... aqui, no DN:
Os
fascistas espontâneos
O
adjectivo mais divertido para qualificar o movimento de pândegos que calam e
insultam governantes ao som de Grândola, Vila Morena é "espontâneo".
Aparentemente, os pândegos não se conhecem de lado nenhum, por sorte
encontram-se em eventos que contam com a presença de ministros e, num fenómeno
que desafia a lei das probabilidades, desatam a entoar a referida cantilena e a
gritar "Fascistas!" em uníssono.
Notável,
não é? Os pândegos podiam não se ter cruzado, podiam ter ido à bola ou ao
circo, podiam ter cantarolado um sucesso de Shakira e gritado "Olha o
robalo fresquinho!". Mas não. Uma e outra e outra e outra vez acertaram na
hora, no local, na cantilena e na palavra de ordem. Tudo, claro, de forma
espontânea. Desde que um gémeo comeu ostras e o irmão apanhou uma intoxicação
alimentar que não havia notícia de coincidência assim. Nem de patranha assado.
A
tentativa de sublinhar a "espontaneidade" destes episódios não é
inocente. O facto de os incidentes serem encomendados (e convocados via
Facebook) pelos grupinhos do costume, especialistas em recorrer à tolerância do
regime para treinarem os sonhos do derrube do regime, não cai tão bem. Tratar a
Grândola e os insultos como obra do acaso confere à coisa uma aura inevitável e
genérica. No fundo, sugere-se que o povo em peso ciranda por aí a silenciar
"fascistas" com a sua indignação.
E há quem
não se fique pela sugestão. Numa coluna lindamente intitulada "Keynesiano,
graças a Deus", Nicolau Santos, director-adjunto do Expresso, jura que
"as pessoas" estão "fartas, fartissimas [sic], de políticos que
não respeitam e a quem não reconhecem um pingo de credibilidade." Logo,
prossegue o dr. Nicolau, "o facto de não o deixarem falar em público só
mostra que o ministro Relvas não percebe isso mesmo: que foi julgado e
condenado."
Naturalmente,
o dr. Nicolau confunde, ou finge confundir, os inúmeros cidadãos que desconfiam
dos méritos académicos do dr. Relvas com as dúzias de intérpretes ambulantes da
Grândola. O dr. Nicolau não percebe, ou finge não perceber, que o bizarro
exercício de censura a membros de um Governo eleito é uma afronta aos que o
elegeram. Por fim, o dr. Nicolau esquece-se, ou finge esquecer-se, de que a
falta de credibilidade do político que aldraba o currículo é idêntica à do
jornalista que promove um currículo aldrabado - e ao que se vê nenhuma implica
necessariamente a demissão.
Em
matéria de "keynesianos", prefiro, Deus me perdoe, Augusto Santos
Silva. Embora movido pela (defensável) vontade de reprovar a apatia de Cavaco
Silva, o ex-ministro socialista afirmou, sem nenhum dos habituais
"mas" pelo meio, que a praga de "Grândolas" é um
comportamento, cito, "anti-democrático": "O que esteve em causa
foi uma limitação ilegítima à liberdade de expressão de uma pessoa."
Nunca fui
admirador do dr. Santos Silva e nunca deixarei de achar que a permanência de
Miguel Relvas consome escusadamente um Governo com consumições de sobra. Porém,
nunca, quer no apogeu da tragédia "socrática" quer na demência fiscal
dos seus sucessores, me passou pela cabeça que não podia haver pior. Pode, sim
senhor, e os bandos de cançonetistas "espontâneos" dissipam todas as
dúvidas a propósito. Perante tais emanações totalitárias, na boca das quais a
palavra "fascistas" é uma afirmação identitária e não um ataque, uma
pessoa quase se sente inclinada a gostar do "dr." Relvas e a
pedir-lhe que se demore no ministério um bocadinho. Só um bocadinho.
A
procuradora Cândida
Para que
serviu a excelentíssima senhora procuradora Cândida Almeida, agora enxotada das
funções no DCIAP? Para, entre outras coisas bonitas, chefiar a investigação a
uma série de casos duvidosos ligados à política e à finança, do Freeport aos
submarinos, do Monte Branco às Parcerias Público-Privadas, e, no fim, concluir
jovialmente que "os nossos políticos não são políticos corruptos, os
nossos dirigentes não são dirigentes corruptos, Portugal não é um país
corrupto".
