Nota introdutória
A propósito da complexa e premente questão da "reformabilidade" ou não do islã, recente objeto de aguda discussão neste venerável blogue, através de vários posts e comentários, copio abaixo um capítulo de meu livro inédito As asperezas da crença: a religião no mundo contemporâneo [1], obra que não trata apenas das questões do islã com a modernidade, mas também delas. Neste pequeno capítulo em particular (apenas uma parte da seção dedicada ao islã), discuto de forma sucinta a experiência inédita do kemalismo, ou seja, a criação da moderna República da Turquia sobre os escombros do Império Otomano, liderada por Kemal Mustafá Ataturk, um anti-islamista radical, talvez o mais radical da história.
A propósito da complexa e premente questão da "reformabilidade" ou não do islã, recente objeto de aguda discussão neste venerável blogue, através de vários posts e comentários, copio abaixo um capítulo de meu livro inédito As asperezas da crença: a religião no mundo contemporâneo [1], obra que não trata apenas das questões do islã com a modernidade, mas também delas. Neste pequeno capítulo em particular (apenas uma parte da seção dedicada ao islã), discuto de forma sucinta a experiência inédita do kemalismo, ou seja, a criação da moderna República da Turquia sobre os escombros do Império Otomano, liderada por Kemal Mustafá Ataturk, um anti-islamista radical, talvez o mais radical da história.
Toda a discussão sobre a relação do islã com os graves e agudos problemas contemporâneos do mundo muçulmano é, de certa forma, ociosa. Pois ela se dá deixando de lado um dado histórico fundamental – o que, portanto, a falseia. Falsa e ociosa, a discussão se mantém (sem na verdade avançar) ao desconsiderar algo do tamanho do Império Otomano – mais exatamente, da moderna República da Turquia. Se este dado é inserido na discussão, ela muda tanto quanto se clarifica. Pois se dá uma resposta, ou ao menos um exemplo histórico, do que pode ser feito, ou do que já foi feito, em um caso específico, para resolver a questão do islã na difícil equação "mundo muçulmano versus modernidade".
Depois de um longo período de lenta decadência, com o império sendo literalmente comido pelas bordas pelas novas e ascendentes potências europeias, e apenas não se desfazendo antes por haver certo interesse dessas mesmas potências em preservá-lo, ainda que – e na verdade porque – enfraquecido (na segunda metade do século XIX, o Império Britânico utilizava o decadente Império Otomano como um tampão contra a expansão do Império Russo para o sul e para a região estratégica do Mar Negro), o Império Otomano afinal se desfez ou foi desfeito logo após sua derrota na Primeira Guerra Mundial, na qual se aliara à Alemanha. A própria existência de qualquer estado turco ficou então em suspenso – até a reação chefiada pelo coronel Mustafá Kemal Ataturk, líder da Revolução Turca de 1919 e fundador, em seu rastro, da atual Turquia.
Portugal já foi um império. Também a Espanha, a Rússia e, mais recentemente, a Inglaterra. Porém o mais correto seria dizer que esses países tiveram um império. Ao perderem suas colônias, voltaram, de certa forma, a ser o que haviam sido antes de conquistá-las. O Império Otomano era diferente. Não houve uma Turquia que depois conquistou um império. Houve, primeiro, o império turco, nascido da lenta expansão militar de um pequeno núcleo tribal. Esse núcleo tribal, de cultura centro-asiática, era originário da região de Altai (Mongólia), e fizera parte das várias levas de invasores nômades que, historicamente, se deslocavam do centro da Ásia para o oeste, como mongóis e hunos (estes também de etnia turca). Essa tribo turca em particular, cujo líder se chamava Osman, ou Otman, e daí o seu nome, estabeleceu-se na Anatólia (atual Turquia) em torno do ano 900. Nos séculos seguintes, os turcos otomanos incorporariam regiões e estruturas – físicas, culturais, religiosas e políticas – de estados árabes nascidos do esfacelemanto do Califado de Maomé, assim como do Império Bizantino, incluindo sua própria capital, Constantinopla. Quando, mais tarde, o Império Otomano se desfez, no início do século XX, não havia um antigo centro nacional a preservar, ou para o qual retornar, como havia, no centro do Império Britânico, a Inglaterra. Para haver uma Turquia depois do fim do Império Otomano, era preciso criá-la.
