sábado, 16 de junho de 2012

ALGUNS POETAS BRASILEIROS (3) - PINHÕES PARA O FIM-DE-SEMANA



 Conforme o convite anexo (que mais servirá, ou exactamente servirá, para um contacto com a Autora e o evento, pois não será viável a viagem - mas que bom seria dispormos de um flying saucer para deslocações super rápidas, neste caso a Fortaleza, cidade que vos atesto ser uma delícia à beira do mar...

 Aqui vos deixo, para uma leve degustação, dois poemas da Aíla (que em Julho estará de visita a Lisboa, depois rumando a Paris) bem assim como o texto que lhe dediquei e inserido numa "orelha" do volume.
 E que tenham um muito bom fim-de-semana é o que vos deseja, com os habituais e cordiais abrqs e bjh, o vosso
n.



Silêncio antigo


 Há sempre uma casa
com seu silêncio antigo
e seus conhecidos fantasmas
a nos habitar.
Há sempre a memória
de um amor interdito,
a dar a ilusão
de que a felicidade está
apenas
no que poderia ter sido.

O tempo vivido desliza,
guardando abismos que
devoram a carne do tempo.
O que nos pertence
é apenas o presente
e a certeza de que
eterno
é somente o que não se realiza.




A cidade me esconde
entre ruas e esquinas,
perdida em mim
como suas avenidas
entre semáforos e arranha-céus.

Não sabe do mundo inteiro
que dorme
quando fecho os olhos
nem que suas ruas e casas
são apenas artérias de um corpo
onde a geografia
não dimensionou mapas.

A cidade me esconde
sob suas luzes
e não percebe
nos subterrâneos abismos
dos meus olhos,
um coração que pulsa
e é maior que ela.




 "Aila Sampaio, poetisa de corpo inteiro, olha – contempla, considera, vê – para depois as descrever, as vias pelas quais o grande segredo do mundo e da vida vem até ao universo do poeta.

 Ele pertence a todos os humanos, mas acontece que pelas razões da existência, que são um pouco misteriosas, só alguns o conseguem fazer viver. Fazer viver mediante a escrita, que muitos cultivam mas nem todos alcançam na sua justa dimensão.

  Há nessa escrita, que é um continente muito real, uma parte de naturalidade e outra de estranheza – e ambas se unem ou se fundem na matéria específica que são os poemas. O poeta é simultaneamente o demiurgo e o humano demasiado humano que atravessa tanto os lugares de dor como os de alegria completa. Daí que enquanto hacedor (hacedora, neste caso) ele faça comparecer naquilo que as palavras, a escrita, lhe dão, todas as certezas e todas as dúvidas, que é essa a busca que aos verdadeiros poetas fundamenta.

   No caso presente, a exposição dos sentimentos mais íntimos, os grandes haustos dum silencio comparticipativo e duma voz que por íntimo pudor se coloca numa penumbra tanto quanto se revela nos seus momentos de felicidade e lume, é a substancia e a matéria duma comoção, pois que é dado ao poeta falar, mas não falar para que tudo continue na mesma e sim porque o que se procura é uma transfiguração. Da vida, da existência de quem escreve e, por último, de quem lê, o universo desses potenciais leitores para que aponta o desejo de permanência que é o que certifica a Poesia que existe para valer. E assim se entende que em Aíla Sampaio, como em todos os verdadeiros poetas, os poemas não são um álibi, uma estratégia de domínio ou de afirmação mundana, uma arma para estabelecer poderes espúrios, mas sim uma aposta fremente na vida que lhe foi dado viver.

  Duma forma que tenho por íntima e solene, mas doada, a autora deste livro expõe-se tanto quanto nos expõe a nós. Porque, ao sermos assim leitores, irmanamo-nos na sua conquista de mais luz – essa luz com que os poemas, pequenas fogueiras brilhando na negrura dos tempos, afixam a sua transmutação, a sua fome de beleza e a sua certeza dum futuro encontrado.

 Arronches, Casa da Muralha, em Abril 

  ns"                       



1 comentário:

RioD'oiro disse...

Qualquer dia pego num desses poemas e faço-lhe uma surpresa. Assim o engenho e arte me ajudam.