segunda-feira, 25 de junho de 2012

O Egipto e a Irmandade Muçulmana

A Irmandade Muçulmana é o grande vencedor da chamada Primavera Árabe, tendo-se instalado, ou estando prestes a instalar-se, no poder dos mais importantes países sunitas, ao mesmo tempo que desafia e ameaça seriamente  a estratégia de poder dos xiitas iranianos, em países como a Síria e o Líbano.

No Egipto, o mais importante país árabe, a Irmandade tem jogado o jogo dos tronos com implacável e esclarecida mestria.
Começou por manter um notável low profile nas manifestações do início de 2011, usando os revolucionários laicos como testas de ferro, para se ver livre de Mubarak e enfraquecer o regime militar. 
A ausência da IM da praça Tharir teve inclusivamente o mérito de manipular os chamados "idiotas úteis" da esquerda ocidental, que, como Sartre no Portugal de 1975, apenas viram o horizonte cor de rosa de uma  nova era prenhe de chavões como "paz", "liberdade", "democracia", etc, etc. Muita gente se entusiasmou com a magnífica Revolução egípcia e era patente, nas análises dos media e até de alguns políticos, com a Administração Obama à cabeça, a  crença cega de que o que aí vinha era uma democracia moderna, feita com gente do Facebook e do Google, arejada e moderna, um equivalente local das ocidentais Gerações X e  Y.

A IM, a mais bem organizada força social egípcia, não teve qualquer dificuldade, nas eleições de Março de 2011, em ganhar naturalmente a maioria dos assentos na Assembleia Constituinte encarregada de redigir a nova Constituição.

Quatro meses depois, em Julho de 2011, na manifestação intitulada "Sexta-Feira da Sharia",  quem estava em massa na Praça Tharir, já não eram os ingénuos revolucionários do Facebook, mas os barbudos e confiantes islamistas, a exigir, já não o fim de Mubarak, mas a imposição da sharia

A luta entre islamistas e secularistas é, foi desigual. Os primeiros têm um  visão do que querem, os segundos só sabem o que não querem.

Os primeiros querem, no Egipto um estado islâmico, regido pela sharia,  e, à la longue, islamizar o mundo (o proclamado objectivo último da Irmandade); os segundos eram apenas contra a repressão, Mubarak e o regime militar.

Mas "ser do contra", nunca foi programa político, apenas bandeira para acção. "Ser do contra" é contrapoder, não é poder. Serve para destruir, não para construir.

A IM, tendo uma visão clara do que pretendia, não hesitou em aliar-se aos secularistas quando lhe foi conveniente, em proferir declarações apaziguadoras, quando precisam do apoio ocidental, e em abraçar o formalismo democrático, quando lhes interessa. Como dizia Erdogan, o 1º Ministro turco, que preside à paulatina islamização do estado turco,  "a democracia é como um autocarro, quando chegas ao teu destino, sais".


Ganha facilmente a guerra aos secularistas, o confronto final é com os militares. As Forças Armadas são a outra grande organização egípcia e as chefias têm, de um modo geral, uma visão do Egipto bastante mais moderna e liberal do que a IM. Muitas delas frequentaram cursos no Ocidente e olham para a perspectiva islamizante como um regresso ao passado. Para além disso, dominam um enorme e lucrativo conglomerado económico-militar.

Os militares são um adversário mais forte que os naives secularistas, e podem aguentar uma luta mais prolongada mas, a  prazo, estão também condenados.


Na semana passada, sabendo já que a IM muçulmana ia eleger o Presidente, vibraram o 1º golpe, levando o Supremo a dissolver o parlamento e assegurando que a Junta Militar mantém o controlo do país.

No fundo trata-se de seguir o livro de instruções do velho Kemal  Ataturk , assegurando que os militares se mantém no comando do processo.

O problema é que a tese de Ataturk falhou. Na Turquia, assim que os islamistas alcançaram o poder, o controlo militar ( e judicial) foi paulatinamente erodido  e, no final, completamente destruído. Os islamistas prenderam metade das chefias militares, dos juizes e centenas de jornalistas e, dominando estes poderes, instalaram neles os seus partidários. 
A Turquia é hoje um estado crescentemente islamizado, onde o islamismo domina inapelavelmente.