Na lista dos maiores estadistas do século XX, Roosevelt e Churchill têm um lugar natural por sua vitória na Segunda Guerra Mundial. Porém há uma outra lista, não menor do que a primeira, apenas diferente, ou seja, não a dos grandes líderes político-militares, mas a dos grandes construtores de nações, em que se destacam Gandhi e Mandela. E na qual o primeiro lugar, o de maior estadista do século XX em sua acepção mais ampla, cabe a um coronel turco, Kemal Ataturk, o criador, no sentido mais puro da palavra, da atual República da Turquia a partir dos escombros do Império Otomano.
Ataturk foi um déspota esclarecido, o último e o maior deles, na tradição e na linhagem de Pedro, o Grande e de Catarina, a Grande, na Rússia, ou do marquês de Pombal. Se Pombal chegou a proibir a Companhia de Jesus, Ataturk foi mais longe: tentou virtualmente eliminar o islã da cultura turca. Pois o considerava necessário como uma das etapas principais, senão a principal, na construção do novo país. Maior líder militar turco moderno e pai-fundador da República (ataturk significa “pai dos turcos”), ele talvez soubesse o que estava fazendo. E dizendo.
Afirma-se que a unidade religiosa é um fator na formação das nações. No entanto, vemos o oposto na nação turca. Os turcos eram uma grande nação antes de adotarem o islã. Essa religião não ajudou os árabes, iranianos, egípcios e outros a se unirem aos turcos para formar uma nação. Ao contrário, ela enfraqueceu as relações nacionais turcas, e anestesiou os sentimentos e o entusiasmo nacionais turcos.[2]
Ataturk é considerado pelos islâmicos militantes o maior inimigo do islã em toda a história. Basta fazer uma pesquisa na internet com as palavras ataturk e islam: aparecerão então incontáveis sites islâmicos, que se referem ao primeiro termo da busca como “o grande inimigo”. Por isso mesmo, muitas afirmações atribuídas a Ataturk não são confiáveis. Além de questões específicas de fontes, elas são agressivas demais ou sutis de menos, e isto simplesmente não faz sentido em se tratando da vitoriosa trajetória política de Ataturk (elas são adotadas tanto por militantes sem qualquer critério quanto por anti-islâmicos com muito critério, para pintar Ataturk com as cores mais “negras”). Portanto, ele não deve ter afirmado isto, apesar de normalmente a ele atribuído:
Durante mais de cinco séculos, as regras e teorias de um velho xeique árabe e as más interpretações de gerações de sacerdotes ignorantes se fixaram, na Turquia, em todos os detalhes da lei civil e criminal. Elas determinaram cada movimento da vida de cada indivíduo, sua comida, suas horas de vigília e de sono, a forma de sua roupa, o estudo na escola, os costumes, os hábitos e até os pensamentos mais íntimos. O islã, essa teologia absurda de um beduíno imoral, é um cadáver putrefato que envenenou nossas vidas.[3]
Mas tenha ou não dito isto, disse comprovadamente outras coisas claras o bastante:
Estamos tentando não misturar assuntos religiosos com os negócios da nação e do Estado, e evitando ações reacionárias baseadas em más intenções.[4]
Não consideramos nossos princípios como dogmas contidos em livros vindos do céu. Nossa inspiração vem não do céu, ou de um mundo invisível, mas diretamente da vida.[5]
Temos que ser independentes do ponto de vista da religião.[6]
Não consideramos nossos princípios como dogmas contidos em livros vindos do céu. Nossa inspiração vem não do céu, ou de um mundo invisível, mas diretamente da vida.[5]
Temos que ser independentes do ponto de vista da religião.[6]
Também foi claro em questões de costumes:
A humanidade é feita de dois sexos, homem e mulher. É possível que um povo se desenvolva pelo desenvolvimento de apenas uma de suas partes enquanto a outra parte é ignorada?[7]
Muito antes da França, Ataturk coibiu o véu feminino. Como o marquês de Pombal proibiu a ordem dos jesuítas, ele fechou as ordens de dervixes, espécies de mulás místicos. Também fechou as escolas religiosas, as madrassas, onde se estudava o Corão – e onde tudo o que se estudava era o Corão. Ao mesmo tempo, instituiu o ensino universal e laico. Mudou o alfabeto turco, que utilizava caracteres árabes, para um novo alfabeto, baseado nos caracteres latinos. Como Lutero e o rei James da Inglaterra traduziram a Bíblia, respectivamente, para o inglês e o alemão, Ataturk encomendou, pela primeira vez, a tradução do Corão do árabe para o turco, a fim de que os fiéis não ficassem reféns das interpretações dos mulás. Determinou o domingo como dia de descanso, em lugar da sexta-feira. Anulou a legislação religiosa, incluindo as leis sobre casamento, divórcio e herança, baseadas na lei islâmica, a shariá, e instituiu uma legislação civil. Proibiu a poligamia. Substituiu o calendário muçulmano pelo gregoriano. Fechou inúmeras mesquitas, e transformou a principal delas, a de Sófia, em Istambul, em um museu. A lista é interminável. Entre outras coisas, Ataturk também aboliu o califado.
O Império Otomano era, ao mesmo tempo, o sultanato, o império do sultão turco, e o califado, pois o sultão era também o califa, ou sucessor de Maomé, portanto, o “Defensor do islã” e sua máxima autoridade religiosa. Algo assim como se o imperador romano fosse simultaneamente o papa. Ataturk, além de destituir e exilar o último sultão, acabou com o papado – digo, com o califado.
Ataturk não criou apenas um novo estado, a Turquia, dos escombros do Império Otomano. Também criou uma república laica e institucionalmente moderna no lugar de um estado religioso. Além disso, e acima de tudo, tentou mudar e remoldar a cultura do país, a fim de que a racionalidade e o empirismo modernos substituíssem as crenças e as práticas religiosas. Ele foi o único reformador a fazê-lo com relativo sucesso em todo o mundo muçulmano.
Primeira conclusão: as reformas modernizantes e democratizantes de Ataturk, se não foram implementadas à força, pois ele não criou um regime totalitário, mas uma democracia tutelada por um exército secularista, foram tuteladas pelo exército (ele próprio era um brilhante militar de carreira, herói da Primeira Guerra Mundial). Essa tutela foi necessária para mudar tanto as instituições quanto as práticas e as mentalidades, e assim criar tanto um novo país quanto uma sociedade civil razoavelmente moderna. Daí a falácia dos islâmicos “moderados” que evocam o “modelo turco” a fim de defender sua subida ao poder nos países da "Primavera Árabe". Trata-se, de fato, de uma falaciosa inversão da relação de causa e efeito. Pois a imperfeita democracia turca não foi construída por um partido islâmico “moderado” no poder, mas pelas forças políticas anti-islâmicas lideradas por Ataturk (e centralizadas na elite do exército, que tomara consciência da necessidade de rápidas e radicais mudanças no novo país ao se confrontar, literalmente, com a modernidade ocidental, na forma da enorme produção industrial e dos já mecanizados exércitos de massa europeus da Primeira Guerra Mundial, da qual o Império Otomano saiu completamente esfacelado – o que criou não apenas a necessidade como a possibilidade de reconstrução da nação e da sociedade turcas).
