Dois poemas e dois quadros de João Garção:
ABECEDÁRIO
Vá,
não entres aí
Isso
é um advérbio de modo
E
embora te pareça um particípio passado
é um
adjectivo e às vezes um presente.
Fica
parado à saída: está a chover
Dentro
dessa frase quem anda ao sol molha-se muito
É um
discurso idiomático e por isso
onde
está o prenome é o substantivo.
Junta-te
ao ponto e vírgula. Custa menos
do que
escrever com pontinhos nos ís
quando
as reticências nos confundem
com
exclamações ou verbos no futuro.
Os
conjuntivos na oração nunca se entendem:
e
por isso, dizem, é que os agás são mudos.
SENTIMENTO
A
água está parada, muito quieta no meio da noite.
E é
preciso perguntar-lhe: és água de um rio?
És
água dum mar? És água dentro dum copo
sobre
uma mesa muito antiga e sonhada?
És
água para um cavalo beber? Para um cão se banhar?
Para
um homem e uma criança se lavarem ao relento?
Para
uma mulher, para um gato, para um lobo?
E a
água talvez não te responda. Nunca te responda.
Ou
te responda tarde de mais. Ou nem sequer te ouça.
Mas
tu pergunta. Pergunta e espera pela resposta.
Mesmo
que os minutos passem entre ti e a água.
E
devagar uma silhueta se desloque
e
depois se detenha no meio das árvores imóveis.
Poeta, pintor, ensaísta e professor. Natural de Portalegre
(1968) onde fez os primeiros estudos. Foi futebolista profissional
(guarda-redes) na primodivisionária Académica de Coimbra. Licenciado em
História da Arte e Mestre em História Contemporânea de Portugal (Coimbra), foi
depois presidente da Direcção e é professor do Instituto Superior de Ciências
Educativas de Felgueiras. Poemas e textos seus integram diversas antologias
poéticas e plásticas. É colaborador de importantes órgãos artísticos nacionais
e internacionais e tem participado em exposições de pintura em Portugal e no
estrangeiro. Organizou a exposição
internacional de mail art “O Futebol” (Coimbra).
Especialista
em teoria artística e arte aplicada, proferiu conferências e publicou artigos
sobre Educação, Arte, Ética e Política em jornais e revistas da especialidade.
Colaborador de “Agulha”, “TriploV”, “SIBILA”, “DiVersos”, “Bicicleta” e “Jornal
de Poesia”. Autor de “Os versos do Zé Povão”, de “Contos do centro do meio” e
de “Raul Proença, escritor e cidadão republicano”.
Vive em
Guimarães.
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