Pela mão de Camilo Prado, através da sua Editora Nephelibata, foram dadas ao
grande público brasileiro e, por extensão, a todos os leitores da língua
portuguesa, os livros Os fungos de Yuggoth, de H.P.Lovecraft, e Vestígios, de
Gérard Calandre.
A expressão pela mão tem inteiro cabimento – pois as edições da
Nephelibata, que se impõem pela sua qualidade material, são executadas
artesanalmente pelas mãos do editor com o concurso adequadíssimo das mãos de
sua mulher. Mais do que trabalho aprimorado será de se dizer trabalho de quem
ama os livros e os faz com desvelos de amorosos por extenso.
Não é de estranhar pois que todas as edições já postas em terreiro possuam a
bela estrutura (até no papel!) que faz jus à frase consabida de Éluard que, em
frente de um escorço de Picasso, que mais tarde o veria numa bela edição de
Albert Skira, a disse com emoção: “Como eu gostaria de poder fazer os meus
livros com as minhas mãos!”.
O empreendimento a que Camilo meteu ombros justifica plenamente, pelos
resultados - já de concepção gráfica já de acabamento, diria mesmo de feitura
total – que epigrafemos da forma mais alta estes livros que se certificam como
objectos excelentes da arte de editar.
Finalmente, mediante os bons ofícios de Annie Launay e das Éditions du Parc,
vai também sair a público o tomo bilingue de Jules Morot, Le mardis gras, de
que tive o gosto de assegurar a versão em português (Terça-feira gorda).
Em anexo, para que as possam ver, estão imagens
das capas das obras referidas.
A seguir dois poemas de cada um dos autores em epígrafe:
VENTOS
ESTELARES
Sobretudo no Outono, a
essa hora
Em que tombam as
sombras do entardecer
Os ventos estelares
derramam-se
Pelas ruas mais altas
e desertas
Onde assoma a luz
fagueira de algum cálido aposento.
As folhas secas
agitam-se em estranhos redemoinhos,
O fumo das chaminés
enrola-se com etérea graça
Atento às geometrias
do espaço exterior
Enquanto Fomalhout
palpita entre as brumas do Sul.
É a hora em que o poetas
lunáticos conhecem
Que fungos brotam em
Yuggoth, que perfumes
E matizes de flores enchem
os campos de Nithon,
Que nenhum jardim terrestre
pode ter.
Mas, por cada sonho que
esses ventos ofertam
Doze dos nossos nos roubam!
H. P. Lovecraft
A JANELA
Era uma casa velha, com
estranhas alas tão emaranhadas
Que ninguém podia dizer que
lhes conhecia bem a disposição,
E num quarto pequeno algures
nas suas traseiras
Havia uma singular janela
entaipada com pedra antiga.
A esse lugar, numa infância
atormentada pelos sonhos,
Costumava ir sózinho,
quando reinava a noite negra e vaga.
E destroçava as
teias-de-aranha sem qualquer ponta de medo
Sentindo-me, p’lo
contrário, cada vez mais maravilhado.
Mais tarde num certo
dia levei até lá uns pedreiros
P’ra descobrir que paisagem
os meus antepassados
Haviam tentado encobrir,
Mas quando perfuraram a
pedra, impetuosamente entrou
Uma lufada de ar soprada
p’lo ignoto vazio do outro lado.
Fugiram a sete-pés... Eu
assomei-me - e encontrei um por um
Todos os mundos selvagens
que os sonhos me haviam mostrado.
NOTÍCIA
Ao declinar da
tarde chego à cabana velha
de muitas gerações. O
silencio deixa-me respirar.
As paredes ainda são as mesmas. Grandes manchas
de humidade, a luz de astros distantes, a presença
de pássaros desconhecidos. Os meus pensamentos que
iniciam a ronda das sombras. Era um dia era uma hora
propícia de repousos, de vozes como antigamente.
Coisas construídas e eu estou aqui
ladrar de cães entre as árvores. Eu vejo
mais do que a luz, as linhas leves dos montes.
Desce neles o perfil divino da terra molhada.
As estações na ombreira da porta Raramente lembramos
os lugares como um livro que se abre Horizonte já
inacessível.
O primo pequeno o calção sujo de terra Fotografias
pacientemente dispostas sobre a mesa de madeira
Sem detença me abandono Veredas perfumadas flores voando
pulsa lento o sangue junto ao esqueleto
Neste chão vos imagino calados como outrora
vida sem desenlace o fogo que se desenrola
amei em vós o fulgor do coaxar das rãs
o alfabeto sensível do que a escuridão me dizia.
Devagar. Deus dá-se por satisfeito espreguiça-se
no sereno entardecer. Devagar digo de mim para mim
Longa criatura arfando na terra nas horas que passam.
Abro a porta, aguardo a quietude abro a saída
uma chuva mais frágil entre duas águas que se reúnem.
As paredes ainda são as mesmas. Grandes manchas
de humidade, a luz de astros distantes, a presença
de pássaros desconhecidos. Os meus pensamentos que
iniciam a ronda das sombras. Era um dia era uma hora
propícia de repousos, de vozes como antigamente.
Coisas construídas e eu estou aqui
ladrar de cães entre as árvores. Eu vejo
mais do que a luz, as linhas leves dos montes.
Desce neles o perfil divino da terra molhada.
As estações na ombreira da porta Raramente lembramos
os lugares como um livro que se abre Horizonte já
inacessível.