No Egipto, a força actual da Instituição Militar é bem menor do que a sua equivalente turca de há 10 anos e parece ter ainda menos vontade de usar a força bruta, o único argumento que poderia colocar em cheque os planos da IM.

Para além disso, o Ocidente tende a encarar a tutela militar como um mal em si, reagindo como numa espécie de reflexo pavloviano que inibe uma pragmática ponderação de vantagens e inconvenientes. É esta atitude cega que explica a quase imediata retirada de apoio a MUbarak, um ditador militar, mas um aliado, em confronto  com o poder bem mais retrógrado, repressivo e hostil da IM.

Assim sendo, as recentes acções do poder militar, longe de serem uma afirmação de poder, são, efectivamente, um esbracejar de fraqueza.

Os militares sentem que o tempo corre contra eles.
A IM não irá entrar em confrontação aberta, tal como os islamistas turcos o não fizeram. Irá apenas  erodir progressivamente o poder militar, alfinetá-lo, deslegitimizá-lo, constituindo gradualmente uma base de poder que lhe permitirá, a prazo, fazer o que Erdogan fez na Turquia.

No que respeita às relações externas, a IM tem igualmente uma visão (islamizar o mundo, seguindo a injunção corânica) e irá obviamente prossegui-la.  O Ocidente é um inimigo a prazo e Israel, logo ali ao lado, um inimigo  a tempo inteiro.
A confrontação com Israel é inevitável, mesmo que não seja imediata. O que será imediata é a escalada dos ataques a Israel a partir do Sinai,  a total cooperação com o Hamas, ele mesmo um ramo da IM, etc.
O Tratado de Paz será, paulatinamente, um mero pedaço de papel que, aliás, a IM já declarou pretender submeter a referendo e/ou renegociar.

Os militares não irão opôr-se a isto. Na tentativa de manter o seu poder, seria um erro trágico ir contra o forte sentimento popular anti-israelita, tanto mais que isso não lhes iria granjear qualquer apoio ocidental, uma vez que a estranha aposta dos líderes ocidentais, particularmente da Administração Obama, é na (táctica)  moderação da IM.

A mesma IM que está já implantada nos EUA e em cujos documentos internos, apreendidos há algum tempo nos EUA, consta como objectivo, "destruir a civilização ocidental a partir de dentro".


E já se sabe que quem com o diabo se deita, com o diabo amanhece.

7 comentários:

RioD'oiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Muito bom este artigo de José do Carmo. Explica na perfeição esta coisa simples e evidente que os idiotas úteis, instalados por exemplo no Observatório de Segurança, hoje liderado por um pró-arabe muito suave,fingem que não percebem: que há gente, vizinhos de ao pé da porta, que ajudam os islamitas nesta coisa eficaz, tomarem conta do mundo. E os idiotas úteis já o não são, de facto, são aliados objectivos dos que querem impor o Califado. E já nem se desculpam com o chavão de que quem falava em Califado era apenas adepto das teorias da conspiração. Não, já passaram a uma fase seguinte: mostrarem-se bons meninos para que os Erdogans e os ditos moderados lhes dêem uma fatia do bolo ou, no mínimo, que os consintam na barca. Tal como os conservadores fizeram na Alemanha pré-Hitler, quando pensaram que o Adolfo os ia poupar. Verão o que os espera.

Alfredo Bairrão

Manuel Graça disse...

Bem-vindo.

Excelente post.

Chapelada.

Joaquim Simões disse...

O texto certo, na altura certa.
Boa estreia.

José Gonsalo disse...

Bem vindo. E não perca o hábito :)

Anónimo disse...

O ocidente, se não abrir os olhos e puser no seu lugar os que colaboram impressamente com os muçulmanos sedentos de poder mundial, acabará mal. Numa guerra, inevitável nessa circunstancia. Que Deus nos defenda disso, mas defendamo-nos também nós, mortais.

Orlando Pereira

Anónimo disse...

Seja bem-vindo José Carmo, com o seu sentido das coisas e a sua lúcida maneira de escrever. Todas as vozes dignas são bem-vindas aqui, agora que os Rodrigues surripiadores continuam no seu posto rapador e os zés tós seguem sendo uns inúteis a prazo.
Um forte shake-hands quase marcial!

ns