Tudo isto em mais três crónicas de Alberto Gonçalves, no DN:
Os portugueses que ficam em casa
Os
portugueses estão contra a troika? Nem tanto. Uma sondagem da Católica para o
DN sugere que 64% dos cidadãos votariam hoje no partido que assinou o memorando
de entendimento ou nos partidos que o aplicam, com o principal partido do
Governo a registar uma subida de três pontos face à sondagem anterior.
Isto,
evidentemente, não significa que a maioria dos portugueses esteja satisfeita
com o papel do PS na bancarrota pátria ou com os esforços do PSD e do CDS para
em vão curar a bancarrota através da espoliação fiscal. Mas significa que,
apesar de tudo, as alternativas ao "sistema" suscitam menos confiança
do que o "sistema" propriamente dito. E que os regulares protestos
públicos, ainda que espectaculares, merecem ser lidos com uma ponderação que os
"media" e os extremistas raramente exibem.
Quem viu
as reportagens sobre as manifestações do passado dia 2 foi abalroado pela
garantia de que o País em peso aspira a lixar a troika. Não importa que na rua
marchassem um milhão e meio, um milhão ou 500 mil pessoas. Mesmo quando 30
sujeitos berram em frente à residência oficial do primeiro-ministro, o facto é
notícia e alimenta a noção totalitária de que os 30 sujeitos, espontaneamente
manipulados pela CGTP ou por metástases do Bloco, representam a população.
Por
estranho que pareça, não representam. Por estranho que pareça, os nossos
representantes na matéria são os políticos, tenhamos votado neles ou não,
gostemos deles (Deus me livre!) ou não. Numa altura em que abundantes luminárias
se referem jovialmente às "limitações" da escolha popular e tentam
pôr em causa a legitimidade eleitoral, convém lembrar que esta é a única de que
dispomos. Em democracia, claro. E embora a democracia em questão padeça de
inúmeras maleitas e se assemelhe a um desfile de incapazes, as opções restantes
implicam a consagração de rematados malucos, os quais procuram alcançar pelo
pandemónio o poder que as urnas não lhes concedem.
Dito de
outra maneira, por mal que isto ande, haveria forma de ficar pior, muito pior.
Os portugueses ou, para ser exacto, 64% dos portugueses suspeitam disso, por
isso lamentam os apertos em curso sem exigir a desgraça eterna. Aliás, suspeito
que quanto mais os 20%, 10% ou 5% se empenharem na desgraça mais crescerá a
quantidade de resignados à penúria presente, talvez futura e certamente
preferível ao caos.
A previsão do crime
Durante
meses, fomos informados de que a crise económica e a austeridade subsequente
seriam responsáveis pela promoção de zaragatas domésticas, abandono de animais,
suicídios, depressões, amuos, gripes e terçolhos. E do crime? Do crime nem se
fala. Ou falou-se imenso. Segundo especialistas sortidos, que às vezes fingiam
preocupação enquanto sentiam regozijo, a crise aumentaria os pequenos roubos,
os assaltos violentos, os furtos intermédios e a insegurança em geral. A
prevenção do crime viu-se substituída pela respectiva previsão.
Depois,
veio a realidade e constatou-se que, pelo menos em Lisboa, a criminalidade está
a diminuir, a geral em 5% e a grave em 15% face a 2011. Ou, ao contrário do que
consta, a capital não é afectada pela crise, ou, ao contrário do que constou, a
crise e as malfeitorias não são indissociáveis.
Por
acaso, também já tinha essa impressão. Por muito que os defensores dos
oprimidos insistam na tese oposta, nada assegura que um cidadão subitamente
desempregado desate a surripiar transeuntes de navalha em punho. E que uma
família incapaz de pagar a prestação do apartamento adira no dia seguinte à
prática do carjacking. E que um reformado cuja pensão foi subtraída pela
voracidade estatal se converta aos ensinamentos do estripador de Chelas. Etc.
Nem vale
a pena lembrar que, na generalidade do mundo ocidental, o crime e a
prosperidade tendem a crescer em simultâneo. Mas vale a pena repetir que a
ideia de que a pobreza conduz quase fatalmente à delinquência não é apenas
falsa: é ofensiva, bastante mais ofensiva do que os periódicos e ocasionalmente
obtusos desabafos dos srs. Borges e Ulrich. Por ridículo que fosse o chavão
algo salazarista do "pobres e honrados", o ridículo maior é que a
alternativa democrática se resuma ao "pobres e bandidos". Aliás, se
acrescentarmos o conhecido "ricos e ladrões", verifica-se que, em
Lisboa e no País inteiro, o crime tende para o anacronismo na medida em que não
sobra ninguém para roubar
A fé dos descrentes
O
sucessor interino de Hugo Chávez afirmou que a doença do falecido "rompia
toda a normalidade", um regresso à tese de que o cancro fora
"provocado" pelos EUA e por isso se distinguia dos cancros comuns,
inofensivos e ocasionalmente agradáveis.
Mas nem
tudo é mau, e o sr. Maduro tem razões para festejar. Primeiro porque subirá
provavelmente à presidência não interina. Depois porque, conforme explicou em
palestra televisiva, Chávez subiu às alturas e encontrou-se com Cristo, que
talvez num intervalo das conversas com Alexandra Solnado lhe confidenciou:
"Chegou a hora da América do Sul." Ou seja, Chávez fez lóbi no Céu e
colocou um argentino em Roma. Embora os motivos pelos quais Chávez não arranjou
um Sumo Pontífice venezuelano fiquem por esclarecer, os restantes factos são
indesmentíveis. Duvidar disto é duvidar do potencial cancerígeno da CIA, do
progresso social da Revolução Bolivariana e dos suínos ciclistas.
Quanto ao
Papa propriamente dito, o meu discreto ateísmo não me inspira grandes
considerações. Em compensação, o ateísmo ruidoso de muitos não os impede de
emitir palpites sucessivos acerca da matéria. Pelo menos em Portugal, os media
trataram de ouvir avidamente as opiniões de gente sem qualquer vínculo ao
catolicismo, o que faz o mesmo sentido que questionar um adepto dos Los Angeles
Lakers sobre o momento do Sporting. Neste caso, o fã de basquetebol diria
provavelmente não saber nada a propósito. Já os ateus militantes não só sabem
imenso a propósito do Vaticano como insistem em partilhar a sabedoria connosco.
Padecendo
de uma estranha maleita que os impede de viver em paz sem que o líder de uma fé
a que se dizem radicalmente indiferentes concorde com eles, os ateus militantes
receberam o Papa Francisco sob três perspectivas. A perspectiva simpática
apreciou a circunstância de o homem vir do hemisfério sul (porquê?) e ter sido
nomeado contra o "sistema" (apesar de ter sido o "sistema"
a nomeá-lo). A perspectiva hesitante lamenta que o homem não defenda o
casamento homossexual, o aborto, a eutanásia e, afinal, cada imperativo dos bem
pensantes. A perspectiva desconfiada descobriu (ainda que, conforme se comprova
no site do Bloco de Esquerda, à custa de manipulações fotográficas) a afinidade
entre o sr. Bergoglio e a antiga ditadura argentina. Enquanto os cardeais não
designarem um herege para pastorear os crentes, o catolicismo não se redime.
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