Caras/os
amigos/as e confrades
Numa
carta de 2007 endereçada ao autor de As Origens, livro com
que em 1971 iniciou a sua Obra que hoje conta 16 títulos de primeira água,
escrevi o seguinte: "C.Ronald é hoje por hoje um dos poetas que
verdadeiramente contam a nível mundial.(...) é um dos poucos no Brasil a quem
de facto assentaria bem o Nobel, entendendo-se por este galardão algo que seja
muito alto e muito sério".
Disse-o nessa altura numa carta e, depois, tive mesmo
o ensejo de o publicar tanto no Brasil como em França, na Argentina, em
Espanha, nos EUA e mesmo em Portugal. Numa dessas vezes recordei a ocasião
em que, sendo um devotado leitor da biblioteca Calouste Gulbenkian, contactei
pela primeira vez com alguns poemas seus - os únicos que durante muito
tempo estiveram editados em Portugal - inseridos numa antologia de poetas
brasileiros contemporâneos arrolada por autor luso.
Ultimamente, pela mão da Bernúncia Editora (Florianópolis, Estado de Santa
Catarina) saíu a colectânea Bichos procuram buracos em paredes brancas,
tomo de quase 500 páginas abrangendo poesia, teatro e textos de grandes
autores mundiais traduzidos por CR, que recebeu na Revista do TriploV nº 31 um
magnífico ensaio de Maria Estela Guedes, sucedendo-se a um outro, também
esclarecedor e certeiro, da autoria de Renato Suttana dado a lume no nº 17 da
mesma e num dos números da Agulha, a justamente conceituada revista que
recebeu o Prémio António Bento por ter sido num dos anos o mais importante
veículo cultural do país irmão.
Na
colectânea, em apresentação inserida numa das badanas (orelhas), diz
Ledo Ivo (outro nobelizável por razões justificadas e considerado autor
"essencial" pela Academia Brasileira de Letras: "Caro
amigo e poeta C.Ronald - Foi numa casa rodeada de florestas e montanhas
que li o seu "Caro Rimbaud". Foi num espaço de silêncio, longe de
qualquer rumor, que ouvi a sua voz, e mais uma vez aplaudi a sua poesia
misteriosa, distanciada dos lirismos correntes, e que é como um estremecimento
do Absoluto. Um grande abraço do seu amigo e leitor, Ledo Ivo".
Ora,
anteontem chegou-me do outro lado do mar um exemplar do catálogo da
Exposição de escultura e pintura que o governo do Estado de Santa
Catarina, por meio da secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte e da
Fundação Catarinense de Cultura, em conjunto com o artista, levou a efeito no
Museu de Arte de Santa Catarina.
Dele
extraio 3 quadros, além da introdução, e aqui os dou em anexo. E deixo
igualmente dois poemas que retirei da sua vasta Obra.
Por
último, resta-me dizer: também no Catálogo é referido que, num arroubo de justa
lucidez e justo apreço, um grupo de personalidades da cultura brasileira
tem estado finalmente a propor C.Ronald para o Prémio Nobel. E este ficaria
nobilitado - tal como ficou quando foi atribuído a Czeslaw Milosz, Juan
Ramón Giménez, Jean Marie le Clézio, Thomas Mann ou Wieslawa Symborska,
entre alguns outros mais.
Que
tenham um bom fim de semana, com muita paz e o comprazimento possível nestes
tempos infaustos, é o que vos desejo com o proverbial abrqs.
Retrato de família
Pais e filhos agrupam-se para a pose. Tamanho
é o sentido da permanência que o que vem de trás
perde-se na rapidez do flash. Ali, o sorriso
não faz barulho nos olhos, o detalhe suficiente
do que vivemos dá nome igual ao perdido.
Nenhum destino aparece inteiro. O mundo força
a estátua sobre aquilo que perece. Flores e regatos
são anos de alegria própria e a história da casa aberta
fixa o termo do reconhecimento por tudo que já
passou. Eis a foto. A soma dos anónimos
para alguém distante. Um cachorro sem consciência
aos pés dessa criança é a pura imagem da afeição.
Ela houve. Continua ainda e pode ser mais que o homem.
Morrer
imitando o teu jeito de morrer
é
possível se no meu corpo trago o teu encanto
Horas
oblíquas do fim que surge da sombra
familiar
abaixo do anjo prematuro e veemente
Tudo
pode voltar e dar nome ao que senti sempre
A
solidão virá modificada e a ausência não será
a
mesma nem as coisas dadas por engano
Morrer
no teu silêncio amando essa conjunção
que
não havia ainda dentro ou fora do tempo
A
terra tornou-se outra vez o sentido diferente
do
teu corpo submisso ao meu tormento
Que
coragem para resistir e emboscar a existência
Afortunada
representação do lado novo e antigo
dos
sentidos com a inocência feita por si mesma
Mas
haja memória na galeria humana dos descrentes
que
tudo oferece de mal ou bem no pior silêncio.
in Ocasional Glup
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