segunda-feira, 7 de maio de 2012

O Calcanhar de Aquiles (1)




Nicolau Saião, As coisas do mundo


…E ANDANDO (como diz a expressão vernácula)

   Todas as pessoas têm as suas armas de defesa – instintivas ou artilhadas mais ou menos adequadamente. Assim como aqueles animais que, carentes de genica ou de ferocidade, encenam truques de camuflagem, digamos, como sejam mudanças de cor, ruídos ou berros mais ou menos intempestivos, etc.

  Tudo para afastarem, ou manterem ao largo, os vigorosos sinais de perigo ou os actos expressos que os podem deixar em palpos de aranha.

  Também tenho tido, pela vida fora, os meus truques à semelhança desses referidos…

   Na esperança, muitas vezes perfurada, de manter adversários potenciais ou inimigos provados à distância conveniente. Uns têm pegado, outros nem tanto.

  Mas, como diria Mateus Pippebarem, “o que se há-de fazer, rai’s vos estrafeguem?”.

  E tinha razão o talentoso musicólogo e pensador.

  Como hoje, o que me vem já de há coisa duma semana, me sinto muito farto desta jiga-joga (refiro-me ao ambiente social, ao habitat que nos rodeia transversalmente, digamos assim com crueldade), bastante amarrotado em matéria de vivacidade varonil, baixo um pouco a guarda e vou ser sincero por uns minutos. E deus praza que nenhum proto-sacana, nesse ínterim, aproveite para me lixar ainda mais qu’ó que já estou. (Assim como assim, é uma vez sem exemplo e como se calhar ninguém vai reparar…alma até Almeida).

  Pois um dos meus truques é encenar que sou muito corajoso.

  Como fui dotado duma constituição robusta e duma expressão façanhuda, o que deu para ter andado no pugilismo com relativamente bons resultados (fui, como alguns de excepcional memória estarão lembrados, vice-campeão militar de meios-médios ligeiros, nos bons velhos tempos em que também havia bola, atletismo, equitação e esgrima), a coisa tem pegado…Muitos criaram-me um certo…medo – quando, se me têm batido o pé com temeridade, eu teria metido o rabo entre as pernas e batido em retirada!

  E o mesmo se diga no plano da escrita: tenho espingardeado certos verbos-de-encher, do Soares a operadores públicos do mesmo jaez, do antigo premier a certos poetinhas e escrevicadores da capital e da província, de protagonistas do pervertido sistema judicial a padralhada e afins…

  Tem ido tudo a eito!

   Mas mal os visados sabem que durante dias me torço todo por dentro.

   Chego a ter suores frios. E noites mal dormidas!

   Ou seja: temo e não é pouco que – apesar de eu não ter importância nenhuma, ser portanto fraco pitéu para os seus deles dentes acerados – haja o perigo dalgum dos ditos manguelas num dia de cólera eventual me tomar de ponta e, à guisa de dar o exemplo, me meter em trabalhos.

   Até que um tempinho passe, todo eu sou tremeliques.

   Este é um dos meus aspectos secretos.

   O outro é este: simular – mas nisto não serei original, dezenas para não dizer centenas de confrades publicistas, para além naturalmente dos manos da classe política, sofrerão da mesma circunstância – que me interesso muito pela coisa pública, pelo bem comum como usa dizer-se.

  Quando a verdade é que me estou urinando para o meu semelhante, para o vulgar cidadão que anda por cá a receber as benesses dos que nos têm, vão e continuarão a governar.

  (Eu sei que estou a desiludir um pouco a meia-dúzia que tinha por mim algum, digamos, apreço ou mesmo até admiração, mas hoje o dia – e um dia não são dias, pôça – é de total franqueza e frontalidade, ainda que isso fira para sempre a minha efígie).

  Aquilatem por estes exemplos: como consta que eu não gosto de hipócritas e de pachelgas, de falsos-irmãos demagogos e de pirretes, seria de esperar que eu tivesse ficado triste com a vitória do politicamente correcto Hollande, que soube ter a habilidade de fingir que vai pôr a França no caminho certo e ser uma lufada de ar fresco ante o já desbotado e cheio de tiques Sarkozy.

  Pois sim…

  E a verdade é que fiquei sadicamente contentíssimo!

  O parceiro e os seus parceiros vão, a meu ver, dar cabo da nação dos comedores de rãs (como os ingleses, tradicionais inimigos ontem como hoje, dizem com certeiro humor) num aninho ou coisa. Vai uma apostinha?

   Basta ver-se o gosto com que uma das câmaras de TV se deteve, por um largo instante, sobre um negro e duas moçoilas com o toutiço tapado e sorrindo com esmero, no meio de tanta gente. Não foi por acaso, acho eu.

  É uma indicação clara de que os amigalhaços de turbante e a futura larga onda de bem-vindos imigrantes terá da nova gerência fraternal acolhimento.

