer-se, de que a falta de credibilidade do político que aldraba o currículo é idêntica à do jornalista que promove um currículo aldrabado - e ao que se vê nenhuma implica necessariamente a demissão.

Em matéria de "keynesianos", prefiro, Deus me perdoe, Augusto Santos Silva. Embora movido pela (defensável) vontade de reprovar a apatia de Cavaco Silva, o ex-ministro socialista afirmou, sem nenhum dos habituais "mas" pelo meio, que a praga de "Grândolas" é um comportamento, cito, "anti-democrático": "O que esteve em causa foi uma limitação ilegítima à liberdade de expressão de uma pessoa."

Nunca fui admirador do dr. Santos Silva e nunca deixarei de achar que a permanência de Miguel Relvas consome escusadamente um Governo com consumições de sobra. Porém, nunca, quer no apogeu da tragédia "socrática" quer na demência fiscal dos seus sucessores, me passou pela cabeça que não podia haver pior. Pode, sim senhor, e os bandos de cançonetistas "espontâneos" dissipam todas as dúvidas a propósito. Perante tais emanações totalitárias, na boca das quais a palavra "fascistas" é uma afirmação identitária e não um ataque, uma pessoa quase se sente inclinada a gostar do "dr." Relvas e a pedir-lhe que se demore no ministério um bocadinho. Só um bocadinho.


A procuradora Cândida

Para que serviu a excelentíssima senhora procuradora Cândida Almeida, agora enxotada das funções no DCIAP? Para, entre outras coisas bonitas, chefiar a investigação a uma série de casos duvidosos ligados à política e à finança, do Freeport aos submarinos, do Monte Branco às Parcerias Público-Privadas, e, no fim, concluir jovialmente que "os nossos políticos não são políticos corruptos, os nossos dirigentes não são dirigentes corruptos, Portugal não é um país corrupto".

Cândida, de facto. O Índice de Percepção da Corrupção, elaborado pela Transparência Internacional (TI), coloca-nos em 33.º lugar na matéria em 2012, três degraus acima do lugar de 2011 mas, ainda assim, nos fundilhos do Ocidente. Salvo pelo último ano, Portugal mostra uma tendência longa e inabalável para se afundar na tabela, onde por exemplo em 2006 ocupava o 26.º posto. De resto, mesmo sem a ajuda de instituições externas, o cidadão médio é capaz de concluir sem dificuldades que os negócios caseiros assentam mais na impunidade do que na honestidade. Ou o cidadão médio é idiota e a TI trapaceira ou a excelentíssima senhora procuradora não procurou bem.


Assédio ideológico

Não me compete julgar o caso de D. Carlos Azevedo, suspeito de assédio sexual a pelo menos um sacerdote católico. Em primeiro lugar, não sou juiz. Em segundo lugar, não sou crente. Em terceiro lugar, consta que as eventuais indiscrições do bispo envolvem cidadãos adultos. Em quarto e espero que último lugar, todos recordamos histórias nas quais suspeitos similares, inclusive de pedofilia, acabaram celebrados pelos representantes do povo no edifício da Assembleia da República. No que respeita a sexo, nosso e dos outros, é preciso cautela.

De resto, o julgamento que tinha a fazer de D. Carlos Azevedo já o fiz há muito, sempre que essa prestigiada figura da Igreja irrompia a proclamar a "indecência" do sistema económico ocidental, o fim do capitalismo "mercantilista" e a "selvajaria" da "gestão neoliberal". Pior do que um devasso, o homem parece-me um dos muitos especialistas instantâneos que disparam frases sem sentido de modo a caçar a simpatia dos pasmados. Não é crime, mas aborrece.


Os trabalhadores querem ganhar mais ou ganhar menos?

Não é novidade a exibição da figura do saudoso "Che" Guevara em manifestações a favor de melhores salários. Novo, pelo menos para mim, é o recurso a bandeiras da Venezuela em eventos similares. Trata-se de um inequívoco progresso nos objectivos. O salário mínimo cubano ronda os 3 (três) euros sob uma inflacção de 4%. O salário mínimo venezuelano subiu recentemente para cerca de 300 euros, mesmo que fundamentado numa conversão fictícia para o dólar e sob uma inflacção de 8%. É, sem dúvida, muito melhor, embora ainda bastante abaixo dos indicadores portugueses, os quais constituem o alvo do protesto dos trabalhadores embalados pela CGTP.

Corrijam-me se estiver enganado, mas não seria preferível ostentar iconografia de países onde, com ou sem salário mínimo definido, se ganha muito mais do que aqui, género Holanda e Alemanha? Porque é que os desfiles da CGTP não incluem crachás em forma de moinho e t-shirts com o rosto de Angela Merkel? Idolatrar economias arruinadas é como marchar contra a pedofilia empunhando cartazes de crianças despidas: uma confissão de estupidez e um argumento de peso em prol dos ordenados baixos ou de ordenado nenhum.

1 comentário:

Anónimo disse...

Textos notáveis, mas escritos com civilizada e elegante exigência, quando o que os alvos(os "espontâneos", a cândida e o d.azevedo) mereceriam era uma brutal e avacalhante indignação. No resto, tudo perfeito, concordo em absoluto.Eu creio, no entanto, que é necessário perder as boas-maneiras, a bem de uma real liberdade de expressão e um real direito a falar alto e claro. Seria necessário dizer-se que os "espontâneos" são uma miserável quinta-coluna controlada por partidários do leste assassino, que a procuradora é no mínimo uma incompetente ridículo-sinistra e que o bispão é, na verdade, um hipócrita e um oportunista, tirante ser eventualmente, o que não nos interessa aqui, devasso e frascário sexual. Mas eu percebo: o poder dessa gentinha é discricionário, cripto-fascista e prepotente, pelo que ainda temos (por medo, por realismo) de falar com pézinhos de lã. Excepto, é claro, quando o nojo é de facto demais. Mas isso nunca, de certezinha, as chefias mediáticas deixariam passar. Nada de ilusões: vivemos no país dos nicolaus santos e...dos baptistas das silvas. E é este ambiente de desavergonhados que permite os "espontâneos" e os que são bem piores que o Relvas, atirando a pedrinha que nas respectivas cachimónias seriam, de razão, rochedos. E vamos andando...

Vicente Páscoa