terça-feira, 5 de junho de 2012

ALGUNS POETAS BRASILEIROS (2)




DUAS PALAVRAS SOBRE FLORIANO MARTINS

  Nestes poemas de FM sente-se pairar a sombra de Arshile Gorky. Ou melhor, talvez: FM revisita esse grande pintor excursionando pela sua própria rota interior, a que possui os sinais de um país transterreno. O Arshile Gorky das noites e das manhãs onde as coisas e os seres, os objectos e os espíritos bem materiais cobram a sua figura mais real e exacta. Assim, é natural que ali também  esteja Milton e todos os seus paraísos achados e perdidos.

  Está ali a escrita, que é signo maior lavrado nas paredes de um amor deliberadamente posto em equação. E está ali a interrogação do homem que escreve. Por isso também Prometeu ali comparece - esse Prometeu que Gorky encenou nos seus quadros diurnos, pois que o fogo da sabedoria ele o acalentava a cada pincelada, a cada retrocesso, a cada nova inflexão.

  Arshile Gorky, Milton, Prometeu: o mistério das coisas e dos seres, a sua representação virtual e a chegada ao conhecimento. Ou pelo menos à  busca do conhecimento - como claramente acontece nestes poemas de memórias e de presenças e de sangue espiritual, secretos e luminosos, do poeta sem jaça que é Floriano Martins.


                                    TRÊS POEMAS





O TABELIÃO

Um nome para as partes de teu corpo que emitem fogo,
outro para o rosto que se guarda de tais chamas.
Um nome que seja para o guia de tuas pernas flutuantes,
e outro mais para os campos que evitam tua morada.
Todos estarão felizes com seus nomes. Uns com mais de um,
outros a ponto de perdê-lo. O nome os torna quase perfeitos.
Aponta-me um deus sem nome e disto me encarrego.
Serão belos ou tristes, enfaixados ou traídos pela corte,
violentos ou angustiados. Há os que se sentem únicos
e julgam-se renascidos a cada vez que o nome é pronunciado.
Mesmo sendo iguais, os nomes também são distintos.
Distribuo-os carregados de ilusões. Fábulas ou decretos,
rubrica de tudo o que somos ou rejeitamos. Não te protege
o inferno do nome certo, traje com que entras em cena.






OS MISERÁVEIS TORMENTOS DA LINGUAGEM E AS SEDUÇÕES DO INFERNO NOS INSTANTES TRÁGICOS DO AMOR DE BARBUS & LOZNA | 3.

Os amores expõem sua nudez sob a luz do tempo, afiam suas páginas com um indestrutível ardor, ninguém pode julgar ou condenar o amor, a figueira sagrada de seus rituais, o latejo selvagem do universo, os lauréis do absoluto, ninguém pode tramar contra a pele do amor, a assombrosa claridade de seus desdobramentos e prejuízos, mesmo na vastidão de suas ruínas há um sentido de larga intempérie, uma diferença diante da morte, um brilho que fixa a astúcia do acaso, onde o esplendor do tempo é uma vertigem porém não o declínio absoluto, onde a memória é uma transparência do futuro, onde o mistério é um decifrar escuridões, a imagem de uns olhos refletida no próprio instante de seu desvanecimento, os amantes vão cobrindo o torvelinho de seus desastres passionais, os desenraizamentos de suas visões e o arroubo do esquecimento, enquanto apenas o vento sopra e o amor persiste.






ENTRADAS INVISÍVEIS | 5.

Meu pai envelhecido diante do fogo,
árvore não mais guardada em tremores.
Oh doce treva, tua idade se extingue
para sempre? Que obscuro cântico
afasta o homem do júbilo de sua morte?
Terra e homem diante do fogo, névoa
a voz das cinzas. A língua não pode
conter sua imagem derramada em cal.
Meu pai, com seu pesado corpo alheio
ao tempo, parece haver desnudado
o inferno, aprendido as palavras com que
se faz o abismo descarnar. Rodeado
por ávida quietude, o fogo, eterno súdito
de impiedades, rege o olhar do morto.

                                                                                
Nota 1 – FM: poeta, tradutor, ensaísta, operador cultural no sentido mais salubre do termo, tem presença marcada nas Américas e na Europa. Foi o curador da Bienal do Ceará (Fortaleza, 2008) e orientou seminários nos EUA. O seu poemário “Alma em chamas”, publicado em 1998, temo-lo como um dos melhores livros dados a lume no Brasil nos últimos 20 anos.

Nota 2 - As máscaras que encimam cada um dos poemas fazem parte de uma recente exposição feita no seu país pelo autor.

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