segunda-feira, 18 de junho de 2012

UM POUCO DE PARAÍSO (5) - Para começar bem a semana





Dois poemas e dois quadros de João Garção:









ABECEDÁRIO

Vá, não entres aí
Isso é um advérbio de modo
E embora te pareça um particípio passado
é um adjectivo e às vezes um presente.

Fica parado à saída: está a chover
Dentro dessa frase quem anda ao sol molha-se muito
É um discurso idiomático e por isso
onde está o prenome é o substantivo.

Junta-te ao ponto e vírgula. Custa menos
do que escrever com pontinhos nos ís
quando as reticências nos confundem
com exclamações   ou verbos no futuro.

Os conjuntivos na oração nunca se entendem:
e por isso, dizem, é que os agás são mudos.











SENTIMENTO

A água está parada, muito quieta no meio da noite.
E é preciso perguntar-lhe: és água de um rio?
És água dum mar? És água dentro dum copo
sobre uma mesa muito antiga e sonhada?
És água para um cavalo beber? Para um cão se banhar?
Para um homem e uma criança se lavarem ao relento?
Para uma mulher, para um gato, para um lobo?

E a água talvez não te responda. Nunca te responda.
Ou te responda tarde de mais. Ou nem sequer te ouça.

Mas tu pergunta. Pergunta e espera pela resposta.
Mesmo que os minutos passem entre ti e a água.
E devagar uma silhueta se desloque
e depois se detenha no meio das árvores imóveis.





*


Poeta, pintor, ensaísta e professor. Natural de Portalegre (1968) onde fez os primeiros estudos. Foi futebolista profissional (guarda-redes) na primodivisionária Académica de Coimbra. Licenciado em História da Arte e Mestre em História Contemporânea de Portugal (Coimbra), foi depois presidente da Direcção e é professor do Instituto Superior de Ciências Educativas de Felgueiras. Poemas e textos seus integram diversas antologias poéticas e plásticas. É colaborador de importantes órgãos artísticos nacionais e internacionais e tem participado em exposições de pintura em Portugal e no estrangeiro.  Organizou a exposição internacional de mail art “O Futebol” (Coimbra).
  Especialista em teoria artística e arte aplicada, proferiu conferências e publicou artigos sobre Educação, Arte, Ética e Política em jornais e revistas da especialidade. Colaborador de “Agulha”, “TriploV”, “SIBILA”, “DiVersos”, “Bicicleta” e “Jornal de Poesia”. Autor de “Os versos do Zé Povão”, de “Contos do centro do meio” e de “Raul Proença, escritor e cidadão republicano”.
  Vive em Guimarães.

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