Conforme o
convite anexo (que mais servirá, ou exactamente servirá, para um contacto com a
Autora e o evento, pois não será viável a viagem - mas que bom seria dispormos
de um flying saucer para deslocações super rápidas, neste caso a
Fortaleza, cidade que vos atesto ser uma delícia à beira do mar...
Aqui vos
deixo, para uma leve degustação, dois poemas da Aíla (que em Julho estará
de visita a Lisboa, depois rumando a Paris) bem assim como o texto que lhe
dediquei e inserido numa "orelha" do volume.
E que
tenham um muito bom fim-de-semana é o que vos deseja, com os habituais e
cordiais abrqs e bjh, o vosso
n.
Silêncio antigo
Há sempre uma casa
com seu silêncio antigo
e seus conhecidos fantasmas
com seu silêncio antigo
e seus conhecidos fantasmas
a nos habitar.
Há sempre a memória
Há sempre a memória
de um amor interdito,
a dar a ilusão
de que a felicidade está
a dar a ilusão
de que a felicidade está
apenas
no que poderia ter sido.
O tempo vivido desliza,
O tempo vivido desliza,
guardando abismos que
devoram a carne do tempo.
O que nos pertence
é apenas o presente
e a certeza de que
eterno
é somente o que não se realiza.
é somente o que não se realiza.
A cidade me esconde
entre ruas e esquinas,
perdida em mim
como suas avenidas
entre semáforos e arranha-céus.
Não sabe do mundo inteiro
que dorme
quando fecho os olhos
nem que suas ruas e casas
são apenas artérias de um corpo
onde a geografia
não dimensionou mapas.
A cidade me esconde
sob suas luzes
e não percebe
nos subterrâneos abismos
dos meus olhos,
um coração que pulsa
e é maior que ela.
entre ruas e esquinas,
perdida em mim
como suas avenidas
entre semáforos e arranha-céus.
Não sabe do mundo inteiro
que dorme
quando fecho os olhos
nem que suas ruas e casas
são apenas artérias de um corpo
onde a geografia
não dimensionou mapas.
A cidade me esconde
sob suas luzes
e não percebe
nos subterrâneos abismos
dos meus olhos,
um coração que pulsa
e é maior que ela.
"Aila
Sampaio, poetisa de corpo inteiro, olha – contempla, considera, vê – para
depois as descrever, as vias pelas quais o grande segredo do mundo e da vida
vem até ao universo do poeta.
Ele
pertence a todos os humanos, mas acontece que pelas razões da existência, que
são um pouco misteriosas, só alguns o conseguem fazer viver. Fazer viver
mediante a escrita, que muitos cultivam mas nem todos alcançam na sua justa
dimensão.
Há nessa escrita,
que é um continente muito real, uma parte de naturalidade e outra de estranheza
– e ambas se unem ou se fundem na matéria específica que são os poemas. O poeta
é simultaneamente o demiurgo e o humano demasiado humano que atravessa tanto os
lugares de dor como os de alegria completa. Daí que enquanto hacedor
(hacedora, neste caso) ele faça comparecer naquilo que as palavras, a escrita,
lhe dão, todas as certezas e todas as dúvidas, que é essa a busca que aos
verdadeiros poetas fundamenta.
No
caso presente, a exposição dos sentimentos mais íntimos, os grandes haustos dum
silencio comparticipativo e duma voz que por íntimo pudor se coloca numa
penumbra tanto quanto se revela nos seus momentos de felicidade e lume, é a
substancia e a matéria duma comoção, pois que é dado ao poeta falar, mas
não falar para que tudo continue na mesma e sim porque o que se procura é uma transfiguração.
Da vida, da existência de quem escreve e, por último, de quem lê, o universo
desses potenciais leitores para que aponta o desejo de permanência que é o que
certifica a Poesia que existe para valer. E assim se entende que em Aíla
Sampaio, como em todos os verdadeiros poetas, os poemas não são um álibi, uma
estratégia de domínio ou de afirmação mundana, uma arma para estabelecer
poderes espúrios, mas sim uma aposta fremente na vida que lhe foi dado viver.
Duma
forma que tenho por íntima e solene, mas doada, a autora deste livro expõe-se
tanto quanto nos expõe a nós. Porque, ao sermos assim leitores, irmanamo-nos na
sua conquista de mais luz – essa luz com que os poemas, pequenas fogueiras
brilhando na negrura dos tempos, afixam a sua transmutação, a sua fome de
beleza e a sua certeza dum futuro encontrado.
Arronches,
Casa da Muralha, em Abril
1 comentário:
Qualquer dia pego num desses poemas e faço-lhe uma surpresa. Assim o engenho e arte me ajudam.
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