   O que mais tarde ou mais cedo dará nos boulevards grossa bernarda. Até já lambo os beiços…

   Também fiquei contente pela alegria do nosso estimado A.J.Seguro, pela outra do extenso grupo de como se costuma dizer adeptos de Sócrates e pela do excelso pai Soares, que mal deram os resultados foi de pronto filmado a colocar o punho no ar soltando ao mesmo tempo esta frase inspirada e reveladora: “E agora, à Bastilha!”.

  (Têm de concordar: para alguém com os pés para a cova - lagarto, lagarto – é ter-se muita coragem e espírito de combate, carago!).

  Já gostei menos do que houve na Grécia: fiquei triste porque ali os pasokas e outros papandreus ficaram de rabo ao léu. Mais uns meses e eles vingariam, escaqueirando definitivamente a Arcádia, os bárbaros que se fartaram de levar na tromba em Salamina, Termópilas, etc…Mas mesmo assim talvez não leve muito tempo.

   E, com a maldade que hoje me deixarão ter, uma pergunta sádica mas terna aqui deixo a pairar: será isto o princípio do fim em rota de encontro para o 2012 dos sacerdotes Maias?
  Olhem que eu não disse nada! Não me queiram mal!

  Fica com estima (tá bem, deixa…) o vosso et nunc et semper

5 comentários:

alf disse...

Uma característica interessante da classe média é o facto de usufruírem de um ordenado decente, que lhes permite ter uma casa decente, carro, direito a ir de férias para o estrangeiro, TVcabo, internet, telemóvel e o mais que alguém inventar para vender, andarem bem alimentados, fazerem a sua saída de fim de semana, irem ao teatro, ao cinema, ao concerto, ao bar, etc e isto tudo a troco de quê? O que é que estas pessoas dão à sociedade a troco do muito que dela recebem?

Alguns que eu conheço dão muito; mas são a excepção porque a generalidade tem um empregosito no Estado onde não faz quase nada nem podia fazer porque quase nada sabe fazer - mesmo os que se presumem muito cultos. Claro que eles não têm consciência do pouco que produzem, estão muito convencidos do contrário, mas isso é só mais uma evidência de como são limitados e nada merecedores das mordomias de que usufruem.

Isto é politicamente incorrecto, nada é mais perigoso do que criticar a classe média mas, na verdade, tenho para mim que aqui se encontram os verdadeiros parasitas da sociedade; porque vejamos: os muito ricos geram empresas, negócios, são a fonte de toda a produção; os pobres, os da classe baixa, os imigrantes, são a mão de obra, são os que constroem as casas, montam os carros, etc.; e os da classe média usufruem de uns e outros e queixam-se o tempo todo, apontam o dedo aos ricos porque são ricos, aos imigrantes porque querem viver à sua custa como se não fossem eles que vivem à custa dos outros.

para cínico, cínico e meio... abraço

Anónimo disse...

Bué de giro o artigo e um comentário criterioso. Incorrectos e criativos, yah.

Puto de Oeiras

Anónimo disse...

É verdade. Mas a classe média foi uma inevitabilidade da sociedade saída da belle époque, pseudo-democrática, é o cimento agregador que justifica os mandantes e entaipa os pobretanas. É a guarda pretoriana sem armas dos regimes modernos. Por isso é que os ditos comunistas, fascistas "de esquerda", tentaram ter uma classe média forte mas controlada. Não o conseguiram e foram para o camandro sem um tiro. Daí que essa classe média esteja a cair com a bendita crise e vá desaparecer, sendo isso o prólogo da inevitável mudança que já se vislumbra. Estejam atentos, cambada, o futuro é já ao virar da esquina (ao virar do ano).

Aldobaldo

Anónimo disse...

Soares é uma velha raposa política, experiente e perito em deitar abaixo quem não lhe agrade. Assim, com lucidez, temos de entender as palavras que disse a seguir, "o PS deve rasgar o tratado com a troika", pelo que realmente valem e querem dizer: dado que foi sempre um apoiante de Sócrates, uma espécie de seu "irmão espiritual", as suas palavras visam meter Seguro numa camisa de onze varas, fazendo-lhe uma ultrapassagem que cai como sopa no mel no sector dos incondicionais do ex-primeiro. Nem que tenha de escangalhar definitivamente o já delilitado PS. O núcleo duro "socialista" vive na esperança de que Sócrates volte, ele é o seu "abono de família", bem como dum sector parasita da classe média que o apoiou sempre.

Paulo Escoto

Anónimo disse...

Para se ver e saber com propriedade quem é psicologicamente, digamos, este Soares, leia-se o que dele, sem desmentidos, é dito no livro de André Coyné, editado por Lima de Freitas, "Sobre Portugal nestes tempos do fim". Ficar-se-á esclarecido perfeitamente.

LC