Segunda conclusão: se o kemalismo serve de exemplo de algo, é que o caminho da reforma do islã passa ao largo da reforma do islã, mesmo porque, este é uma religião, mas não uma Igreja, ou seja, uma estrutura institucionalizada por onde operar. Esta não existe. Não há poderes centrais, hierarquia eclesiástica, concílios, códigos canônicos etc. Mas há, em compensação, divisões como sunismo, xiismo, sufismo etc. O islã é, então, seguindo o modelo kemalista, reformável como resultado de mudanças reais e radicais das sociedades em que é a principal referência sociocultural e mesmo jurídica (através da shariá, a lei islâmica). Como consequência, o islã resulta reformado naquilo que mais importa, a retirada de sua tóxica posição central e centralista na sociedade muçulmana – restando aos fiéis que ainda o desejarem a "privatização" de sua prática, mesmo porque o novo modelo de sociedade, inclusive pela retirada do islã de sua posição central, inclui a liberdade religiosa (além das liberdades civis, como a de expressão) e a separação das instâncias religiosas das políticas.
Terceira conclusão: o caminho kemalista, por se dar de cima para baixo, não é hoje realista, ainda que possa haver exceções, como a Argélia depois da eliminação da Frente Islâmica de Salvação (FIS), hoje com um governo laico eleito e tutelado por um exército secularista. Mas exceções são exceções. Como regra, a reforma do islã depende, enfim, das forças políticas realmente secularistas nos vários países muçulmanos – que hoje, infelizmente, em geral não são de fato uma força, mas uma fraqueza política.
Quarta conclusão: quanto às comunidades muçulmanas estabelecidas em países onde já vigora a moderna sociedade aberta, elas têm de ser vencidas e convencidas no sentido de compreender que tal sociedade não será, em nenhum grau ou sentido, islamizada, mas que suas comunidades islâmicas devem se modernizar na direção da "privatização" da crença. A crença de cada um não importa, assim como sua opção sexual, desde que viva sua vida, deixe os outros viverem as suas e respeite as leis, que são republicanas ("coisa comum"). A tolerância com a intolerância serve à intolerância. A intolerância com a intolerância serve à tolerância. Neste sentido, ao contrário dos que se autoproclamam "tolerantes" com as "especificidades culturais", os verdadeiros tolerantes são os intolerantes. Nenhum valor ou argumeno evocável para defender, preservar ou proteger a intolerância é maior ou melhor do que a própria tolerância.
A humanidade é feita de dois sexos, homem e mulher. É possível que um povo se desenvolva pelo desenvolvimento de apenas uma de suas partes enquanto a outra parte é ignorada?[7]
Muito antes da França, Ataturk coibiu o véu feminino. Como o marquês de Pombal proibiu a ordem dos jesuítas, ele fechou as ordens de dervixes, espécies de mulás místicos. Também fechou as escolas religiosas, as madrassas, onde se estudava o Corão – e onde tudo o que se estudava era o Corão. Ao mesmo tempo, instituiu o ensino universal e laico. Mudou o alfabeto turco, que utilizava caracteres árabes, para um novo alfabeto, baseado nos caracteres latinos. Como Lutero e o rei James da Inglaterra traduziram a Bíblia, respectivamente, para o inglês e o alemão, Ataturk encomendou, pela primeira vez, a tradução do Corão do árabe para o turco, a fim de que os fiéis não ficassem reféns das interpretações dos mulás. Determinou o domingo como dia de descanso, em lugar da sexta-feira. Anulou a legislação religiosa, incluindo as leis sobre casamento, divórcio e herança, baseadas na lei islâmica, a shariá, e instituiu uma legislação civil. Proibiu a poligamia. Substituiu o calendário muçulmano pelo gregoriano. Fechou inúmeras mesquitas, e transformou a principal delas, a de Sófia, em Istambul, em um museu. A lista é interminável. Entre outras coisas, Ataturk também aboliu o califado.
O Império Otomano era, ao mesmo tempo, o sultanato, o império do sultão turco, e o califado, pois o sultão era também o califa, ou sucessor de Maomé, portanto, o “Defensor do islã” e sua máxima autoridade religiosa. Algo assim como se o imperador romano fosse simultaneamente o papa. Ataturk, além de destituir e exilar o último sultão, acabou com o papado – digo, com o califado.
