quarta-feira, 22 de maio de 2013

Vuddoo, Satanás e o neoliberalismo


Como se sabe, o grande inimigo do socialismo e do totalitarismo, nas suas várias tendências, sempre foi o liberalismo. Hitler investia sobre ele com a mesma fúria que Estaline, Mussolini, Cunhal, e uma plêiade de políticos portugueses que vão do PNR ao BE, passando pelos outros partidos todos.
É relativamente fácil citar frases e textos destas e doutras personagens, que provam o meu ponto.

Um dos eficazes recursos da retórica esquerdista é a invenção de termos que, por si só, definem de forma indiscutível o valor moral de questões complexas.
Inúmeros exemplo se podem apontar, como, por exemplo, a “democracia burguesa”, a “resistência”, “revolução”, etc.

Um desses termos é “neoliberalismo”, qualificativo acusador que se vulgarizou como forma de descrever o Mal, “Eles”, enfim, tudo aquilo que não corre bem e de que alguém há-de ter e expiar a culpa.

Hoje em dia, qualquer caramelo que queira passar por esclarecido, escreve umas bojardas do contra, pespega-lhe umas pitadas de indignação contra os “neoliberais”, e já está. 
 Se lhe perguntam o que é exactamente o “neoliberalismo”, quem são os seus autores, e as suas obras emblemáticas, embezerram e chamam-nos burros, como se o Mal fosse cartesianamente evidente. E, claro está, não encontram tais autores e obras, por uma razão muito válida: é que não existem!
O “neoliberalismo” , tal como é citado por estes iluminados, parece pois, ser uma criação daqueles que o invectivam....uma espécie de boneco de vuddoo, criado expressamente para lhe serem espetados alfinetes, na esperança de que o Mal, “Eles”, enfim, os culpados cósmicos pelos nossos problemas, sejam eles quem forem, sofram a expiação dos males que nos afligem.

Na sua obra mais emblemática (1984) Orwell descrevia o uso da novilíngua, por parte do poder, com o a finalidade de restringir os sentidos das palavras, impossibilitando deste modo pensar conceitos e ideias que, por ausência de palavras, seriam inexistentes e vice-versa, isto é, atribuindo significados novos às palavras. Assim, na obra, o Ministério da Guerra chamava-se Ministério da Paz. 
Controlando a língua, o Grande Irmão controlava o pensamento e impedia o surgimento e difusão de ideias “erradas”.

A esquerda domina notavelmente bem a produção de conceitos e a inversão de significados. Há toda uma teorização estruturada, que passa por Gramsci, Lukacs, Adorno, etc.

Com o tempo o “neoliberalismo”, que começou por vagamente designar algumas adendas ao liberalismo, alcançou o estatuto supremo de Belzebu, responsável óbvio por todos os males do mundo.
Colocados os neoliberais, quem quer que eles sejam (nunca ninguém viu um mas todos acreditam que existem) no catálogo dos Mafarricos, é com a maior naturalidade que todo e qualquer bicho careta, completamente ignorante do significado dos conceitos, veja em tudo o que de negativo se passa do mundo, a mão maligna do neoliberalismo.
Desde Evo Morales ao Dr. Soares, passando por génios como Hugo Chavez, Zapatero, Amadinejad, Lula, Francisco Louçã ou Ana Gomes, o diagnóstico é unânime: a culpa é do neoliberalismo.

Em Portugal, país a “caminho do socialismo”, onde tudo o que temos são variações entre social-democracia e comunismo, e cujos sucessivos governos gastaram e pediram fiado como se não houvesse amanhã, a culpa é, claro está, do “neoliberalismo”.
Na Europa, onde os Estados esmagam, interferem, taxam, e a regulação é draconiana, há que abater o “neoliberalismo”, culpado, olha quem, pelo desemprego e pelo anémico crescimento.
Nos EUA, onde o Governo Federal deu o incentivador pontapé de saída (através das hipotecas de risco concedidas pelas agências federais “ Fanny Mae” e “Freddy Mac”) na questão dos produtos tóxicos, a culpa é do “neoliberalismo”. Na Venezuela, onde falta papel higiénico e o governo nacionaliza até as mercearias, a culpa é do “neoliberalismo”



Há tempos um bloquista com quem calhei a discutir este bordão, confiou-me que a base ideológica do “neoliberalismo” era o Consenso de Washington!

Obviamente não me soube dizer o que era, em concreto. Deve ter ouvido o termo nas sessões de esclarecimento do BE, e bastou-lhe. Tudo levava a crer que ela via o Consenso de Washington como uma sinistra conspiração de neoliberais maléficos a cozinhar poções pela calada da noite, e a magicar a “Nova Ordem Mundial”, outro conceito redondo que a malta gosta de usar como se soubesse do que está a falar e como sinónimo de que “eles”, nos estão a preparar um caldinho.
Ora o Consenso de Washington é, basicamente, a designação das medidas desenhadas no âmbito do FMI e do Banco Mundial, para ajudar a “consertar” as economias falhadas dos países latino-americanos, na década de 80.

