Nicolau Saião, Panda sedutor
É este o título deste texto de Nuno Rebocho, que me foi enviado por ele mesmo:
Acompanhava, com uma caravana de jornalista, o
então Primeiro-Ministro de Portugal, Mário Soares, à Alemanha Federal, quando -
pela vez primeira e única – comi lagosta a bordo de um avião. Que o Marócas
(assim lhe chamávamos, numa mistura de amor e ódio) gostava de se dar a estas
grandezas de novo-riquismo… Dessa feita, ia ele a convite da Fundação
Friederich Erbert para perorar em Bad Godesberg que os dólares investidos pelos
alemães na fundação e apoio do PS não tinham corrido em vão e valeram a pena:
os socialistas portugueses ditavam cartas então na Europa e tinham assumido o
poder em Portugal. Corria o ano de 1985, se a memória não me atraiçoa.
Que era luzida a comitiva portuguesa. Estavam o
Batista Bastos, o Fernando Assis Pacheco, o Fernando Rosas, e muita outra gente
que no momento não recordo. E estava eu. Suponho que na Alemanha se juntou a
nós o Hernâni Santos. Aterrámos em Koln (Colónia), fomos para Bona, onde
ficámos hospedados, e daí seguimos para Bad Godesberg.
Para diversão nossa, Mário Soares foi-se libertando
amiúde das normas protocolares, o que deixava em desespero os rigorosos
alemães. Metia-se com gente em público, desprezava os seguranças, despertava o
pânico nas germânicas fileiras. Mas lá ia levando a água ao seu moinho,
vendendo a imagem de que os “afilhados” lusitanos se tinham transformado em
grandes senhores e estavam ali para ensinar às gentes, industriando os antigos
suseranos na arte de ter sucesso. Impávamos! Sentíamo-nos grandiosos e
encarregámos o insuspeito BB de discursar a nossa gratidão ao Marócas, o que
fez.
Ele tinha destas coisas. Lembro-me de um Dez de
Junho em Portalegre, em que relegou para segundo plano uma monumental bebedeira
do Vasco da Gama Fernandes, então Presidente da Assembleia da República, que –
de grão na asa – se pusera a reger a banda que engalanava a cooperativa de
Fortios: Mário Soares, Primeiro-Ministro, abeirou-se, retirou-lhe o chapéu de
chefe da banda e enterrou-o na cabeça. De batuta em punho, pôs-se a reger os
músicos.
Foi nessa altura que conheci mestre Javigas, de
Portalegre, de quem me tornei amigo. Javigas tinha um grave defeito – volta não
volta, enfrascava-se, perdendo então a noção de quanto fazia. Foi numa situação
dessas que lhe dei três colmeias para ele me fazer o favor de as colocar no
alto da Serra S. Mamede. Em má hora o fiz. O amigo Javigas colocou as colmeias,
lá isso colocou, tal como eu lhe pedira, mas estava de tal maneira bêbado que
esqueceu onde as colocara. Assim se esfumaram as minhas ambições em me fazer
apicultor.
Voltando a tal ida a Alemanha, que ficou pintalgada
de incidentes. Por exemplo, sofria eu de enxaquecas – horríveis dores de cabeça
provocadas pela sinusite. A viagem de avião ocasionara que a maleita fizesse das
suas. O problema é que varrera-se da memória o alemão que aprendera no liceu.
Então, como se dizia “farmácia” naquela língua de trapos? Resolvi sair do
hotel, o Am Tuppenfeld, e descer a Konrad Adenauer Strasse: ao fundo, vi
“Apotheke”. Lembrei-me: “Apotheke” é “farmácia”! Mas como pedir comprimidos
para as dores de cabeça? Fui-me recordando: “Schmerz” é “dor”, “Kopf” é
“cabeça”. Ergui as mãos, entrei na botica e desatei aos gritos - “Schmerz Kopf,
Schmerz Kopf!”. Respondeu o farmacêutico, compreendendo: “Ah, eine Aspirine?”.
Não me lembrara o óbvio – a aspirina era alemã, da Bayer.
Nuno Rebocho
1 comentário:
Delicioso!
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