Ataturk não criou apenas um novo estado, a Turquia, dos escombros do Império Otomano. Também criou uma república laica e institucionalmente moderna no lugar de um estado religioso. Além disso, e acima de tudo, tentou mudar e remoldar a cultura do país, a fim de que a racionalidade e o empirismo modernos substituíssem as crenças e as práticas religiosas. Ele foi o único reformador a fazê-lo com relativo sucesso em todo o mundo muçulmano.
Primeira conclusão: as reformas modernizantes e democratizantes de Ataturk, se não foram implementadas à força, pois ele não criou um regime totalitário, mas uma democracia tutelada por um exército secularista, foram tuteladas pelo exército (ele próprio era um brilhante militar de carreira, herói da Primeira Guerra Mundial). Essa tutela foi necessária para mudar tanto as instituições quanto as práticas e as mentalidades, e assim criar tanto um novo país quanto uma sociedade civil razoavelmente moderna. Daí a falácia dos islâmicos “moderados” que evocam o “modelo turco” a fim de defender sua subida ao poder nos países da "Primavera Árabe". Trata-se, de fato, de uma falaciosa inversão da relação de causa e efeito. Pois a imperfeita democracia turca não foi construída por um partido islâmico “moderado” no poder, mas pelas forças políticas anti-islâmicas lideradas por Ataturk (e centralizadas na elite do exército, que tomara consciência da necessidade de rápidas e radicais mudanças no novo país ao se confrontar, literalmente, com a modernidade ocidental, na forma da enorme produção industrial e dos já mecanizados exércitos de massa europeus da Primeira Guerra Mundial, da qual o Império Otomano saiu completamente esfacelado – o que criou não apenas a necessidade como a possibilidade de reconstrução da nação e da sociedade turcas).
Segunda conclusão: se o kemalismo serve de exemplo de algo, é que o caminho da reforma do islã passa ao largo da reforma do islã, mesmo porque, este é uma religião, mas não uma Igreja, ou seja, uma estrutura institucionalizada por onde operar. Esta não existe. Não há poderes centrais, hierarquia eclesiástica, concílios, códigos canônicos etc. Mas há, em compensação, divisões como sunismo, xiismo, sufismo etc. O islã é, então, seguindo o modelo kemalista, reformável como resultado de mudanças reais e radicais das sociedades em que é a principal referência sociocultural e mesmo jurídica (através da shariá, a lei islâmica). Como consequência, o islã resulta reformado naquilo que mais importa, a retirada de sua tóxica posição central e centralista na sociedade muçulmana – restando aos fiéis que ainda o desejarem a "privatização" de sua prática, mesmo porque o novo modelo de sociedade, inclusive pela retirada do islã de sua posição central, inclui a liberdade religiosa (além das liberdades civis, como a de expressão) e a separação das instâncias religiosas das políticas.
Terceira conclusão: o caminho kemalista, por se dar de cima para baixo, não é hoje realista, ainda que possa haver exceções, como a Argélia depois da eliminação da Frente Islâmica de Salvação (FIS), hoje com um governo laico eleito e tutelado por um exército secularista. Mas exceções são exceções. Como regra, a reforma do islã depende, enfim, das forças políticas realmente secularistas nos vários países muçulmanos – que hoje, infelizmente, em geral não são de fato uma força, mas uma fraqueza política.
Quarta conclusão: quanto às comunidades muçulmanas estabelecidas em países onde já vigora a moderna sociedade aberta, elas têm de ser vencidas e convencidas no sentido de compreender que tal sociedade não será, em nenhum grau ou sentido, islamizada, mas que suas comunidades islâmicas devem se modernizar na direção da "privatização" da crença. A crença de cada um não importa, assim como sua opção sexual, desde que viva sua vida, deixe os outros viverem as suas e respeite as leis, que são republicanas ("coisa comum"). A tolerância com a intolerância serve à intolerância. A intolerância com a intolerância serve à tolerância. Neste sentido, ao contrário dos que se autoproclamam "tolerantes" com as "especificidades culturais", os verdadeiros tolerantes são os intolerantes. Nenhum valor ou argumeno evocável para defender, preservar ou proteger a intolerância é maior ou melhor do que a própria tolerância.
