Lembra-se
caro leitor e confrade? Propunham-se os nossos maiores fazer coisa luzida, com
os estrangeiros todos embasbacados, de olhos em alvo perante a magnificência do
talento dos portuguesinhos valentes, bem dignos dos navegadores de antanho…!
E
foi coisa luzida, com efeito e sem defeito. Só que, como os tempos eram já
outros diferentes do das caravelas, o que parece ter “ido à vela” foi
outra cousinha. Creio que me faço entender, decerto todos se lembram mais
ou menos…da coisata bem artilhada.
Mas
adiante. O que vos apresentamos de seguida, p’ra festejar essa moçoila bonitona
e fermosa de quinze aninhos vicejantes, foram as obrinhas (um poeminha e um
quadrinho) com que o autor destas regras participou numa Mostra de Arte Postal
acontecida, na horinha, nas franças e araganças do nosso devir
poético-estrutural-comercial.
Com
estima e desejos de bon apétit memorialista e os proverbiais
abraqson e bjh, aqui vo-las deixamos.
"UMA REALIZAÇÃO DOS PORTUGUESES"
Fartaram-se
de nos dizer que a "última exposição mundial do século" era, se
calhar como a tropa, o "espelho da Nação" - e falavam verdade! Muitos
de nós, por lucidez ou ingenuidade, ou teimosia, não queríamos acreditar. Podia
lá ser!
E, vai-se a ver - afinal era mesmo!
Confessemos, no entanto: era difícil de engolir. Mas a rapaziada esmerou-se. E
fez-nos curvar a cabeça, inda que a custo.
Um milhão e trezentos mil, para já. A verba
faz-me sonhar...E outros ainda sonharão mais, mas deixemos esse detalhe por
agora. Ah! valente João Caldeira!
Na TV, dois homens sérios e de discurso
eficiente (entre eles o talentoso doutor Eduardo, o grande estruturalista),
propõem-nos um raciocínio eficaz: são coisas da vida, pois então! E se os
italianos ou os espanhóis pensam que se podem rir do "affaire", eles que
olhem para os lares: também por lá anda uma bendita corrupção. E é verdade.
Embora os corruptos, pobres deles, estejam
sempre do mesmo lado. Experimente o leitor ser corrupto - vai ver que não
consegue! Porque é preciso andar-se no sector certo: chefe de contabilidade, um
(deus me perdoe!) director-geral, por aí as hipóteses são várias e aliciantes
por cá. E viva a modéstia - olhem se fôsse em estilo Balzac...
Ainda que já entradote (do lado dizem-me
mesmo que até já morto) o poeta Castilho, que tinha experiência de poderosos,
deu-se ao trabalho de elaborar uma nova versão do seu famoso poema que tem como
quadra bem marcada "Da parte, madrinha/de Deus vos requeiro/Casai-me hoje
mesmo/com Pedro Gaiteiro.". E segue a peça:
Madrinha, senhora
sabei que também
eu lá fui à Expo*. E vi, vi as gentes
o Oceanário, garotos em fila, polícias
e reis. Um tipo pernalta Inglês, me
disseram
pessoal fardado: generais, ministros
e muita alegria
e melancolia
alguns alentejanos para dar cor local
e Vasco da Gama
e Álvares Cabral
a fingir que estavam ali a férias. Madrinha
da parte
de Deus vos requeiro: casai-me hoje mesmo
com João Caldeira.
Madrinha, não quero
não quero o Cavaco
nem o Engenheiro
nem o Marques Mendes
que é muito onzeneiro (aqui, se calhar
devia haver outro adjectivo, mas
faz-me falta à rima)
e então é assim: não quero o ministro
(Costa) que dança em terreiro
nem quero o banqueiro (a não ser
que seja masoquista, o que sempre dá jeito)
com seu gibão largo
de arminho e cordeiro
nem o conselheiro (Espada)
rostinho trigueiro
que faz tanta inveja
a muito vaqueiro
Já não sou Anita
sou executiva (secretária, dactilógrafa)
bailando ao pandeiro
sou a senhor ´Ana
que mora no oiteiro
(ou seja, numa das
sete colinas da feliz Lisboa, mas
o poema tem de sair com ritmo e então
é assim)
já sou mulherzinha
já trago sombreiro
quer seja manhã
quer seja ao serão
e sei deitar contas à vida, portanto
da parte, madrinha, de Deus
vos requeiro
casai-me com o doutor tantos de tal e se
não
puder ser
dai-me ao menos a subida honra de apertar a
mão
ao Mega Ferreira
ou então
permiti-me um ósculo nas barbas venerandas
do Prado Coelho
mas se inda assim não fôr viável, madrinha
ao som do tambor (digamos, a pança do
doutor)
vos requeiro
casai-me assim que o conseguirdes
com João Caldeira
Casai-me no monte
casai-me no mar
casai-me na serra
ou até mesmo numa igrejinha em Sintra, com
flores
de laranjeira, que eu sou de boas famílias,
mas
marido pretendo
de humor galhofeiro
que saiba como é
o som do dinheiro
que viva por festas
co´o tamborileiro
que não seja pobre (ou sequer remediado,
que a vida
apesar do Euro não está para graças)
secretário de Estado
herói marinheiro
(não o Torres Campos, coitado
que é sério, careca e, segundo dizem
nem é filiado na Maçonaria), com ar
sobranceiro
e com belo cargo
que sempre é melhor, que em ele assomando
logo se alvorote
o lugar inteiro, madrinha
comigo romeiro e romeira
casai-me já hoje
ou então, podendo ser e não dando muito
trabalho
amanhã ou depois
com João Caldeira
*NOTA - O
A. não foi à Expo. Trata-se pois
da
chamada "liberdade poética".
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