Cândida,
de facto. O Índice de Percepção da Corrupção, elaborado pela Transparência
Internacional (TI), coloca-nos em 33.º lugar na matéria em 2012, três degraus
acima do lugar de 2011 mas, ainda assim, nos fundilhos do Ocidente. Salvo pelo
último ano, Portugal mostra uma tendência longa e inabalável para se afundar na
tabela, onde por exemplo em 2006 ocupava o 26.º posto. De resto, mesmo sem a
ajuda de instituições externas, o cidadão médio é capaz de concluir sem
dificuldades que os negócios caseiros assentam mais na impunidade do que na
honestidade. Ou o cidadão médio é idiota e a TI trapaceira ou a excelentíssima
senhora procuradora não procurou bem.
Assédio
ideológico
Não me
compete julgar o caso de D. Carlos Azevedo, suspeito de assédio sexual a pelo
menos um sacerdote católico. Em primeiro lugar, não sou juiz. Em segundo lugar,
não sou crente. Em terceiro lugar, consta que as eventuais indiscrições do
bispo envolvem cidadãos adultos. Em quarto e espero que último lugar, todos
recordamos histórias nas quais suspeitos similares, inclusive de pedofilia,
acabaram celebrados pelos representantes do povo no edifício da Assembleia da
República. No que respeita a sexo, nosso e dos outros, é preciso cautela.
De resto,
o julgamento que tinha a fazer de D. Carlos Azevedo já o fiz há muito, sempre
que essa prestigiada figura da Igreja irrompia a proclamar a
"indecência" do sistema económico ocidental, o fim do capitalismo
"mercantilista" e a "selvajaria" da "gestão
neoliberal". Pior do que um devasso, o homem parece-me um dos muitos
especialistas instantâneos que disparam frases sem sentido de modo a caçar a
simpatia dos pasmados. Não é crime, mas aborrece.
Os
trabalhadores querem ganhar mais ou ganhar menos?
Não é
novidade a exibição da figura do saudoso "Che" Guevara em
manifestações a favor de melhores salários. Novo, pelo menos para mim, é o
recurso a bandeiras da Venezuela em eventos similares. Trata-se de um
inequívoco progresso nos objectivos. O salário mínimo cubano ronda os 3 (três)
euros sob uma inflacção de 4%. O salário mínimo venezuelano subiu recentemente
para cerca de 300 euros, mesmo que fundamentado numa conversão fictícia para o
dólar e sob uma inflacção de 8%. É, sem dúvida, muito melhor, embora ainda
bastante abaixo dos indicadores portugueses, os quais constituem o alvo do
protesto dos trabalhadores embalados pela CGTP.
Corrijam-me
se estiver enganado, mas não seria preferível ostentar iconografia de países
onde, com ou sem salário mínimo definido, se ganha muito mais do que aqui,
género Holanda e Alemanha? Porque é que os desfiles da CGTP não incluem crachás
em forma de moinho e t-shirts com o rosto de Angela Merkel? Idolatrar economias
arruinadas é como marchar contra a pedofilia empunhando cartazes de crianças
despidas: uma confissão de estupidez e um argumento de peso em prol dos
ordenados baixos ou de ordenado nenhum.
1 comentário:
Textos notáveis, mas escritos com civilizada e elegante exigência, quando o que os alvos(os "espontâneos", a cândida e o d.azevedo) mereceriam era uma brutal e avacalhante indignação. No resto, tudo perfeito, concordo em absoluto.Eu creio, no entanto, que é necessário perder as boas-maneiras, a bem de uma real liberdade de expressão e um real direito a falar alto e claro. Seria necessário dizer-se que os "espontâneos" são uma miserável quinta-coluna controlada por partidários do leste assassino, que a procuradora é no mínimo uma incompetente ridículo-sinistra e que o bispão é, na verdade, um hipócrita e um oportunista, tirante ser eventualmente, o que não nos interessa aqui, devasso e frascário sexual. Mas eu percebo: o poder dessa gentinha é discricionário, cripto-fascista e prepotente, pelo que ainda temos (por medo, por realismo) de falar com pézinhos de lã. Excepto, é claro, quando o nojo é de facto demais. Mas isso nunca, de certezinha, as chefias mediáticas deixariam passar. Nada de ilusões: vivemos no país dos nicolaus santos e...dos baptistas das silvas. E é este ambiente de desavergonhados que permite os "espontâneos" e os que são bem piores que o Relvas, atirando a pedrinha que nas respectivas cachimónias seriam, de razão, rochedos. E vamos andando...
Vicente Páscoa
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