O primo pequeno o calção sujo de terra Fotografias
pacientemente dispostas sobre a mesa de madeira
Sem detença me abandono Veredas perfumadas flores voando
pulsa lento o sangue junto ao esqueleto
Neste chão vos imagino calados como outrora
vida sem desenlace o fogo que se desenrola
amei em vós o fulgor do coaxar das rãs
o alfabeto sensível do que a escuridão me dizia.
Devagar. Deus dá-se por satisfeito espreguiça-se
no sereno entardecer. Devagar digo de mim para mim
Longa criatura arfando na terra nas horas que passam.
Abro a porta, aguardo a quietude abro a saída
uma chuva mais frágil entre duas águas que se reúnem.
Gérard Calandre
JITTERBUG
Perdi
uma das casas
da
minha infância
Pombos
por sobre as árvores
onde
é agora um hipermercado
Na
rádio, Hillary St.Georges
entoa
uma ária do “Rigolleto”.
O
meu pai morreu com um livro de Tchekov
sobre
a mesa-de-cabeceira
onde
um lenço e uma tesoura de unhas
aguardavam
o último arranco
O
meu tio, que me ensinou a espirrar
-
fazia-o sem ruído, como um velho soldado –
morreu
também
e
a prima que me acalentara as manhãs de domingo
foi
também desta para melhor. E agora
Olho
ao longe o pequeno subúrbio
a
minha casa antiga está entre outras
Será
a que inicia a rua frente à estrada
a
segunda, a terceira? Não creio que seja a de portas
azuis,
com um pezinho a condizer, ou aqueloutra
um
pouco fanada, com uma motocicleta junto ao muro.
A
mãe, pobre dela, ausentou-se
vive
agora num bairro periférico
e
a sua memória flutua
“Filho,
lembras-te da figueira?”
“Meu
rapaz, recordas-te do perdigueiro castanho?”
E
é só a isto que chega
enovelando
rostos, quando muito uma expressão
das
vizinhas que iam ao baile.
Por
isso
sou
já um pouco como aqueles velhotes relampados
de
sapato engraxado, estralejante
comendo
bolos-de-rei com um cafézinho
na
“roulotte” de comes-e-bebes
perto
do andar que hoje habito. Tenho já
como
eles
a
pupila funda
a
garganta presa
o
braço anguloso
de
quem foi desapossado de algo que era perene
e
agora é a fome da terra uma linguagem secreta.
COMMOTION DE NOËL
Je suis un espion plus que parfait
mes yeux mes mains ma silhouette
tout ce que j'ai appris tout ce que j'ai oublié
tout ce que j'ai vu Seigneur après votre décès
même les cuillères de bois et l'assiette brute
du dîner
au commencement de la nuit
même les chaussettes avec des trous de mon cousin
même la chemise en lambeaux de mon père
et les joyeux yeux tristes de ma mère
et ce qui nous achetons sans le paiement
et sans un dieu lui paye
Tout cela je garde dans mon coeur.
Dans les nuits les jours de mon adolescence
quand je m'asseyais à méditer
dans la roche peinte de blanc
au moyen du potager de la petite Armandine
qui m'offrait des marrons cuits quand c'était l'automne
et nettoyait mon front avec un mouchoir de lin
en regardant ma sueur de sang.
Tout cela est mon trésor
pour vous cher Monsieur pour vos anges
pour vos assistants dans la forêt céleste
pour les notaires de votre auguste Père
sans oublier le petit que vous avez été
et même le mendiant qui vous a aidé
à monter sur le petit âne
qu'il vous a transporté jusqu' à la porte Suse
ce jour lá de Pâques.
Ainsi, Seigneur, pardonne moi
mes défauts
mes brusques joies
mes étranges silences
et tous les poèmes que j'ai seulement pensé.
Jules Morot
POUR O.HENRY
Dans son esprit s'est faite lumière
et il a tapoter par centaines le grisbi
Son bouton de gilet ne lui servait pour rien de
plus
et dans sa cellule il l'a regardé attentivement
il s'a donné à ce travail
en l’érigeant entre deux doigts
l'indicateur et le gros pouce
Sa femme l'a cousu à l’époque ancienne
un heureux après midi de bourbon et de sacrés
bécots
Il se méfie se méfie et pourtant
beaucoup est resté pour décider
peut-être des diamants des horloges
des chaînes d'or
mais rien ne l'intéressait déjà il a
eu nécessité
de madrigaux et de quelques monnaies sonnantes
Et tout
a été simplement de cette jolie manière.
Nous avons besoin de bien plus de choses
nous leurs vieux compagnons de
promenades
par des villages bruyants
de bien de plus nous avons besoin
mais c'est surement au cours
des temps sans date marquée.
L'amour l'amitié flagrants délits de jeunesse
de bien de plus nous avons besoin
et le monde arrive et apporte
seulement du cotton sordide dans les poches.
(Em linha no TRIPLOV, no UN SOIR UN TRAIN e no AU TOUR DE MA CHAMBRE)
Cordialmente, desejando-vos um excelente período carnavalesco (...é claro que não me refiro ao ambiente político mas ao Carnaval ele-mesmo!) aqui ficam, com a proverbial estima.
Cordialmente, desejando-vos um excelente período carnavalesco (...é claro que não me refiro ao ambiente político mas ao Carnaval ele-mesmo!) aqui ficam, com a proverbial estima.
Nota: as fotografias foram obtidas em www.revista.agulha.nom.br
2 comentários:
Belos poemas, belas traduções. Venham mais poemas e afins.
E eu diria mesmo mais: venham mais poemas e afins.
Dupont
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