quarta-feira, 6 de março de 2013

MULTICULT

                                                para C. S.



agora não sou mais
um poeta ocidental


redecorei o apartamento
com materiais reciclados
adotei o linux
tornei-me vegan
e depois de trocar o carro
por uma bicicleta de bambu
parti para buscar atalhos
que me levem à mente leve


no caminho tatuei nas costas
uma palavra em páli
hoje vou repigmentá-las
para deixarem de ser pálidas


um piercing na ponta do nariz
para me tribalizar
uma ou outra cicatriz
para me destrivializar
arroz integral
para me integralizar
meditação transcendental
para me desintegrar


na me so atta
eu não sou isto
eu não existo
para negar o eu em voz alta:
pois eu é o que me ata
à morte viva do materialismo


viva a morte do materialismo


jejuarei para alimentar meu espírito
de pura energia vital
o caminho (magga)
para o nirvana ilumina
a morte de kurt cobain
a morte de john lennon
a de jim morrison também


sei que a morte que me convém
é a morte da morte
o nibbana
ao sol maior de um satori
à porta de uma cabana
vestirei um sari
à sombra de um pé de banana
enquanto a tarde cai
plantar-me em posição de lótus
no tatame da minha sala
ler um haicai de bashô
no cd uma ragga
rasga a pétala do silêncio
com a pétala da verdade
colada à testa
um colar de coral no pescoço
só pele e osso
vestindo uma cueca calvin klein
de finas fibras naturais
meu pensar não pensar flutua
a comunidade astral dos seres
aleluia


aleluia
sou holista
o caminho é o meio
o fim o começo
de uma renga cósmica
escrita pela consciência das coisas
digo para a minha samambaia
que já sabia
mas é para acariciá-la
com o gesto das palavras
que não dizem nada
as ilusões racionais do logos


até logo, minha flor
que eu vou para a bahia


porque meu filho não monta lego
nem toma coca-cola
a sua escola
maternal é logosófica
a filosofia está morta
viva a sabedoria cósmica


todo homem é um microcosmos
a mulher um macrocaos
vou adotar um macaco
não gosto da fome na áfrica
organizarei um evento pop
energizarei meu showroom com cristais
só venderei peças handmade
recolherei ready-mades pela paz


um graveto em cruz de compostela
uma mandala de pedra do himalaia
fui ao caribe mergulhar
a vida é água
amo nelson mandela
a água é vida
a terra, o fogo, o ar
gente é pra brilhar
que uso um brinco de cristal
da amazônia
vem o oxigênio do mundo
o sopro vital de gaia
o som de uma gaita de foles
fala da camada de ozônio
acompanhado de cítara
e percussão africana
axé olodum
detesto paul simon
amo todo mundo
é um
o universo holístico
minha alma é mística
meu personal trainning me estica
porque minha postura é ética
a minha causa transcendentalista
e minha casa energizada
com feng shui e cristais da aura


com papéis reciclados
faço cartazes pela paz:
não à globalização
sim à tribalização
meu iguana de estimação
se chama gandhi
a grande chama da alma
o incêndio imenso do desejo
sempre queimo incenso
não tenho mais azia
o sol vem da ásia
a noite sem ânsias
a manhã com mais apetite


meu filho nunca teve amigdalite
nem crises asmáticas:
por causa da medicação homeopática
por obra da meditação sistemática
por graça da mediação mediúnica
do meu xamã
cuja chama vive em cuzco
e me chama pelo face
envio mensagens de paz
recebo mapas astrais
conto minhas vidas passadas
para o numerologista
passo o número do acupunturista
marco as minhas massagens
peço minhas passagens
pela vida recomeçarem
num vale do tibet
conheci minha mulher
interior
a atual num mercado natural
a anterior fazendo sexo astral
na fazenda de um cantor baiano
conheci a comida orgânica
entrei para uma ong
que combate ogms
procurando ovnis
descobri que o amor é entrega
depois de um sushi delivery
pedimos um filme do richard gere
por pay per view
vejo todos os shows
em prol da luta contra a aids
uso uma fita cor-de-rosa
e camisinhas multicor


meu exame ninguém viu
mas deu negativo
porque não acredito em vírus


a doença é o desequilíbrio
a cura será no solstício
estarei em stonehenge
o senhor me protege

2 comentários:

Joaquim Simões disse...

Eu...não diria melhor!

Anónimo disse...

Politicamente incorrecto, deliciosamente malcriado para com os canalhas do lirismo pugressóide. Se o chavismo, como querem os "demo-pugressistas" portugueses, que vão votar no Chavez luso mesmo depois de morto (o cadáver continua de boa saúde, como nos tempos do Tchernenko) esta autor será de imediato queimado.Se o Harmónio Cralos ler isto, dá-lhe o baque. E é bem feito, coralgo!

Jorge Amoroso Compulsivo