[1] Agradeço de antemão qualquer ajuda dos amigos portugueses para tentar publicar o livro em Portugal. Num país "tropical" e lulopetista como o Brasil, seu tema não desperta muito interesse nem é considerado relevante.
[2] Yurttaslik Bilgileri, Yenigun Haber Ajansi (1997), p. 18 (acessível em http://en.wikiquote.org/wiki/Mustafa_Kemal_Atat%C3%BCrk [tradução de minha autoria]).
[3] Há várias referências a esta citação na internet (em que me baseei para a tradução). Uma das melhor embasadas, pois cita a fonte, é http://www.bismikaallahuma.org/archives/2005/mustafa-kemal-ataturk-the-enemy-of-islam/#footnote_2_62 (H. C. Armstrong, The Grey Wolf , Capricorn Books, New York, 1961, pp. 199-200). Cf. “Attribuée à Mustapha Kémal Atatürk / 1881-1938 / in ‘Mustapha Kemal ou la mort d'un empire’, Jacques Benoist-Méchin”, acessível em http://atheisme.free.fr/Citations/Ataturk.htm, e “Durante más de 500 años, las normas y las teorías de un jeque árabe anciano...”, acessível em http://yahel.wordpress.com/2010/06/28/ataturk-esa-teologia-absurda-de-un-beduino-inmoral.
[4] Acessível em http://tekadamdevrimi.com/tekadamdevrimi/tad_ingilizce/tad_ingilizce_02.htm.
[5] “Statement” (1 November 1937), as quoted in Atatürk: The Biography of the founder of Modern Turkey (2002), by Andrew Mango (acessível em http://en.wikiquote.org/wiki/Mustafa_Kemal_Atat%C3%BCrk).
[6] Acessível em http://tekadamdevrimi.com/tekadamdevrimi/tad_ingilizce/tad_ingilizce_02.htm.
[7] Acessível em http://www.goodreads.com/author/quotes/2793859.Mustafa_Kemal_Atat_rk.
[3] Há várias referências a esta citação na internet (em que me baseei para a tradução). Uma das melhor embasadas, pois cita a fonte, é http://www.bismikaallahuma.org/archives/2005/mustafa-kemal-ataturk-the-enemy-of-islam/#footnote_2_62 (H. C. Armstrong, The Grey Wolf , Capricorn Books, New York, 1961, pp. 199-200). Cf. “Attribuée à Mustapha Kémal Atatürk / 1881-1938 / in ‘Mustapha Kemal ou la mort d'un empire’, Jacques Benoist-Méchin”, acessível em http://atheisme.free.fr/Citations/Ataturk.htm, e “Durante más de 500 años, las normas y las teorías de un jeque árabe anciano...”, acessível em http://yahel.wordpress.com/2010/06/28/ataturk-esa-teologia-absurda-de-un-beduino-inmoral.
[4] Acessível em http://tekadamdevrimi.com/tekadamdevrimi/tad_ingilizce/tad_ingilizce_02.htm.
[5] “Statement” (1 November 1937), as quoted in Atatürk: The Biography of the founder of Modern Turkey (2002), by Andrew Mango (acessível em http://en.wikiquote.org/wiki/Mustafa_Kemal_Atat%C3%BCrk).
[6] Acessível em http://tekadamdevrimi.com/tekadamdevrimi/tad_ingilizce/tad_ingilizce_02.htm.
[7] Acessível em http://www.goodreads.com/author/quotes/2793859.Mustafa_Kemal_Atat_rk.