A 1ª coisa que há aqui a notar é que chamar “neoliberalismo” a medidas desenhadas por organizações exclusivamente constituídas por Estados, é tão paradoxal como chamar luar à luz do sol.
A 2ª coisa é que, como o própria designação indica, não se trata de imposições draconianas impostas pelos malvados “neoliberais” (e até ao momento ainda não conhecemos nenhum), aos pobres, oprimidos e explorados, mas medidas consensualizadas entre todos os países envolvidos, os que emprestam o arame, e os que recebem o carcanhol.



Quanto às medidas, vejamos então os 10 princípios que seriam, nas palavras do bloquista, os mandamentos do “neoliberalismo”:



1-Disciplina fiscal
2-Redireccionar a despesa pública da subsidiação indiscriminada para programas de crescimento e ajuda aos mais pobres, investindo na educação , cuidados de saúde, etc.
3-Refoma fiscal, reduzindo as taxas e aumentando a base de incidência.
4-Taxas de juro positivas e definidas pelo mercado.
5- Taxas de câmbio competitivas (desvalorização da moeda)
6- Liberalização do comércio (redução e eliminação de licenças e tarifas.
7-LIberalização do investimento directo estrangeiro
8-Privatização de empresas públicas
9-Eliminação de regulações excessivas que distorçam o mercado, mantendo apenas as que se relacionam com segurança, protecção do ambiente e do consumidor e supervisão do sistema bancário
10-Respeito pelos direitos de propriedade.



Ora isto, desculpem lá, parece do mais elementar bom senso. Se isto é o “neoliberalismo” e é mau, então, por exemplo, a “politica patriótica de esquerda”, (chavão permanente do camarada Jerónimo) seria o seu contrário, ou seja, indisciplina fiscal, sacar dinheiro à educação e à saúde e distribuir pela malta, aumentar as taxas de impostos, impedir o investimento estrangeiro, nacionalizar mais BPN,s, marimbar-se para os direitos de propriedade, parar com o comércio externo, sei lá, deixando de comprar petróleo, gás, carros, computadores, mangas, medicamentos, cereais, etc, etc, ou seja, tudo aquilo que não produzimos em quantidade suficiente.
Mas alguém, no pleno uso das suas faculdades intelectuais, acha que isto é “bom”?


Adiante....na novilíngua da esquerda, tudo isto é irrelevante. Os gatos convém que sejam pardos e os “neoliberais” dão um jeitão para fazer o papel de bode expiatório da estupidez de quem necessita sempre de algo ou alguém a quem atribuir culpas cósmicas.
E na dúvida aí vai disto: o neoliberalismo é o grande culpado pelos males do mundo, desde a falta de papel higiénico na Venezuela à derrota do Benfica, passando pela nossa dívida pública, peso excessivo do Estado, etc.




O chamarem ao Papão, “neoliberalismo”, não é por acaso. O liberalismo é um sistema de ideias mais ou menos coerente, tem obras, autores, é possível ler o que eles escrevem e raciocinar sobre essas ideias. Não é possível atribuir-lhe maldades imaginárias. E ser-se contra o liberalismo, é perigosamente inconsistente, porque num instante se está a retomar as teorias espatafúrdias do nazismo, do fascismo e do comunismo, os seus grandes inimigos.
É como alguém dizer-se antissemita. Não fica bem, é revelador de uma personalidade que não funciona com os fusíveis todos. Mas como a pessoas alimenta mesmo essas ideias disparatadas, cria novas palavras, inventa um newspeak, para as expressar sem se sentir como fazendo parte da população internada no Júlio de Matos. A palavra “antissionismo” serve exactamente para isso, tal como a palavra “neoliberalismo”. Com uma grande vantagem: como não existe em si, podem-lhe ser atribuídas todas as maldades do mundo, sem temer que os “neoliberais” desmintam a imputação. Porquê? Porque estes são como os OVNIS....todos falam neles, todos os viram, mas nunca ninguém nos mostrou um, ao vivo e a cores.

Criado o Mafarrico, agora é apenas uma questão de o vestir convenientemente ao gosto do freguês, e de vender o boneco.
Portugal nacionaliza o BPN? É o neoliberalismo.
Portugal privatiza o Metro? É o neoliberalismo.
Uma empresa dá lucros “excessivos”? É o neoliberalismo?
Dá prejuízo? É o neoliberalismo?
Endividamos-nos? Neoliberalismo
Emprestam-nos dinheiro? Neoliberalismo.
Não nos emprestam? Neoliberalismo.


E a malta compra o boneco retórico e usa-o em contínuos orgasmos de estupidez, debitando asneiras com a mesma naturalidade com que expira CO2.


A questão de um milhão de dólares, a que nenhum critico do “neoliberalismo” jamais respondeu é: Se o neoliberalismo é assim tão importante, e tão culpado de todos os males, que é afinal o neoliberalismo?

7 comentários:

Anónimo disse...

