Na presença de mais uma “luta”
de estivadores, recordei os velhos tempos em que a “gloriosa classe”
travava uma “incessante luta contra o patronato reaccionário e
explorador”.
À memória já me vão faltando pormenores, mas a coisa
começou por alturas do glorioso PREC. Os estivadores, classe oprimida,
encarregue da carga (para bordo) da produção da indústria exploradora do
braço do operário, enceta uma luta que os levou aos píncaros do
socialismo, aquele que fez do garboso “detentor da força de trabalho” um
exemplo para os vivos de todo o mundo e, até, talvez, para os mortos.
Se bem me recordo a coisa começou com a “carga suja”.
Carga suja era toda aquela susceptível de sujar as mãos do operário. A
carga suja, coisa pestilenta, justificava um pagamento condigno. Ora
bem, mesmo que de tambores de azeite se tratasse e mesmo que estivesse
bem fechado, um gancho* bem aplicado ao tambor ou o rolar deste sobre um
pequeno objecto provocava o derrame e ... o condigno pagamento.
As cenas de derrame sucediam-se de tal forma que as
companhias de navegação começaram a pagar carga suja mesmo que de
chuchas se tratasse. Limpa ou suja, qualquer carga, se não sujasse em
suja se tornava.
As conquistas do 25 de Abril iam por aquelas bandas de
vento em poupa e ao mais pequeno estrebuchar do patronato reaccionário a
greve era afinfada como carimbo de despacho do capitalismo para as
abissais fossas do terror cósmico.
Qualquer tentativa de evitar a “justa luta da classe”
esbarrava não só com o mais variado vandalismo sobre as cargas como
novas e inovadoras reivindicações.
Para além de aumentos salariais em flecha, exigências de
exclusividade em cada vez mais tipos de operação eram transformadas em
conquista atrás de conquista. Pouco a pouco as conquistas eram tantas
que já nem valia a pena assumir a conquista. Por exemplo, qualquer
operação de trasfega de combustível implicava um terno de estivadores
que, rapidamente, deixaram de lá por os pés. Evidentemente que de
combustível nada percebiam e os tripulantes dos navios e os fornecedores
de combustível asseguravam o serviço não querendo, aliás, ver
estivadores sequer a meter o nariz naquele assunto. “Conquista”
garantida, estivadores a milhas ... com o vil metal no bolso tilintando.
Mordomia atrás de mordomia, eis chegado o momento da
estocada final na submissão do explorado face ao explorador, sendo
instituída uma espécie de outsourcing de estiva em que cada estivador,
ancorado a um “posto de trabalho” vitalício, sub-contratava a um preço
irrisório a execução do que lhe competia.
E era, se a memória me não falha, ali para os lados do
Jardim de Tabaco que bichas se organizavam em busca do trabalho de
estiva ... por interposto “estivador”. Era o triunfo dos porcos e o
momento em que o socialismo real, aquele em que sendo todos iguais
alguns eram mais iguais que os outros, se afirmava resplandecentemente.
A coisa foi continuando, o Porto de Lisboa foi-se
afundando e uns anos mais tarde, com a maioria dos armadores a impor
outras rotas menos “progressistas”, um governo qualquer mandou tudo
aquilo às urtigas atirando à cloaca da cidade os porcos, os sindicais
mastins e o socialismo.
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* Suponho que tinha outro nome mas não me recordo.
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