Como Miguel
Torga e D. António Ferreira Gomes diziam impressamente em epístolas
notáveis que endereçaram ao Povo português e a outras entidades, a faculdade de
nos contestarmos, exercendo opinião ainda que vivaz e crítica, é um índice de
cidadania e de real liberdade.
O que
distingue uma pessoa de outra é o pensamento autónomo, que se conjuga com a
faculdade de aceitar ou de rejeitar. E ambas, dessa forma legítima, não
estabelecem contramão - antes concorrem para um aperfeiçoamento do território
que lhes é comum: a vida em sociedade civilizada.
O
problema fundacional é que muitos não a desejam, não a acalentam, não a
procuram sustentar e não a apreciam. Por outras palavras: porque
"valores" (na verdade interesses espúrios) mais baixos se alevantam -
digamos desta maneira a rebours da velha frase canónica.
Nunca
como hoje o mundo necessitou tanto da poesia que vem da dignidade e da
dignidade que vem da poesia, como referiu num saudoso bilhete desses tempos
Agostinho da Silva.
O que
implica a dignidade de discordarmos e de discordarem de nós.
E o
corolário creio que será este: se isso se perde, se mancha ou se trespassa... então
está-se a caminho do princípio do fim.
A este propósito enviei há dias este email que achei por bem enviar também por aqui.
Caros confrades da
revista SIBILA*
Tomei
conhecimento, por leitura recente, da polémica que vem acontecendo a propósito
de um texto sobre Augusto de Campos (creio que digo bem) da autoria de Luis Dolhnikoff
e que despertou situações bravas...
Não vou referir-me ao
cerne da questão, pois só posso aquilatar pela rama.
Mas gostaria de dizer que essas polémicas, no
fundo, são produtoras de luz - uma vez que purgam os maus humores do que esteja
eventualmente errado, tendo em vista a existencia salubre.
Muito diferente é
o que se passa em Portugal, onde um
espesso manto de silêncio vem cobrindo tudo. Os donos da aparelhagem literária/literata
conseguiram criar por aqui um simulacro de "serenidade mansa e doce", em que não há sobressaltos nem
pendências. E os que acaso se atrevem a tentar dizer que algo está mal, que
alguns reis vão nus, são de pronto silenciados para que não causem danos
eventuais à "panelinha" a
que aludiu com perspicácia Eça de Queirós.
Aí haverá coisas
pouco amáveis. No entanto, aqui, caminha-se a passos
largos para um indubitável cripto-fascismo.
Com o selo da unanimidade e da falsa
cortesia!
Saudações do
nicolau saião
*(“SIBILA - revista de Cultura”,
é editada no Brasil e nos Estados Unidos e dirigida por um núcleo de autores e
professores tendo no lugar de topo o juiz de Direito e escritor Régis Bonvicino).
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