José Carmo o seu post está excelente, esclarecedor, livre e inteligente. Por isso, tenha cuidado! Se os gajos fazem a rebolução você vai logo para ao concentration camp. Não, tiram-lhe a pensão de reforma, se estiver aposentado e, se for comerciante fazem boicote ao estabelecimento. Em resumo, está quilhado. E não é por acaso que o Ablgd é nos últimos tempos uma das leituras preferidas dos da secreta, sabia? Pois é...
Agora a sério, o problema é que a dinâmica rebolucionária, outro chavão, não dá para eles ligarem à razão. Já lhes cheira a poder, enquanto a nós povinho cheira-nos mas é a m...da. Mas quem é que vai ligar? Bom...talvez a realidade ligue. Mas nessa altura já estará tudo em pantanas. Olhe, o pai do Passos foi hoje o primeiro a abandonar a liça, leu no DN? Disse ele, com estaleca, "o meu filho está desejoso de se ver livre disto tudo. E quando ele largar, em casa fazemos uma festa". Ou seja, está tudo bonito. E as a.gomes, os jeróminos e outros louçanos esfregam com certeza as mãozorras de contentes!

Ana Peres
Mateus Peres

José Gonsalo disse...

Bela pedrada no pântano matarruano!

Anónimo disse...

É perfeitamente natural que o Neoliberalismo seja criticado a esquerda. É que é sustentado nestes principios que nasce o capitalismo. O neoliberalismo é, claramente, uma corrente de direita (e nem por isso direita/estrita/mais correcta). Não deve ser assim defendido tão afincadamente, embora algumas das suas ideologias sejam importantes de articular com outras menos à direita.
É que, por um lado, até percebo os esquerdistas: numa sociedade em que as empresas públicas são privatizadas, está mesmo a ver-se quem as vai ocupar e obter os grandes lucros. Claramente que numa sociedade neoliberal, um dos riscos é manter e/ou aumentar o fosso entre ricos e pobres, porque quem nasce rico tem dinheiro para investir e continuar rico. E meus amigos, o dinheiro não se semeia, para estar de um lado tem de faltar de outro.
Não é legítimo dizer que o neoliberalismo é a política mais coerente, porque afirmar que um conjunto de ideologias é o mais correcto, é esquecer um outro conjunto que, nesta ou noutra ocasião, sejam mais adequadas. É ser radical, demagógico e pouco coerente.

Anónimo disse...

Talvez...Claro que se podem tecer críticas ao neoliberalismo, não é aí que bate o ponto. Bate é em fazerem-se "críticas" que mais não são que chavões da agit-prop para manipular "as massas". Porque, em matéria de radicalismo, demagógico e pouco coerente, cito, quem melhor do que a Esquerda, a especialista nesses assuntos sujos? E, já agora, para assassinar, depredar e meter em calabouços? Hoje já se sabe tudo, e os males do neoliberalismo fazem triste figura ao pé dos milhões assassinados (quer pelas fomes, pelos crimes diretos de sangue e pela miséria dos planos quinquenais e outros) dos "amigos" do povão. O próprio Hitler não conseguiu atingir o score dos camaradões. E o Pinochet foi um aprendiz ao pé do Ceausescu e outros beneméritos. Então?

Emílio Souza

Anónimo disse...

Vamos lá a ver: nao é possivel concordar-se que as fações esquerdistas sejam todas radicais, embora se reconheça que jacobinos há-os em todo o lado.
Agora concordo numa coisa, de facto a esquerda em Portugal está fragilizada, sobretudo desde a morte de um Cunhal (isto pq ele tinha mais força e porque a teve num momento em que a sua oposição era mais coerente). De momento temos a esquerda mais à esquerda numa atitude demagógica, claro. Isto pq está muito assente numa hierarquia gasta. Precisam de sangue novo, ideias jovens, inovadoras, frescas, atualizadas. E, dessa forma, produzir um discurso moderno, menos atrasado (chega de falar da revolução dos trabalhadores, isso nao é a esquerda moderna).
Eu não estou ligado a nenhum partido nem defendo muito o partidarismo (sou mais um defensor do Senado). Isto pq os partidos (falo em terras lusitanas) ha muito que nao fazem política, fazem politiquice rumo ao fim do arco-iris onde encontrarão o pote de ouro - um lugar no governo, bem pago, onde seja possivel manipular os seus interesses e dos seus. E neste assunto, sobretudo os ditos neoliberais nao escapam (nao me venham dizer qe as privatizações são para as PME do sr antonio que tem colmeias em Fatima ao lado da Nossa Sra).
E nem é melhor falarmos no passado pq ha que reconhecer que nesse aspecto os maiores revolucionários sentaram-se a esquerda.
Desculpem eu apresentar a minha opinião desta forma. Mas cansa falarmos de uns portugueses e de outros portugueses. Ha sim os protugueses das ilhas, do alentejo, de tras os montes e esses, sim, deviam ser representados, nao as cores das camisolas e bandeiras que usam. Falta-nos ler Platão!!

Unknown disse...

Caros anónimos. Até ao momento falam do neoliberalismo mas não se dignaram responder à questão: que é o neoliberalismo?

Manuel Graça disse...

É a K7, caro JC.