6 comentários:
Muito bem. E agora a questão central:
Porque razão a herança racionalista de Ataturk não teve continuidade, ao contrário das heranças dos racionalistas que emergiram no mundo judaico-cristão?
Ou, dito por outras palavras, porque razão o milho pega numa terra e não pega noutra?
Obviamente, porque algums terras são áridas. Daí necessitarem de irrigação. Ou antes, de irrigadores. Se fosse fácil reformar o islã, não seria difícil. Por mim, o islã poderia deixar de existir, e eu não daria a mínima. Sequer deixaria uma literatura importante, como outras religiões extintas, como a grega antiga. Mas como existe, e como inclui um projeto de poder aversivo para mim (a teocracia), é preciso, infelizmente, pensar em sua reforma, porque não vai desaparecer. Os secularistas do mundo muçulmano são os únicos que poderiam fazer o trabalho, e não o estão fazendo. Mas isto não altera o que vai dito antes. E se Ataturk conseguiu uma vez, não é impossível. Apenas improvável.
Não se trata só de aridez, mas tb de PH, nutrientes, etc. A terra não dá a colheita porque é má. Sim, com esforço ( de quem?) é possível melhorar, mas nunca será uma boa terra.
E esse é o problema...
Concordo com você, JC, e se não fosse assim, nem haveria o problema nem o estaríamos discutindo. Mas o problema existe, e está a piorar. Na maioria dos países da chamada "primavera árabe", não se iniciou qualquer verão democrático, como tantos ingênuos afirmaram então, mas sim o inverno islâmico. A Irmandade Muçulmana, mãe e matriz de todos os grupos terroristas islâmicos, verdadeira internacional do teocratismo, venceu em vários países. Além disso, as comunidades muçulmanas em países ocidentais periodicamente as brindam com irmãos Tsarnaev. Por isso, não por qualquer gosto ou interesse pessoal pelo islã, gasto tempo e neurônios a pensar no problema.
Ab, L
Culturas são cultivos. Culturas humanas se fazem cultivando formas, padrões e legados, e os adaptando, refinando e mesmo substituindo o substrato em que originalmente vicejaram. Cuida-se também de resguardar o espaço físico onde a cultura se desenvolve, contra fatores que a inibam. A propagação do cultivo se dá pelo transplante das "mudas culturais" para as mentes dos indivíduos que se tornarão "sócios" do empreendimento, fornecendo a estes, ao menos, uma identidade superficial, traços referenciais de auto-localização.
Há quem tenha plena convicção de que sabe quem é, e de onde está.
Há até quem considere sua cultura universal.
Busca-se trazer luz ao mundo, parece, um esforço eventualmente meritório.
Busca-se ordenar o mundo, melhor dizendo. Culturas são desenvolvimentos ordenados. Ordenações sociais, necessárias pela impossibilidade de percepção plena e de interação direta com a ordenação natural. A racionalidade nos desligou da fonte instintiva que orienta os demais seres conscientes. Vivemos em realidades separadas, e costumamos acreditar na realidade de nossas separações. Hospício de loucos perigosos. Mas com um potencial do qual não se enxerga o fim.
Tanto as intervenções-comentários de José Carmo como de Luis Dolhnikoff fazem sentido, são escoradas e argutas, desta ou daquela forma. Demonstram leituras, demonstram gosto pela informação por parte do agente. Daí que seja com prazer que lhes trago à sugestão um livro, creio que esgotado nos 2 países (podem lê-lo nas respetivas bibliotecas nacionais) que na altura causou sucesso por ser muito bem informado, da autoria do Prof. H.C.Armstrong. Adicionalmente, também os de Jacques Deny e de Diogo Caminha serão de leitura proveitosa. Por último, para enquadrar e como iguaria final, os de André Malraux (La lutte avec l'ange) e de T.E.Lawrence (The seven pilars of wisdom), que também se debruçam sobre Kemal Paxá, como era em geral nomeado pelo povo turco.
Anselmo Reboredo
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